domingo, 24 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7170: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (8): Da Casa Gouveia aos Armazéns do Povo

1. Mais um texto do António Rosinha (, foto à esquerda), 




Data: 23 de Outubro de 2010 23:55
Assunto: A adaptação da Casa Gouveia (capitalismo)aos Armazens do Povo(comunismo)-Transformação muito imaginativa



A experiência socialista na Guiné com Luis Cabral, e a tentativa do mesmo socialismo com Vasco Gonçalves/Cunhal em Portugal, quase chegou a satisfazer a curiosidade daqueles que, como muitos de nós,  olhavam para as economias de leste, como fruto proibido pelo salazarismo.


A malta em África, sem televisão nem jornais, criou um hábito de fazer zapping no rádio transistor, que corria emissoras em português desde Argel, BBC, rádio Tirana, Praga, rádio Moscovo e Voz da América,  etc, mas dávamos muita preferência ao que vinha de leste.
De maneira que se adquiriu uma grande curiosidade e até alguma crendice no comunismo.
Um slogan que se ouvia muito dirigido contra Portugal nessas emissoras, em duplicado, uma emissão para Portugal e África e outra para Brasil e América, era chamarem "colonialistas, imperialistas e fantoches", que penso que seriam os brancos, os militares portugueses  e os africanos que estavam ao nosso lado.


Quando Norton de Matos em 1949 se candidatou a presidente da República, e desistiu in extremis, nas aldeias do interior a mesa de voto em geral era nas nossas escolas que hoje estão abandonadas. Os nossos velhotes, se não fossem comunistas ou do contra,  iam votar no Craveiro Lopes,  por aconselhamento do regedor, do presidente da junta, e do padre e talvez do professor.


Os que eram comunistas clandestinamente, que já tinham as melhores casas e as melhores propriedades classificadas e destinadas a ocupações por  eles próprios, votavam,  como se dizia naquele tempo, no contraPreviamente a PIDE encarregava-se de os engavetar e pô-los à sombra por uns dias se não acontecesse pior, como mais tarde vieram os relatos.
Em 1949, quem tivesse 10 ou 11 anos podia ficar com esta lembrança dos acontecimentos no mundo rural da metrópole.


Passados uns anos, em 1958, quem tivesse 20 anos, via os mais velhos votarem no Américo Tomás, aconselhados pela União Nacional, pelos chefes instalados, e pelos que tinham medo ao comunismo. Os que eram do contra, por exemplo,  uns colegas meus, votavam Humberto Delgado, porque aí o Salazar ia à viola e os funcionários que nunca eram aumentados, iam ganhar mais, diziam os menos politizados, e os mais politizados sonhavam que com o comunismo é que devia ser bom.


Falava-se que Humberto Delgado teve mais votos, mas houve falcatrua, e no caso de Angola onde se notava menos a presença da PIDE, havia euforia nítida a favor de Humberto Delgado. Mas uma ideia que ficou em toda a gente, em 1949 e em 1958, é que nem um general nem o outro eram anti-colonialistas declarados. Mas uma coisa hoje os livros confirmam o que se pensava nesse tempo, os socialistas/comunistas colaram-se a esses candidatos da oposição a Salazar. E já havia nos votantes do contra, muitos com ideias anti-colonialistas e pró-independência, no pessoal letrado das colónias.


Dizia-se que  essas eleições «abalaram os alicerces» do Estado Novo. Mas o grande abalo deu-se em 1968,  quando se partiu o pé da cadeira onde o Botas [, Salazar,] descansava , e passados poucos anos vimos, quem viu, a implantação do socialismo/comunismo na Guiné Bissau, com toda a naturalidade e sem a mínima oposição.


Em Angola e Moçambique não se pode dizer o mesmo, pois que o MPLA e FRELIMO tiveram os inconvenientes duma guerra bastante longa, e em Portugal deu-se o 25 de Novembro muito cedo, o que não deu a tranquilidade de que auferiu o PAIGC na Guiné e em Cabo Verde, onde o regime socialista se concretizou.








