domingo, 3 de outubro de 2010

Guiné 63/74 – P7072: FAP (52): Estatística das minhas missões em DO-27 e FIAT G-91 (António Martins de Matos)




1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen PilAv Res), enviou-nos, em 30 de Setembro último, a seguinte mensagem:


Caros amigos,


Deixem-me dizer-vos que fiquei deveras surpreendido com o acolhimento do meu último texto, não esperava tantas e tão amáveis palavras.


Uma coisa é certa, com os meus cabelos grisalhos, já tinha constatado que o pragmatismo por vezes tem que ser temperado com uma dose de sorrisos, caso contrário acabam por matar o mensageiro.


É verdade que o texto tinha uma tantas “armadilhas”, mas até se deu o caso de descobrirem mais “indirectas” daquelas a que me tinha proposto.


Aproveitando a oportunidade:


- Ao Manuel Marinho, as Berliets que falei faziam parte da coluna de Binta para Guidage e, ao serem abandonadas, acabaram por ser destruídas pela FAP;
- À Filomena, obrigado pelo seu comentário, foi mais que suficiente;
- Ao Hélder Valério e em relação à questão de moral levantada a propósito do napalm, ponho-lhe a seguinte questão:
Imagine-se a levar morteirada da grossa e, em desespero de causa a pedir a ajuda da FAP.
Agora imagine que eu estou à vertical do seu quartel e que, como armamento só tenho napalm.
No seu entender, que acha que deveria ser feito, onde começa e termina a moral?
- Ao Mário Pinto, manda quem tem mais qualificações, ou não é assim no dia-a-dia?
- Também constatei que não posso dizer aquela palavra começada por G, caem-me logo em cima, e no entanto desta vez só repeti o que vem descrito naquele livro que já foi apresentado numas quatro ou cinco vezes.
Que escusam de ficar descansados, eu que estive lá, ainda que por cima, que até tenho um dos meus relatórios de missão escarrapachado no tal livro (página 415), falarei do tema tantas as vezes quantas achar que devo falar.
E que fique claro, não tenho nada contra ninguém, até me prezo de ser amigo do Manuel Reis.


Mas a razão pela qual volto a escrever é outra.
AS MISSÕES DE DO-27 E FIAT G-91, E AS MISSÕES DE FIAT G91, POR SUA VEZ, DIVIDIDAS EM PLANEADAS E EM APOIO URGENTE, AO LONGO DOS MESES DA MINHA COMISSÃO
Ao consultar a minha Caderneta de Voo do tempo da Guiné e dado que uma imagem vale mais que mil palavras, achei interessante dar-lhe uma forma gráfica.


Claro que estes gráficos não mostram o esforço da FAP, apenas a minha pequena contribuição na guerra em que todos nós participámos.


Quem quiser analisar os gráficos, a algumas conclusões chegará.


Posto isto, apresento os meus dois “bonecos”:


O primeiro contem o número das minhas missões de DO-27 e Fiat G-91 ao longo dos meses de comissão;


O segundo apenas regista as missões de Fiat G91, por sua vez divididas em Planeadas e em Apoio Urgente.


Algumas dicas em relação ao primeiro gráfico:


- A laranja estão as minhas missões em Fiat-G91 e a azul as de DO-27.
- Nos meses de Nov72 e Ago73 estive de férias;
- Os mísseis Strela apareceram em Abr73;


Dicas para o segundo gráfico:

- As missões a verde eram pré-planeadas de véspera (ex. Ida a Cumbamori);
- As missões a laranja eram as solicitadas pela rede do Exército para apoio urgente;
- Em termos práticos representam o número de quartéis a quem fui dar apoio imediato;
- Quanto mais “laranja” apresentar o quadro tanto mais violenta estaria a guerra;
- Em Maio73 o apoio foi maioritariamente a Guidage e Guileje;
- Em Janeiro74 a Canquelifá e Copá.
E já agora algumas curiosidades tiradas da leitura da Caderneta de Voo:

