quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7527: Blogoterapia (171): Caminante no hay camino (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 29 de Dezembro de 2010:

Desculpa Carlos, se te envio isto a ti.
Por um lado porque me dá isso prazer e por outro porque não vejo outro... caminho

Abraço e força para 2011
José Brás


"CAMINANTE NO HAY CAMINO"

Cego sou
...e surdo
porque passas tão perto
e não te oiço
nem vejo
fazendo o teu caminho
no poema de Machado
prolongamento
apenas
de ti próprio


Está a terminar o meu segundo ano de Blogue e como em todos os caminhos, mesmo os que abro todos os dias, caminhando como no poema, dois horizontes posso alcançar com estes olhos que deus me deu, um, real porque feito já, em folga ou duro andar, certo e concreto mas irrepetível (um rio não corre duas vezes no mesmo lugar), e outro adivinhado apenas por entre a aparência do que me mostra em frente, incerto no por fazer ainda, pouco seguro de cumprir desígnios e sonhos, mas exaltante nas suas possibilidades de andarilho e de futuro.

Dizem que importante não é a chegada mas o caminho que se faz para a alcançar. Não estando totalmente de acordo com o dito (talvez a penas de avançada idade), entendo muito bem a quem o diz e, durante anos, acho, foi o que senti e esbravejei, arriscando o pêlo tantas vezes em futilidades.

Falando do meu andar aqui na Tabanca Grande, aceitando sem dificuldades que algumas vezes fui um pouco além do que devia e, digo-o sem complexos nem renúncias, além mesmo do que eu próprio acho que podia, ainda assim, fecho as contas e acho saldo positivo.

Nas polémicas que mantive, algumas vezes sem que o antagonista sequer perceba, foi comigo próprio que me engalfinhei. Com um outro eu que todos temos e que, se não morreu, frequentemente se põe em causa, nas dúvidas, nos (des)entendimentos, na necessidade da zaragata que todos temos também nesta imperfeita humanidade, feita à imagem de deus, diz-se, caminhando no seu fim, mas dele sempre muito distante.

Naturalmente que não acabaram aqui tais diferenças nem esta minha forma de as expressar, apenas porque 2010 deu o berro e já mal respira na eminência do 2011.

Quem leu o que escrevi, sabe que a par essa quase truculência de palavra e de disputa, se equivale a um outro esforço sempre afirmado, não apenas de aceitação das diferenças mas mesmo da fundamental necessidade delas na harmonia quase telúrica da perenidade do mundo e dos viventes.

Bastas vezes tenho teimado nessa vertente do nosso convívio, recolhendo nisso a compreensão dos comentários recebidos na volta do correio, não apenas porque somos uma comunidade larga mas fechada, mas porque nela ache que devemos estar como no mundo que nos pariu e nos levará um dia.

Por mim, acho que sempre reagi apenas em situações extremas, contra afirmações que nos negam este cristianismo de que somos portadores, na abrangência do olhar sobre o mundo e sobre as gentes que nele sonham e trabalham, por vias diferentes buscando a felicidade que vislumbram e a que se julgam com direito só porque nasceram, a liberdade, a autonomia como seres individuais, comparsas de grupos em terras próprias onde nasceram e esperam que seja sua.

A dignidade de cada homem é a única propriedade verdadeira que tem de defender, a par do próprio direito à vida e ao sonho.

E neste modo de pensar, hão-de perdoar-me, julgo que é muito pouco importante se perdemos uma batalha ou até uma guerra, face à grandiosidade desse olhar divino sobre a história do caminhar do homem global.

E por pensar assim, pouco tempo perco com o relato esmiuçado das circunstâncias do combate, da valentia de cada combatente, esteja ele num ou no outro lado da peleja, da vitória ou derrota episódica.

Por exemplo.

Não sou insensível às qualidades individuais dos nomes grandes dos navegadores que nos levaram daqui aos confins do mundo por entre dificuldades e sacrifícios quase inumanos. Acho mesmo que sem eles não teríamos na nossa história essa saga gloriosamente exemplar e o fantástico contributo de que nos orgulhamos ter dado ao mundo para que a civilização pudesse dar um salto em frente.