Guiné > s/d > Algures, em região sob controlo do PAIGC (ou "região libertada") > Um armazém do povo. Fonte: PAIGC. Segundo texto do Jorge Santos, membro da nossa Tabanca Grande, "O PAIGC promove a criação dos Armazéns do Povo por decisão tomada no 1º Congresso de 1964. O objectivo dos Armazéns do Povo, empresa geral de comércio de tipo estatal, era garantir o fornecimento de artigos de primeira necessidade à população das regiões libertadas e, por meio de troca, receber produtos agrícolas que deveriam em seguida escoar-se para o exterior, criando-se e desenvolvendo-se assim, progressivamente, a base de um comércio externo. O número de Depósitos dos Armazéns do Povo passou de 6, em 1964, para 16, em 1969". Fonte: PAIGC - História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde. Porto: Edições Afrontamento. 1974

E aqui entram as teorias escritas de Amílcar Cabral, e a execução prática de Luis Cabral, implantando o regime socialista com o apoio dos países de leste e Cuba, mas também da anuição da cooperação portuguesa e de muitos países que não eram comunistas. E, quem tivesse vivido muitos anos à espera de ver o comunismo implantado em África, que fosse a Bissau, que ficava admirado como Luis Cabral adaptou o regime colonial-salazarista, ao regime que,  penso eu, era o regime marxista, ou soviético, ou resumindo, o regime que o Salazar combatia e Nossa Senhora de Fátima dizia que era mau.


Como Luis Cabral conhecia bem a Casa Gouveia e o semi-monopólio da mesma, apenas lhe passou a chamar Armazéns do Povo e passou a administração para o PAIGC. Todo o comércio que se praticasse, desde a mancarra exportada a tudo o que fosse importado, ou recebido por doações, passava pelos Armazéns do Povo.


Até parecia fácil como aquele regime (económico) funcionava, e Luis Cabral mostrava um àvontade na governação que parecia que tinha nascido para governar. No caso da produção agrícola interna e transportes fluviais, foi seguir simplesmente o procedimento do colon, que ele conhecia bem, e projectou um melhoramento dos acessos fluviais herdados do colonMandou reconstruir pontes cais de Caboxanque, Cadique, acostamento  de Impungueda, Binta, e várias rampas para canoas.


Fez acordos de cooperação com técnicos de meio mundo para melhorar a produção de arroz, cajú, etc, e uma fábrica de transformação de produtos agrícolas no Cumeré, e até já tinha uma estrada projectada de Antula para o Cumeré sobre o canal do Ipernal. Não havia produtos à venda nas lojas dos portugueses e libaneses, era só prateleiras vazias, e quando os Armazéns do Povo tinham produtos para venda, fornecia essas lojas de venda a retalho.
Mesmo a venda de porta a porta do produto das mulheres que apanhavam camarão, com uma pesca muito característica aproveitando as marés, essas mulheres estavam proibidas de vender esse camarão, porque era defraudar a economia guineense, pois só os Armazéns do Povo podiam pôr esse camarão no circuito comercial. Assim como também era proibida a venda na via pública de  cajú ou mancarra torrada  pelas mulheres e crianças,  pela mesma razão de ser um crime económico.


Pode haver alguem eventualmente que duvide desta minha afirmação, mas desde já aviso que assisti a polícias perseguir mulheres e garotas, que frente à UDIB vendiam pequenas medidas de mancarra e camarão,  que tinham que fugir para não perder o produto.
Tambem foram criados postos de controlo em pontos estratégicos de acesso às cidades, sendo que o mais célebre era junto a Safim, que controlavam a circulação de pessoas e bens.


Vendo  como o governo de Luis Cabral implantava o sistema comunista, num país em que o povo aceitava tudo o que lhe era imposto, inclusive as filas (formas) para adquirir o simples pão ou arroz, e até aceitava que os membros e famílias do PAIGC tivessem o privilégio de não ir para as filas do pão, era natural que houvesse algum tipo de revolta, mas tal não se manifestava. E até parecia não haver muita violência, pois que em cada fila, ou nas padarias, ou nas lojas, ou no mercado municipal, um único polícia  era o suficiente para manter a ordem.


O governo e o PAIGC, ao fazerem a adaptação do sistema colonialista/capitalista ao sistema comunista, de um momento para o outro, tinha que haver alguma capacidade quer de autoridade como de capacidade governativa. A autoridade, essa, facilmente se encontrava na força militar do PAIGC. Mas a capacidade governativa  donde vinha, se os guineenses eram na maioria sem escolaridade,  e os mais estudados como os antigos estudantes do império, eram em número muito reduzido? E uma grande parte de gente guineense com mais preparação, não se deixou engajar pelo projecto de Amilcar Cabral?


