sábado, 8 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda

1. 20.ª nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 4 de Maio de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (20)

Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda


Estava eu em Bissorã, decorria o ano de 1964. A DO 27 dando voltas à povoação, esperando que o grupo de assistência à pista fosse rápidamente fazer a segurança.

Era uma visita sempre bem-vinda, o correio sempre esperado por todos.

Como de costume recebia uma quantidade considerável de cartas e "bate estradas", notícias enviadas pela minha mulher, pais, avó, sogros e demais amigos.

Dentro dessas notícias vinha uma de meu pai, em que dava conta do envio de uma encomenda, com os chamados "comes". Ele, meu pai, teve a ousadia de dirigir-se ao navio Ana Mafalda, quando atracado em Lisboa, pedir ao primeiro tripulante que avistasse, no caso foi o maquinista Sr.Grilo, para transportar um embrulho com alguma dimensão, para seu filho que se encontrava na Guiné, isto sem conhecer ninguém.

A resposta foi logo afirmativa, mas havia um problema, o destino do navio era Bissau e eu encontrava-me em Bissorã.

Também, quando soube do feito de meu pai, já o navio se preparava para zarpar de Bissau, no dia seguinte à noticia por mim recebida.

O maquinista Sr. Grilo, porque eu não aparecia, telefonou para os CTT de Bissorã para falar comigo, conseguiu mas dizendo que tinha da ir buscar até à noite sem falta, estávamos no principio da manhã, não me lembro de que dia e mês.

Falando com o Comandante da Companhia, Cap. Silveira, obtive autorização para me deslocar a Bissau, Unimog rápidamente preparado, uma Secção de voluntários e lá vamos integrados numa coluna que se dirigia a Mansôa.

Quando chegámos a Bissau, ao Pijiguiti, já o sol se tinha posto, suados, sujos com aquele pó vermelho que todos nos lembramos, com o Sr. Grilo inquieto e preocupado, como de sua família se tratasse.

Saltei da viatura, entrei no navio, quando ele me perguntou, vocês já jantaram? Como obteve uma resposta negativa, obrigou-nos a todos a entrar e serviram-nos uma jantarada, com alguns elementos da tripulação, inclusivé o Comandante, janta essa que há muito não nos passava pelo estreito canal.

Findo o lauto repasto, ele e os amigos, distribuiram diversos alimentos como, conservas de fruta, leite com cacau, bolachas, chocolates, bebidas, etc. com alguma abundância.



Eu e os meus camaradas, não tivemos palavras de agradecimento, para tão grande gesto de amizade dos intervenientes que atrás descrevi.

São passados muitos anos, cerca de 45, só agora houve oportunidade de contar em público estes gestos de solidariedade, graças ao blogue LUIS GRAÇA E CAMARADAS DA GUINE.

Concerteza, já muitos ou quase todos partiram para o além, mas se lá no alto tais gestos forem compensados, têm de certeza um lugar muito especial.

Rogerio Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643 - AGUIAS NEGRAS
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6306: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (19): Alguns momentos agradáveis

Guiné 63/74 – P6348: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (7): Parte 7 (Sousa de Castro)

1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos a sexta parte da actividade desenvolvida pela sua Companhia, em 6 de Maio de 2010, dando continuidade ao relato publicado nos postes P5965, P5986, P6019, P6088, P6132 e P6233:


ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (8)
DEZEMBRO1971/ABRIL 1974

Este texto foi elaborado a partir do livro:

BART 3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)

Nota do editor:
Muito embora a CART 3494 tenha mudado para Mansambo, devido à baixa moralização da Companhia, continuarei a divulgar os acontecimentos no Sub-Sector do XIME para perceberem o quanto aquela zona era importante para o P.A.I.G.C. (Partido Africano Independência Guiné e Cabo Verde).
S.C.

17º FASCÍCULO

AGOSTO 1973

78. SITUAÇÃO GERAL

- A persistência inimiga em contrariar a navegação do R. GEBA estreito, desta feita atacando o barca «CHEGADO»; o abrandamento sobre o XITOLE e a deslocação do bigrupo actuante em MINA/GALO CORUBAL para reforço do POIDON/PTA DO INGLÊS, por causa do pressionamento provocado pela presença da CCAÇ 21 em BAMBADINCA que tem criado naquela região um clima sistemático de instabilidade, foram os aspectos definidores do período.