Contudo, vejo isso mais como um feito de um povo que, cercado em determinadas circunstâncias, se abalançou à tarefa e à função gloriosa, cumprindo um desígnio qualquer que era indispensável para que a história pudesse avançar.

Outro exemplo.

Leio hoje um magnífico e dorido relato do camarigo Jero sobre minas e mortes e dessa escrita, pedindo já desculpa de o fazer, mesmo que sem intenção negativa, separo uma parte que cito:

«...Meio-dia e trinta.
..............................................................................

Embora paralisados momentaneamente pela surpresa os nossos homens têm uma reacção fortíssima que faz calar em poucos momentos o inimigo.
............................................................................................................

Quantas vezes nos sucedeu isso na Guiné? Quantas vezes demonstrámos superioridade militar perante o adversário que nos confrontava mas dessa vitória retirámos apenas, verdadeiramente significativo no plano do humano, desgosto e dor?

E ainda assim, desgosto e dor, sabendo que tiveram milhares de portugueses ao perseguirem um fim de que mal sabiam em naus-caravelas, por tempestades e hostilidades, mas de que hoje podemos dizer como Fernando Pessoa "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".

E é nessa fenda entre a grande e a pequena alma que me encho de preocupação, entendendo eu que foi muito grande quando partimos, descobrimos, ocupámos, desbravámos, maltratámos também, mas fizemos avançar o mundo em tempo certo da história, e foi pequena quando noutro tempo, forçámos a história, inventando conceitos e direitos que nessa altura já estorvavam o bom caminhar do mundo.

2011, visto daqui, com três ou quatro dias para chegar, não nos parece grande coisa.

Contudo, quem sabe não venha a ser, nessa perspectiva do poema de Machado, ou nessa "filosofia" do verdadeiro significado do caminho, escavando, terraplanando e compactando avenidas ou vielas que nos levem a um futuro novo e merecedor dos quase mil anos de idade que ostentamos.

No blogue, a quem tenho de agradecer esta possibilidade de conviver na dinâmica que sempre dá forma a grupos de gente que se junta por afinidades gerais e separa nas diferenças, espero continuar a acertar e a errar, na presunção de que mesmo de adversários circunstanciais, terei o abraço de camaradagem que também lhes reservo sempre, para além das palavras.

A todos, coragem e força para aceitar e enfrentar o novo ano.

Ao Luís, ao Carlos, ao Magalhães Ribeiro, ao Briote e tantos que fazem andar isto e garantir a sua qualidade, o meu agradecimento maior.

José Brás
__________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 23 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7493: (Ex)citações (122): Palavras e Balas (José Brás)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7505: Blogoterapia (170): A Casa da Praia (Torcato Mendonça)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo José Brás

É como dizes, e como diz o poema, "o caminho faz-se caminhando".
E para onde caminhamos? Essa é outra questão e neste próximo ano veremos melhor...

Quanto ao blogue e ao balanço que fazes da tua participação pois te digo que, por mim, acho útil e positiva. Tem ajudado a elevar o conteúdo.
É certo que, aqui e ali, também motivou um ou outro azedume, mas o que se há-de fazer? Um abraço no final..., excepto para os 'empedernidos, pois claro!

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro José Braz

Nesta análise retrospectiva, que fazes da tua caminhada nos meandros do Blogue, as tuas palavras sensatas e transparentes, não deixam de ser um alerta e convite à reflexão para todos nós, aliás como é tua peculiaridade, porque, segundo interpreto, és um homem sabedor de que há muitos mais Mundos para além do mundo que cada um de nós idealiza!

Aproveito para te desejar um Novo Ano profícuo em inspiração literária, para que nos possas comprazer com os teus artigos no Blogue, e não só, porque engenho e arte felizmente em ti exuberam, e deves disponibilizar um pouquinho desse teu discernimento em prol dos que te rodeiam…
Votos de que o Ano que se aproxima seja repleto de união e saúde, para todos nós e nossas famílias.

Um abraço para todos

José Corceiro