Sem dúvida, para mim evidentemente, que Luis Cabral baseou a equipa governativa em gente de Cabo Verde, que temos que reconhecer, pelo que acontece com a governação de Cabo Verde, estavam bem preparados. E com a saída dos caboverdeanos em 1980,  com o golpe de Nino vieira sobre Luis Cabral, foi o total descalabro. Porque com todos os problemas que houvesse com Luis Cabral e os caboverdeanos no governo, havia uma enorme credibilidade internacional que foi posta em causa, e a rotina governativa que já existia foi desfeita e não havia outra alternativa preparada.


Os caboverdeanos da maneira como vencem as dificuldades de governar uma terra como Cabo Verde, fariam coisas maravilhosas na Guiné, se não fossem as contradições que é evidente que existiam no interior do projecto do PAIGC. Vão morrendo alguns, Luis Cabral, Vasco Cabral, Nino Vieira, por exemplo, sem relatarem quais as virtudes e os defeitos daquele projecto, o que poderia explicar alguns acontecimentos antigos e modernos que se passam na Guiné, e poderia ajudar a resolver alguns problemas, se alguem publicasse a história dos bastidores de Conacri, Havana e Moscovo. Mas quem conhecesse o que pensavam os angolanos e caboverdeanos antes de a  luta armada de libertação começar, desde funcionários públicos, estudantes ou comerciantes, sabia que eles diziam e pensavam que se governavam muito bem se a Metrópole os deixassem governar. Isto no caso do PAIGC e MPLA, não me refiro à UNITA e UPA (FNLA).


Indepententemente de concordarmos ou não que os diversos países africanos deveriam ficar independentes das metrópoles naquelas circunstâncias da guerra fria dos anos 50/60 do outro século, penso hoje que Angola e Moçambique e a Guiné tinham gente capaz de fazer das suas terras uns países de fazer inveja e que sabiam governar. Claro que também se sabe que os que podiam fazer daqueles terras, países sem guerras e com harmonia e prosperidade poucos ficaram nessas terras, sendo que a maioria está na Europa, Brasil  e até na América e Canadá ou já morreram.


Menciono apenas Amílcar Cabral e Luis Cabral para dar o exemplo dos que podiam fazer coisas lindas. Mas em Angola e em Portugal conheci e conheço muitas figuras públicas que podia mencionar e que andam por aí no jornalismo e na política portuguesa.


Então quem há uns tempos atrás tenha trabalhado em empresas de construção civil em Portugal, via que era rara a empresa em que nas chefias não houvesse um engenheiro angolano ou moçambicano e técnicos de toda a ordem.


Mesmo na Guiné houve sempre muitos engenheiros e técnicos angolanos e moçambicanos nas empresas portuguesas que trabalhavam como portugueses porque fugiram da guerra e da política entre os movimentos vencedores(!) nas suas terras de origem. Poderia haver desentendimentos políticos e até algum tipo de ditadura como também houve em Cabo Verde, mas aqui entenderam-se sem haver guerra nem quente nem fria nem tiros nem assassinatos.


Mas sem dúvida que Luis Cabral quase conseguia realizar alguns dos sonhos de Amílcar: o socialismo e a unidade. Enquanto ele governou funcionava, pelo menos aparentemente, o socialismo/comunismo, penso que com todas as suas características, pelo menos no campo económico. Quanto à unidade que Amílcar falava, pelo menos etnicamente,  parecia alcançada, apenas a unidade com Cabo Verde se saberá o que se passou, quando a história dos bastidores for publicada por aqueles que viveram por dentro dos mesmos.


Como tive ocasião de ser cumprimentado em grupos de trabalho,  mais que uma vez pelo presidente da República da Guiné Bissau,  Luis Cabral, em que o ouvi falar e senti o entusiasmo com que estava dedicado à Guiné, acredito que por ele, todos os sonhos de Amílcar Cabral se concretizariam. 


Mas uma coisa que sem dúvida falhou no projecto do PAIGC, e de Luis Cabral, foi a falta de colaboração do povo, principalmente dos mais idosos que viviam de braços caídos durante todos aqueles primeiros anos de independência. Mas se com Luis Cabral o socialismo não entusiasmou, com Nino Vieira dilui-se bastante com gilas, industriais de madeira (madeireiros),  importadores de vinho, empreiteiros, etc., até que foi dado por findo mais ou menos em 1990, tranquilamente.