79. TERRENO

- Sem alterações apreciáveis, comparativamente ao antecedente.

80. INIMIGO

a) Sub-Sector de Mansambo (CART 3494)

- Como no mês passado, nada a referir.

b) Sub-Sector do XIME (CCAÇ 12)

- Em 03 de Agosto pelas 17,15 horas um grupo IN não estimado flagelou o XIME durante 10 minutos com R.P.G.-7 e Canhão s/Recuo. Consequências nulas.

- Em 07 de Agosto pelas 17,30 horas um grupo IN não estimado flagelou o barco civil «CHEGADO» durante 45 minutos, com R.P.G.-7 e armas automáticas, na região de SÃO BELCHIOR. Sofremos 2 feridos graves (um deles ALD. Mil.) e 3 feridos ligeiros civis.

c) Conclusões

- O XIME permanece como alvo favorito do inimigo, enquanto Mansambo goza de uma tranquilidade relativa.

Enquanto isso, torna-se evidente o levantamento crescente de obstáculos à navegação fluvial, num esforço de isolamento do Leste, reforçado pela redução do tráfego aéreo.

TRMS e Enfermeiros (XIME 1972)

81. POPULAÇÃO

- Nesta época do ano a população vê-se ocupada nos trabalhos agrícolas. Quer isto dizer, do lado controlado pelo Partido, que o número de apresentados e visitantes decresce consideravelmente e no que respeita à controlada pelas NT que os contactos com população encontram menos gente nas tabancas, não dando portanto ensejo a uma comunicação mais ampla.

82. NOSSAS TROPAS

a) acções e Operações mais Importantes

- Acção «GARLOPA 9» pela CCAÇ 12 (XIME) a 02 Gr Combate com o objectivo de montar emboscada na região de MADINA COLHIDO. Foram avistados 04 elementos IN de farda azul que caem na zona de morte. Os nossos L.G. Fog. 8 e 9 Metralhadora HK-21 encravam, não conseguindo disparar. As NT são detectadas e lançam-se na perseguição do inimigo que na retirada sofre 05 mortos e 06 feridos e abandonam 03 granadas de R.P.G.-7.

b) Conclusões

- Põe-se em evidência o êxito da acção «GARLOPA 9», onde as NT alardearam alto espírito de combatividade e ousadia.

- O inimigo procura, sempre que possível, furtar-se ao contacto directo com as NT, como se infere do conjunto das operações e acções realizadas ao longo da comissão.

c) Alteração ao Dispositivo

- Há a assinalar: - A chegada ao sector L1 do PEL REC DAIMLER 8681, que vem substituir o PEL REC DAIMLER 3085, por este ter terminado o seu período de comissão.

83. ACÇÃO PSICOLÓGICA E PROMOÇÃO SOCIAL

- Segundo o que se acentuou, os contactos com população, enfrentaram as dificuldades conexas à faina agrícola da época que retém na bolanha a gente das tabancas, durante quase todo o dia.

O «aumento» dos 15%, agora pago, sobre as pensões e ordenados da tropa Africana produziu uma impressão benéfica.

São mais necessidades que se podem satisfazer o que se projecta na subida do nível de vida, não obstante a ignorância de muitos que os leva a desbaratar o dinheiro prodigamente.

18º FASCÍCULO

SETEMBRO 1973

84. SITUAÇÃO GERAL

- No plano internacional, destaca-se a proclamação da «independência» das «zonas libertadas» da GUINÉ BISSAU, acto político que não encontrou eco no seio da população controlada pelas NT.

- No plano provincial, sobressai a acção IN contra o XIME e AMDALAI, onde demonstrou agressividade e bom conhecimento de reacção das NT, em circunstâncias como as que se verificaram.

Preparação do almoço melhorado (XIME 1972)

85. TERRENO

- O aspecto não se modificou, continuando a apresentar-se alagadiço e de capim alto.

86. INIMIGO

a) Sub-Sector de Mansambo (CART 3494)

- Nada a referir, como nos últimos períodos.

b) Sub-Sector do XIME (CCAÇ12)

- Em 13 de Setembro pelas 18,35 horas, o XIME e AMEDALAI são flagelados simultaneamente durante 15 e 45 minutos respectivamente, por um numeroso grupo de atacantes. Sobre o 1º, o inimigo utilizou R.P.G., Morteiro 82 e Canhão s/Recuo; sobre o 2º. RPG e armas automáticas. 01 Gr Combate da CCS/BART 3873 e 02 viaturas do PEL REC DAIMLER 8681 acorreram em socorro da A/D de AMEDALAI, sofrendo uma emboscada na estrada XIME/BAMBADINCA.