- Os primeiros voos de DO-27 em Maio de 72 serviram para a qualificação na aeronave, aterragem em Bula, Binar e Biambe e “já estás pronto para operações”;
- 10 Junho72, primeiro transporte de pessoal, Tite, Fulacunda, Tite, os 4 passageiros viram um Tenente Periquito e ainda por cima maçarico na avioneta, iam morrendo de susto;
- 17 Junho, a minha primeira evacuação na Guiné, a Bissorã;
- 21 Junho, a primeira missão mista, estando aterrado em Guileje a descarregar material, pediram apoio urgente para um ferido em Gadamael;
- 23 Junho, piloto de longo curso, Bissau-Pirada-Bissau;
- 7 Julho, a primeira aterragem em Guidage, porcaria de pista com vacas e arame farpado;
- 8 Julho, o primeiro posto aéreo de comando, em Teixeira Pinto, para a zona da Caboiana;
- 16 Julho, dia em que andei a fazer de “fuzileiro” pelos afluentes do rio Cacheu (é uma outra história);
- 31 Julho, o meu primeiro destacamento de 1 semana em Nova Lamego.

E pronto, tenho outros gráficos que mostram a evolução diária da guerra, mas já seria abusar da vossa paciência.

Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten PilAv da BA12
____________
Nota de M.R.:

8 comentários:

Luis Faria disse...

António Martins de Matos

Um dos "espectáculos" mais bonitos(?) a que assisti,foi a um apoio de Fiat num anoitecer, picando e largando a "metralha" a "meia dúzia de metros" de nós!Espectacular!

Pelos mapas que apresentas,quer-me parecer que,pelo menos pela tua parte,as saídas tiveram um grande incremento a partir de 73 ?

Um abraço
Luis Faria

Unknown disse...

Alguém me sabe dizer algo sobre as Convenções Internacionais, sobre a utilização do napalm ?
Começando pela separação entre executor do mandante. A não ser que aquele se queira substituir ao mandante, com os respectivos louros, que eu não os desejaria nem morto.
O napalm, ou melhor a utilização do napalm, é um assunto demasiado sério para ser tratado como elemento de uma "aventura" militar individual.
Entenda-se "aventura" como episódio militar, individual, como parte das estórias de cada um, em comissão militar.
E a nível de patentes não podia haver desconhecimento de consequencias, erros de estratégia ou de tácticas. Já havia sufeciente conhecimento dos resultados em outras guerras em outras latitudes.
Além de mais o repúdio mundial por estas armas na época e muito antes, já era enorme.
Sobre outros considerandos, não me permito comentar, fica com a consciência e o carácter de cada um.
Acho que é um dos assuntos muito sérios sobre a nossa guerra colonial, que tem que ser, ou deverá ser tratado de forma clara, sem "armadilhas" e/ou "indirectas" (estas aspas não são minhas).

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Anónimo disse...

Resposta às dúvidas do Carlos Filipe:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Napalm

Um abraço
António Martins de Matos

Unknown disse...

Obrigado amigo António Martins.
Sómente pretendi com a minha interrogação, levar a que os ex-militares, procurassem saber mais alguma coisa sobre a matéria.
A "wikipedia" embora modesta sobre o assunto e criada por voluntários, está sujeita a muitas lacunas e/ou deturpações.
De qualquer forma, será um bom ponto de partida para os mais leigos.

Não nos podemos alargar muito na discussão, porque este blogue não é própriamente um forum de discussão.

Os melhores cumprimentos e um abraço
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Anónimo disse...

Caro António Martins Matos.

Agradeço a informação prestada, sobre a destruição das viaturas da coluna Binta-Guidaje, que era de facto da coluna onde nós íamos (2 Berliets e 2 Unimogs).

De qualquer forma, e sem querer abusar, fico sem perceber o tal “processo de averiguações”, já que ao que julgo saber foi na altura pedido à FA para destruir as viaturas, depois da nossa retirada para Binta.