Este testemunho do que vi não é documentado nem quantificado, apenas fotografado de memória e que se não tivesse visto e estado nas filas de pão e de peixe, mais de meio ano sem comer batatas (das nossas), matar a fome milagrosamente na pensão da Dona Berta, e os guineenses da  Tecnil já não compareciam ao trabalho porque não tinham arroz (fome em familia), não é para condenar nem aplaudir o governo ou as ideias do PAIGC.

É mais uma tentativa para compreender que ideias e projectos se realizaram e/ou ficaram por realizar na luta tremenda do PAIGC, que fazendo juz a uma máxima  que se ouviu durante muitos anos "e a luta continua", e que parece que ainda hoje continua.
 
Até porque se a governação na Guiné é complicada, pessoalmente gostei de trabalhar e conviver com imensos guineenses, e apesar das dificuldades, a dividir por todos não custa nada, a Guiné é mais tranquila e viável que muitos países africanos e até se vive muito melhor (os guineenses são mais humildes) que em muitos países latino-americanos.
Eu, pessoalmente,  já trabalhei no Rio de Janeiro, junto à favela da Rocinha, em que,  chegando às cinco da tarde,  chegava junto a mim um segurança armado até aos dentes, e dizia: 
- Cara, si tu não larga tudo e vai, dentro de 5 minuto tu tá por tua conta!


Espero que um dia os guineenses oiçam a explicação porque tinha que ser como foi, e aí talvez aqueles que estão de braços caídos se entusiasmem.
Cumprimentos para todos,


Antº Rosinha


[ Fixação / revisão de texto / título: LG]

 _____________


Nota de L.G.:

15 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Rosinha

Gostei.
Texto interessante que contém um conjunto de informações e de motivos de reflexão capazes de trazerem mais alguma luz ao nosso conhecimento do que lá se tem vindo a passar e que, em certa medida, é também reflexo do que cá se passou.

Um abraço
Hélder S.

Cherno Baldé disse...

Amigo Rosinha,

Sem concordar inteiramente com tudo o que diz neste texto, confesso que, de facto, as imagens retradas sobre o país (Guiné-Bissau) e, mais concretamente sobre Bissau naqueles fatidicos primeiros anos da nossa independencia são a mais pura verdade e que ninguém poderá contestar ou desmentir sem correr o risco de se ridiculizar, factos são factos.

Todavia há questões de fundo em que, a meu ver, o Rosinha não conseguiu fazer a devida e necessaria separação, metendo tudo no mesmo saco (como se diz por aqui). Por exemplo o desejo de implantar o comunismo na Guiné, visto como primeiro objectivo do PAIGC, de Amilcar e de Luis Cabral. Não sei se isso corresponde a realidade dos factos. Lembro-me da resposta a que Amilcar deu a um jornalista, penso que em Italia, durante uma conferencia internacional. Indagado se ele era comunista e lutava para a implantação do comunismo no seu país, ele respondeu, mais ou menos, nesses termos: Se pelo facto de lutar e de querer a liberdade, a dignidade e o bem estar para o meu país, é ser comunista, então digo que sim (as palavras são minhas).

"...na Guiné, aparentemente, o povo aceita tudo que lhe é imposto sem se revoltar". É verdade, Rosinha, mas atenção é só aparentemente, porque de tanto sofrerem represálias crueis (ver criminosas), e isto desde os tempos da ocupação colonial, os povos aprenderam a não enfrentar as injustiças e o poder instituido assim de caras, mas as consequencias depois são por demais evidentes. Lembram-se do golpe de 14 de Novembro ou ainda da morte do Presidente Nino. Qual foi a reacção do povo? Nenhuma, no fundo todos (ou muitos) ficaram aliviados, e não houve uma unica voz a contestar, excepção feita a a familia, claro.

Por fim, e para não me alongar, diz que "o que falhou no projecto do PAIGC e Luis Cabral foi a falta de colaboração do povo". Bem, o povo aceitou tudo, aguentou enquanto pode mas, como sempre, tudo tem seus limites, não é ?
Há uma frase muito interessante no livro apresentado no poste de Beja Santos que afirma que: O que todos os movimentos nacionalistas (de libertação) que se acotevelavam nos corredores de Dakar e Conacri tinham em comum era quererem a Guiné para os Guineenses. Este nacionalismo exacerbado, na minha opinião e ai estamos de acordo, levou o país a enveredar por um destino incerto, descontrolado, cheio de incertezas em relação ao futuro e nas mãos de pessoas, que alguns anos antes, seriam das mais improváveis.