NT e PEL MIL 241 (AMEDALAI) sem consequências, bem como os civis. Houve apenas a registar o incêndio de 02 moranças daquela A/D.

c) Conclusões

- O inimigo deu mostras de maior agressividade na flagelação historiada na alínea b), ao prolongar a sua acção contra a A/D por três quartos de hora, sabendo que o acesso das NT a AMEDALAI seria facilitado pela estrada asfaltada e proximidade da BAMBADINCA e Destacamento da PTE R. UDUNDUMA.

As forças agressoras, provenientes do POIDON/PTA DO INGLÊS, vinham reforçadas pelo grupo de Artilharia do QUINARA.

87. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais Importantes

- Acção «Guisar 3» pela CART 3494 a 04 Gr Combate na região de MANSAMBO/NASCENTES R. BISSA / GONEGE / JOMBOCARI / MINA. Foram detectados vários trilhos na direcção do FIOFIOLI. Sem contactos.

- Acção «GUARIDA 46» pela CCAÇ 12 a 03 Gr Combate na região do XIME/PONTÃO PTA VARELA/PICADA PTA DO INGLÊS. Foram ouvidos tiros de pistola a 200 metros das NT que procuraram capturar quem disparou o que não foi possível devido à densidade do capim. O OBUS do 20º PEL ART (10,5) abriu fogo na direcção de provável trilho de retirada inimiga.

- Acção «GUINAR 2» pela CART 3492 a 03 Gr Combate na região de SATECUTA/GALO CORUBAL/SECO BRAIMA; CART 3494 a 03 Gr Comb. (+) na protecção à retaguarda, PMIL 370 na picagem do itinerário MANSAMBO/PTE R. TIMINCO. Sem contactos.

- Acção «GUARDEAR 6» de segurança próxima e afastada a BAMBADINCA na cerimónia final da instrução de milícias. Foram empenhadas: PEL REC/BART 3873, Gr Comb/CART 3494 em reforço à CCS/BART 3873, PEL’s CAÇ NAT 52, 54 e 63; PEL’s MIL 358, 370, 242 e 243, 01 Gr Com da CCAÇ 12; 01 Gr Comb (+) da CART 3494. Sem contactos.

b) Conclusões

- A densidade do capim impede uma manobra fácil às NT.

- Na acção «GUARIDA 46» os tiros de pistola funcionaram como sinais de localização das NT, indiciando a existência de postos inimigos avançados, o que não é inédito.

- No ataque a AMEDALAI, louva-se a decisão com que o PEL MIL 241 reagiu e a prontidão com que a tropa de BAMBADINCA se lançou em auxílio da povoação atacada, numa manifestação espontânea de voluntariedade.

c) Alterações ao Dispositivo

- Ficou aquartelado em MANSAMBO (CART 3494) o 28 PEL ARTª (14), guarnecido de 03 OBUSES 14.

19º FASCICULO

OUTUBRO 1973

88. SITUAÇÃO GERAL

- Em 27 de OUTUBRO o BART 3873 (CCS, CART 3492, CART 3493 e CART 3494) terminou o seu período normal de comissão.

Passando de relance o cumprimento da missão que lhe fora confiada, dir-se-á simplesmente que os objectivos a prosseguir foram atingidos, graças ao esforço de todos sem distinção.

O inimigo foi remetido aos seus lugares de refúgio, construíram-se escolas, auxiliou-se economicamente a população, prestou-se-lhe assistência médica e medicamentosa, melhoraram-se picadas, garantiu-se a livre navegação do R. GEBA, conquistou-se a confiança de locais virados à influência do P.A.I.G.C., civilizou-se em suma.

O lema gravado no emblema da Unidade - «NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ», foi correspondido e isso permite exclamar que a incoerência não divorciou as palavras das obras e dos actos.

Entrada Quartel no Xime (1972)

89. TERRENO

- A abundância das chuvas decresceu visivelmente o que virá a alterar a configuração do terreno, muito embora as bolanhas ainda estejam alagados e o capim alto.

90. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO (CART 3494)

- Nada houve a mencionar

b) Sub-Sector do XIME (CCAÇ 12)

- Ao contrário do que é regular, não se verificou nenhuma acção inimiga.

c) Conclusões

- O XIME, contra o que é regular, nada sofreu, assim como MANSAMBO, mas aqui com a diferença de isso ser normal.

91. POPULAÇÃO

- A eleição para deputados (28 de Outubro) decorreu em BAMBADINCA no meio de grande afluência de eleitores provenientes da Circunscrição.

Em abono da verdade, nem todos os votantes estavam conscientes do alcance restrito do seu acto, porém todos eles se encontravam cientes de que a sua comparência e actuação implicava uma confirmação da sua fidelidade às Autoridades e a PORTUGAL.

92. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes
- No mês de Outubro realizaram-se, além de simples patrulhamentos, emboscadas nocturnas e segurança ao tráfego terrestre, fluvial e aéreo, 25 acções que empenharam 75 Grs Combate.

b) Conclusões

- O número de acções, Grs Combate (sem contar o trabalho rotineiro) é, por si, elucidativo acerca da actividade intensa que o BART 3873 procurou manter desde o início da comissão. Se dissermos que em Outubro não se fugiu à média, concluiu-se que no conjunto operacional a actividade do Batalhão nunca abrandou.

20ª FASCÍCULO

NOVEMBRO 1973

93. SITUAÇAO GERAL

- O inimigo não revelou actividade digna de nota durante o período.

A dicotomia população/Partido na zona de MADINA/ENXALÉ acusa efeitos de graves desavenças: a flagelação ao ENXALÉ surge como represália contra as representações e visitas dos civis de MADINA àquela tabanca. O próprio P.A.I.G.C. ameaçou queimar as moranças de quem fosse ou se fixasse nas nossas povoações, suscitando uma forte reacção das populações subjugadas. No domínio exterior, a política reservada do SENEGAL em relação ao P.A.I.G.C. parece encaminhar-se para uma mudança radical, após o comunicado das conversações entre SENGHOR e LUIS CABRAL de visita a DAKAR.

Um destacamento da Companhia Terminal encontra-se em laboração, servindo de centro logístico para todo o Leste, a partir de BAMBADINCA.

CCAÇ 21 > Mansambo (1973) > Ao fundo o abrigo das TRMS

94. TERRENO

- A época seca começou: o capim, as bolanhas vão secando, pegam-se as primeiras queimadas e a temperatura ameniza.

95. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO (CART 3494)

- Uma vez mais não se manifestou.

b) Sub-Sector do XIME (CCAÇ 12)

- Em 19 pelas 16,45, durante 10 minutos, foi flagelado por grupo não estimado o Destacamento do ENXALÉ. As granadas dos atacantes caíram fora do Aquartelamento, sendo os resultados nulos. Um dos nossos GEMIL (Grupo Especial de Milícias) lançou-se em perseguição de IN (inimigo) que dispersou. A reacção das nossas tropas teve o apoio do 20º PEL ARTª (10,5).

- Em 29 pelas 15,15 horas, outro grupo não calculado flagelou o XIME 10 minutos. Nenhuma granada caiu dentro do arame farpado. A resposta das NT (nossas tropas) deve ter provocado baixas, como o indicam os vestígios de sangue encontrados.

Bambadinca (1972)

c) Conclusões

- No Sector L-1 a actividade guerrilheira foi fraca. Em qualquer destas acções os resultados obtidos pelo adversário foram negativos. Tanto no XIME como no ENXALÉ o fogo atacante caracterizou-se por evidente desajustamento.

96. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Realizaram-se, além de patrulhamentos de rotina, emboscadas nocturnas e segurança ao tráfego, 24 acções, 01 operação as quais empenharam 102 Grs Comb, onde se inclui a Milícia.

- Salientam-se: Acção «GOLIAS 35» pelas CART’S 3492, 3494, 01 Gr Comb do BCAÇ 3872, 01 PEL EREC FOX e PEL MIL 370, de interesse logístico, em reabastecimento a MANSAMBO/XITOLE/SALTINHO.

b) Conclusões

- Concluiu-se que o inimigo se furtou ao combate, mesmo quando as NF alcançaram os seus lugares de refúgio, optando pela dispersão.

A táctica empregue é de só oferecer resistência em circunstâncias de nítida superioridade.