Quanto à actividade operacional de voo depois do aparecimento dos mísseis Strela, em Abril/73, seria de esperar uma drástica diminuição de missões, ora verificando o gráfico 1 constato o contrário, isto é maior número de missões, o que prova que a FA continuou a prestar o auxilio necessário às forças terrestres.

Outra conclusão no gráfico 2 é o grande número de missões em Maio/73 Guidaje e Guileje assim o exigiram, numa situação de excepção.

Um abraço

Manuel Marinho

Anónimo disse...

Pergunta acerca das dúvidas do sr. Carlos Filipe - construiu-as na secretária da CCS onde esteve colocado, leu em algum panfleto da época ou é mera elocubração moralista e tardia?


SNogueira

Unknown disse...

Sr. SNogueira (conforme sua assinatura e tratamento) lamento que tenha uma sensibilidade tão à flôr da pele.
Por outro lado não lhe vou dar o prazer da argumentação. Só por uma questão de escala de valôres.

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Hélder Valério disse...

Caro António M. Matos

Esta minha intervenção não é propriamente sobre o conteúdo deste post em si mesmo, o qual é de facto para ler e reflectir.

É antes para agradecer as palavras (em forma de questão interrogatória) que me foram dirigidas a propósito das observações que fiz ao artigo anterior.

Reconheço que não alinhei pelo diapasão geral da 'gratidão reverenciada' ao artigo sobre "a noite mais perigosa da minha guerra" que, quanto a mim, é uma história bem engraçada, bem contada, e cujo título parece parodiar a série "a minha guerra", do suplemento de domingo do Correio da Manhã.

No entanto reconheci-lhe os méritos e disso dei conta na primeira parte do meu comentário, que era muito extenso e por isso tive que parti-lo em dois, sendo que a primeira parte versava o que tinha gostado e na segunda o que não tinha.

E até parece que não me enganei porque é o próprio António que agora escreve que reconhece que:
"É verdade que o texto tinha umas tantas “armadilhas”, mas até se deu o caso de descobrirem mais “indirectas” daquelas a que me tinha proposto."....

Foram essas 'armadilhas' (a que se tinha proposto...) exactamente que me levaram a citar o que não gostei. Pelas 'armadilhas' em si mesmo e pela capacidade que elas tinham (e tiveram) de obter aplausos acríticos.

Deste modo, quando o António coloca de modo interrogativo:
"Ao Hélder Valério e em relação à questão de moral levantada a propósito do napalm, ponho-lhe a seguinte questão:
Imagine-se a levar morteirada da grossa e, em desespero de causa a pedir a ajuda da FAP.
Agora imagine que eu estou à vertical do seu quartel e que, como armamento só tenho napalm.
No seu entender, que acha que deveria ser feito, onde começa e termina a moral?", só posso dizer que as coisas colocadas assim têm um nome, que agora não me ocorre, mas que é expectável eu talvez responder: "pois sim senhor, venham de lá essas 'ameixas' que eu quero é salvar o corpo".

Mas a questão que coloquei no comentário não foi essa.
Foi, em primeiro lugar, por a questão vir como 'remoque' ao 'pessoal dos cafés', com tudo o que isso pode querer significar e depois por uma questão realmente de moral: era ou não uma 'arma' com características tais que a levaram à categoria de 'proibida'? Não questionei a 'data' da entrada em vigor(?) dessa categoria mas sim o facto de se achar isso uma 'coisa boa'.

Uma última questão: tem o António toda a razão quando diz que "o pragmatismo por vezes tem que ser temperado com uma dose de sorrisos, caso contrário acabam por matar o mensageiro", pois realmente há rapaziada que não tem sentido de humor ou então ficam com a susceptibilidade ferida muito facilmente o que, felizmente, não parece ser o nosso caso.

Um abraço
Hélder S.