Eu acredito, ingenuamente, que apesar dos crimes cometidos (que bem podiam ser considerados de genócidio) e a fome engendrada, pelo menos nessa altura havia um projecto de construção nascido de um ideal positivo(com todos os defeitos imputáveis) que guiava a restrita cupula dirigente, o que deixou de existir a partir do momento em que o país passou para as maõs dos verdadeiros filhos da terra.

Obrigado Rosinha e continua com as tuas excelentes notas de Colon (Colons há muitos, e lá como cá)que nos vão elucidando sobre os outros tempos.

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Tenho duas perguntas para Cherno Baldé,que me säo provocadas pelas seguintes afirmacöes no comentário....("Pelo menos nessa altura havia um projecto de construcäo nascido de um ideal positivo(com todos os defeitos imputáveis)que guiava a restrita cupula dirigente,o que deixou de existir a partir do momento em que o país passou PARA AS MÄOS DOS FILHOS DA TERRA").Quer-se com isto dizer que a Guiné estaria melhor governada por "outros",que näo,os filhos da terra? ("O que todos os movimentos nacionalistas,de libertacäo,que se acotovelavam nos corredores de Dakar e Conacri tinham em comum era querer a Guiné para os Guineenses.ESTE NACIONALISMO EXACERBADO........").Querer a Guiné para os Guineenses,precisamente como querer Portugal para os Portugueses,poderá considerar-se de...."nacionalismo exacerbado?".E,..."apesar de tudo",näo seriam os Cabo Verdianos um corpo täo estranho ao verdadeiro tecido social local,como ,por exemplo os portugueses,que por lá estavam há mais de 400 anos? Näo será boa prova disso ambas as
"rejeicöes"? Um abraco.

Cherno disse...

Amigo J. Belo,

A primeira afirmação deve ser vista com cuidado, pois ela retrata uma certa realidade local se quiser uma corrente de pensamento que nasceu nos centros urbanos (Bolama e Bissau)no auge da competição entre as diferentes componentes sociais que giravam a volta dos presidios e casas comerciais (principios do sec.XX), mormente entre os assimilados, oriundos dos grupos etnicos locais e os outros vindos de fora (S. Tomenses, caboverdianos e Portugueses e mais tarde, também, os islamizados do sertão). Dentro desta logica, os verdadeiros Guineenses seriam os chamados "pretos nok" ou seja nativos locais, não mestiços.

Apesar das aparencias de convivencia pacifica, consubstanciadas na propaganda do partido unico, esta corrente infiltrou no seio do PAIGC tendo ganhado força e adeptos ainda durante a luta. Depois dos Portugueses, seria a vez dos "Burmedjos" ou seja os mestiços, que não eram outros senão os caboverdianos do PAIGC e que se manifestou no golpe de 14 de Novembro de 1980. A partir dai foram os "verdadeiros filhos da terra" a comandar com os resultados que se conhecem. Quando se deu o golpe todos nós choramos, juntamente com o Nino, junto ao Palacio do Governo, na rotunda do imperio (agora herois nacionais), pensando: "agora é que é, agora somos nós a mandar", tudo não passou de uma montanha de ilusões que depois se transformou num mar de frustrações que ainda hoje nos cobrem de vergonha aos olhos do mundo.

A minha visão hoje, é que a Guiné precisava e precisa ainda de todos os seus filhos e verdadeiros amigos. Os Guineenses descendentes de Caboverdianos como Amilcar ou Luis Cabral foram muito mais patriotas que todos os nossos "verdadeiros filhos da terra" juntos. Não se trata de competencias é muito mais que isso.

Há dias ouvi pela radio RFI, uma entrevista de José Turpin (irmão de Elysé Turpin, co-fundador do PAIGC) que falava de Cabral dizendo: Quando ele chegou a Conakri, escondido sob o pseudonimo de Abel Djassi, e onde eu e mais outros camaradas já nos encontravamos, rapidamente se impôs como lider, não pela força mas pela sua integridade moral e força de convicção. Foi ele que nos unificou sob uma unica liderança politica e estratégica, antes dele, os "verdadeiros" Guineenses pavoneavam-se por ai perdendo seu tempo em discursos patrioticos e disputas pueris por mulheres (prostitutas provavelmente).

Acho que a luz do que aconteceu nos nossos paises e em Africa, não será de todo errado reconhecer que paises como Angola e Moçambique, a Guiné também, poderiam ser muito mais prósperos e competitivos se não tivessem corrido com os seus compatriotas brancos. Estando de viagem para Moçambique, estive alguns dias em Johanesburg, no aeroporto, onde vi empregados pretos e brancos trabalhando lado a lado, falando em lingua local (Zulu, ou outra) mesmo se os pretos, por enquanto, estão maioritariamente confinados a cuidar das cargas e latrinas.

Certamente é mais facil falar assim agora, porque naqueles tempos nem nós nem vocês estavamos preparados para conviver de forma sã, de igual para igual. As barreiras eram artificiais mas convinham a parte dominante.

Obrigadao,

Cherno

Anónimo disse...

Caro Cherno Baldé. Fico grato pelos esclarecimentos que vêm contribuir para um constante melhorar de prespectivas,e conhecimentos,sobre a Guiné,täo dificeis (actualmente) de se obter por aqui.O tempo para se resolver alguns dos sérios problemas locais,como da restante África, será,certamente,demorado.Só se espera que näo seja täo demorado como o que tem levado aos (täo críticos) Europeus a resolver os seus problemas...ainda bem longe de resolvidos! Um abraco.

Unknown disse...

Caros Amigos. Creio que se trata de uma questão sanitária. Porque o "saco" a que o Cherno Balde se refere e estou de acordo, está repleto de "detritos" calculados, extrapulados, encenados e suportados (quem sabe ?) em titulos ou discursos em muito semelhantes ao que agora prolifera por circulos pseudo-honorables politic lá pelas bandas de
áfrica, que mais não é do que neo-colonialismo para perpetuar, precisamente a chamada humildade do povo da Guiné.

Caro Rosinha, o amigo persiste em recorrer a tópicos (vividos ou não por si) e formatar na sua imaginação determinada
análize que pretende "exacta" e/ou verdadeira, mas que tem um erro crasso. Não tem localização histórica, politica, social ou económica.
E muito menos culpados ou vitimas concretas e respectivas consequencias passadas ou futuras.
Começa pela pela Casa Gouveia pasa pela aprecição depreciativa de forma sublime,de lideres politicos à altura, divaga sobre povo(s) e termina na humildade dos guineenses.
??? O que nos queria dizer exactamente?. Pelo menos para a minha compreensão.
Outro erro é fazer uma apreciação à luz dos padrões da politic de hoje, pretender que no inicio da formação (37 anos)de um estado saído de uma guerra de libertação, os seus dirigentes tivessem dotes de super chefes de estado.

Unknown disse...

Desculpem, esqueci-me

Um abraço para todos
Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Antº Rosinha disse...

Amigo Cherno,

Quando digo que o Luis Cabral implantava o comunismo, era apenas o que se via naquele tempo.

Agora quanto a ficarmos na dúvida se Amilcar era ou não comunista é lógico que fiquemos na dúvida, até porque mesmo em Portugal muitos que o eram mudaram de campo na primeira oportunidade.


Mas a política seguida nos discursos escritos de Amilcar ao partido era sempre o socialismo.

Mas enquanto nos anos 60/70 tu eras uma criança, e eu nunca tinha estado na Guiné, e entrarmos nesse campo é começar a fazer conjecturas.

Mas enquanto outros movimentos como o MPLA devido às facções e dissidências hoje pode-se dizer que a história da fundação e da luta é praticamente um livro aberto, tanto os diversos responsáveis escreveram, no PAIGC continua sempre uma unanimidade oficial, que deixa sempre espaço a conjecturas.

Vai mandando mais coisas tuas.

Um abraço

Antº Rosinha disse...

Amigo Filipe,
durante 13 ou mais anos, ouvi chamarem-me em todo o mundo até na ONU, colonialista, agora despromoves-me e sugeres que sou neo-colonialista.
Se é como tu vês assim é um olhar um tanto light.
Os tópicos vividos ou não por mim, de facto eu não votei no Humberto Delgado nem no Tomás porque não tinha 21 anos, faltavam uns meses.
Agora a fome em Bissau passou por mim, mas já não precisava de crescer não fazia mal, o mal era vê-la em crianças como se vê na televisão no noticiário, e era muito chato.
O erro de não ter localização histórica política e social, tenho o defeito de não ir à wikipedia, ou à Guerra de Joaquim Furtado e não pretendo fazer do que escrevo um documento.
Como todos os que escrevem aqui, tambem relato o que vi e senti.
E cheguei a sentir o aperto de mão de Luis Cabral e Nino Vieira e o abraço de vários colegas de Cherno Baldé.
Espero que fiques ligeiramente localizado.
Um abraço

Unknown disse...

Amigo Antonio Rosinha, é peremptório ao afirmar o seguinte:

"Mas a política seguida nos discursos escritos de Amilcar ao partido era sempre o socialismo."

P.f. ao menos uma vez indique-nos, qual ou quais e quantos os discursos de A.Cabral com tais caracteristicas, datas e onde foram proferidos se for o caso.

Por outro lado; admitamos que A.Cabral era comunista.
E...???, calculo que do ponto de vista de quem assim se expressa e neste contexto, ele tenha sido em certa medida a origem dos acontecimentos após a independência. Será assim tão linear ???

Não se compara de maneira nenhuma MPLA FRELIMO PAIGC e outros. Os contextos, locais, culturas, desenvolvimentos, forças militares, importancias económicas, extensões de territórios.
Lutas de classes ou não, existencia de proletariado, camponeses ou não.
Tudo diferente com uma gestação histórica diferente.
Desde meados do século XIX que a história da presença (e suas relaçõesde) Portugal em África tem várias variantes de território para para território, incluindo a sua implantação económica ecolonial.
Tantos factores a considerar e a compreender.

"....MPLA devido às facções e dissidências hoje pode-se dizer que a história da fundação e da luta é praticamente um livro aberto,...., no PAIGC continua sempre uma unanimidade oficial, que deixa sempre espaço a conjecturas."

Finalmente para se legitimar as apreciações anteriores, alavanca-se no paigc de hoje; hoje mesmo.
Então estamos a falar dos dirigentes ou militantes históricos ou estamos a falar do paigc de hoje ???

Cumprimentos a todos
carlos Filipe
ex ccs bcaç3872 Galomaro

Anónimo disse...

Meus Caros,
Que rica troca de impressões e desenvolvimento de ideias arquivadas, que nos ajudam a interpretar a evolução da independência na Guiné-Bissau.
Parabéns aos intervenientes por se puxarem uns aos outros.
Gostaria, no entanto, de chamar a atenção do Filipe para a indicação feita antes do inicio da série "Caderno de notas", onde o autor referia tratar-se de um antigo "colon",com vivências africanas, e propunha-se dar-nos conta, do que viu e sentiu durante esse tempo.
Naturalmente, hoje não deixa de revelar a influência do tempo passado, quando faz alguma apreciação qualitativa da evolução do espírito emancipalista, até à consolidação das nacionalidades.
Tem, ainda, a virtude de desenferrujar memórias de outros camaradas que, assim, enriquecem o tratamento do tema.
Também não me parece "outro erro... pretender (que) os seus dirigentes tivessem dotes de super chefes de estado", na medida em que, o que também se extrapola, é a evolução de gente que fez a guerra inspirada nas virtudes da independência e na construção do bem comum, e, alcançado o poder independente, deixou-se escorregar na ambição do bem-bom, neutralizando e hipotecando o labor de quem idealizou e tentou implementar as bases do novo estado.
Abraços
JD

Unknown disse...

Caros amigos, se o pouco que sei ou penso saber, fosse só baseado na Wikipedia (que tem alguns erros e muitas lacunas, pois é um trabalho voluntário, já aqui o escrevi), ou na Guerra de J.Furtado, seria um doido se manifestasse aqui minha opinião.

É meu hábito não apresentar os meus cartões de visita ou credenciais, para sustentar minha idoneidade de ser pensante.

Não há nenhum dirigente politico, seja ele qual tenha sido, que no seu assassinato politico ou fisico, não tenha tido um "companheiro" ou "camarada" directa ou indirectamente associado.

Caro Antonio Rosinha, não precisará de me "bater" mais, fiquei esclarecido e por isso grato por me ter tirado as dúvidas.

Tudo de bom, e já me ia esquecendo que este blogue tem regras.

Carlos Filipe

Antº Rosinha disse...

Amigo Filipe, eu já te disse que apenas falo ou escrevo o que vi ou senti.

Durante alguns anos havia um pequeno e único jornal semanal em Bissau e não sei se ainda existe que era o jornal do PAIGC, o NÔ PINTCHA (Avante?)

Era dedicado a assuntos do Partido e uma coisa era obrigatório nesse jornal, havia sempre um trecho dos livros de Amilcar Cabral.

Isto rigorasamente semanal, e durante pelo menos um ano ininterrupto (1980) até que seguidamente era uma publicação irregular.

E dos poucos livros que se encontravam à venda em Bissau, no tempo de Luis Cabral, havia sempre livros de, e sobre Amilcar Cabral.

A memória do que se lê é uma coisa andar com livros atrás é outra.

Não guardo livros devido às minhas deslocçãoes e andanças permanentes, só na Guiné interrompi e recomecei por três épocas diferentes.

Mas quem anotou as balas de cada rajada que disparou na guerra?

Por isso duvidas que ele disparou a arma?

Mas se os movimentos seguiam a via marxista-leninista com todas as letras,e os seus dirigentes não eram comunistas, eram mentirosos?

Quando falo do MPLA e nas facções, se te lembras havia a facção Chipenda e outra do Nito Alves, por exemplo, logicamente são os históricos.

Logicamente que me refiro aos históricos do PAIGC e subentendo o PAICV que há muitos e com saúde.

Os antigos combatentes ainda recentemente reuniram com o Presidente da República da Guiné, em que este tambem o é, e estão bem vivos e são históricos, e alguns ainda com papeis de comando, ao que consta não foi para dar abraços tal reunião.

Li nos jornais, mas não me perguntes em quais que só guardei a notícia na cabeça.

Wiquipédias, livros e documentos não fazem parte das minhas prateleiras.

Mas vais ouvir ou ler ainda muitas afirmações minhas, sem qualquer complexo, porque tudo o que escrevo é sem ofensa para ninguem, e será só mentira se a minha memória me atraiçoar.

Mas como tenho memória, lembro-te que há 36 anos cheguei a portugal no verão de 1974 vindo de Angola, e fui avisado que não era nada bom, até seria perigoso em certos ambientes, dizer que vinha de Angola.

Mas penso que esste tempo já passou.

Os meus cumprimentos

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Simples...ousado.. e clarividente..sao estes os epitetos que me veem de momento a mente para descrever a reaccao do Cherno Balde...ao poste !

Portanto, diria ..eis uma renovada percepcao da historia da Guine,no fundo agastada com determinadas (in)verdades tabus...

E quem disse,que ao fundo do tunel nao cintila uma tenue luz de esperanca !

Djarama

Nelson Herbert
USA

Cherno Baldé disse...

Djarama Nelson!
Djarama Rosinha!
Djarama a todos que estão a contribuir na construção do espirito aberto, a esperança do amanhã.

Se isso ajuda a sossegar o mais Velho, digo que não tenho qualquer pretensão de limpar o CV ideologico do Amilcar, pois há pessoas mais habilitadas para o fazer e dizer que, em certa medida, também sou critico de algumas das sua obras e palavras de ordem que foram mal interpretadas (ver deturpadas) e bem aproveitadas posteriormente por pessoas mal intencionadas, justificando tomadas de posições prejudiciais a pacificação espiritual do país no pós-independencia.

Eu posso concordar que, de facto, nos seus discursos e escritos, o Amilcar explanava livre e claramente as suas ideias marxistas, melhor dizendo a sua visão materialista de ver e compreender o mundo, o que, por si, não quer dizer que fosse adepto do comunismo no sentido em que eu compreendo o termo e que tem a ver com a organização da sociedade (ditadura do proletariado). Para mim, ele sempre tentou ser realista e dizia: "O arroz coze-se dentro da panela". E esta sua visão do mundo influenciou fortemente a nossa geração de forma que não teriamos (pelo menos eu)qualquer problema em sermos "comunistas" se ser comunista pudesse resolver da melhor forma e rapidamente o problema colossal do nosso subdesenvolvimento mas partindo da nossa realidade concreta.

Bem, o Rosinha também falou dos projectos de infraestruturas rodoviarias e a este titulo aproveito informar que ainda está de pé o projecto da 2ª saida de Bissau via Cumeré passando pelo Ipernal, já tem estudo feito e aguarda financiamento. Entretanto a par das obras da estrada principal (aeroporto -alto Crim), já se iniciaram também os trabalhos da construção de uma auto-estrada ligando a rotunda do QG a estrada de Volta Bissau. O velho projecto da estrada Volta-Bissau também não morreu de todo, pelo menos a ligação Guimetal-Porto, passando por Antula.

Abraços a todos,
Em especial ao JB lá nos frios do norte. (Não te invejo de forma alguma. Passei cinco longos anos envolto em mantas pesadas e a tentar localizar a posição do sol. É doloroso para um trópico.