97. ACÇÃO PSICOLÓGICA E PROMOÇÃO SOCIAL

- De passagem pelo nosso Sector estiveram o jornalista Brasileiro ALVES DAS NEVES e uma equipa da TV Dinamarquesa.

- O perfeito Entendimento entre civis e militares e entre militares europeus e africanos permanece consistente, desmentindo na prática o que no estrangeiro de propala em teoria.

- A atribuição de «13 mês» que beneficia muitos guineenses e o funcionamento das escolas regimentais, frequentadas por Soldados naturais, influenciam favoravelmente o meio humano, dinamizando o poder de compra e o enriquecimento cultural, bases duma promoção social crescente. Os trabalhos de construção dum novo edifício escolar em MANSAMBO começaram, bem como os da cobertura a zinco de 100 casas do reordenamento de BAMBADINCAZINHO.

20 FASCÍCULO

DEZEMBRO 1973

98. SITUAÇÃO GERAL

- O inimigo mostrou uma fraca actividade e mais saliente se tornou, pela sua quase total quietude nas acções de penetração que as NT realizaram nos seus locais de refúgio.

Esta passividade transparece a sua insegurança, motivada pela intensa actividade que as NF vêm desenvolvendo, especialmente na região do POIDON/PTA DO INGLÊS, através da CCAÇ 21 e CCAÇ 12, ambas unidades africanas.

Enquanto isso, não parou o esforço social que as Forças Armadas dão na luta pela PAZ, não obstante a escassez de meios que por vezes tem que enfrentar.

99- TERRENO

- O capim, embora seco, ainda não abateu, conservando-se alto. As bolanhas estão secas, dando lugar `apanha do arroz.

100. INIMIGO

a) Sub-Sector de Mansambo (CART 3494)

- Não se manifestou.

b) Sub-Sector do Xime (CCAÇ 12)

Em 01 pelas 22,15 horas, grupo não estimado flagelou o XIME durante 25 minutos. Caracterizou-se por uma das suas maiores flagelações sofridas, tendo possivelmente os atacantes empregado todas as armas pesadas da zona, incluindo foguetões 122 mm. Dois desses foguetões atingiram uma morança da tabanca, morança que ficou totalmente destruída e com os seus 07 residentes (civis) mortos.

A reacção das NT foi imediata: 20º PEL ARTª (10,5), PEL MORT 4575/72 e apoio do 27º PEL ARTª (14) aquartelado em MANSAMBO. NF sem consequências.
Sabe-se que ao inimigo foram causadas baixas.


c) Conclusões

- Em complemento do que se referiu no nº 98., o adversário evidenciou escassa actividade: os Sub-Sectores de BAMBADINCA, XITOLE E MANSAMBO não foram novamente agitados por acções do P.A.I.G.C. que na única flagelação ao XIME empregou um forte potencial de armas pesadas, como represália provável ao incessante trabalho operacional que ali vimos realizando. A escolha da data 1º de Dezembro (feriado nacional) não foi casual e recorde-se que há um ano foi também a 2ª emboscada da PONTA COLI (CART 3494) no mesmo Sub-Sector.

101. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Além da actividade diária, destacam-se:

- Acção «GOLIAS 37 e 38» como colunas de reabastecimento a MANSAMBO e SALTINHO.

-Operação «TUDO VERDE» pela CART 3493, CART 3494, CCAÇ 21 e CCAÇ 3518 na área de MINA/FIOFIOLI. Destruíram 03 tabancas e 04 toneladas de arroz.

b) Conclusões

- Destruíram-se meios de subsistência (04 toneladas de arroz) numa área que os guerrilheiros deviam ter abandonado precipitadamente, ao pressentirem o nosso avanço.

- Capturou-se 01 espingarda semi-automática «SIMONOV» (fabrico soviético), 01 mina A/P (fabrico soviético) e infligiram-se numerosas baixas ao adversário.

(continua)

Um abraço Amigo,

Sousa de Castro

1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

Fotos: © Sousa de Castro (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6233: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (6): Parte 6 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P6347: Notas de leitura (103): Vindimas no Capim, do nosso camarada e tertuliano José Brás (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
É com imensa alegria que li “Vindimas no Capim”.
Sem margem para exagero, um dos grandes livros dos anos 80, referentes à nossa guerra.
É um clamor de sofrimento, se bem que eu por vezes não posso entender a sua carga de acusações, a sua zanga. É um grande exercício de camaradagem. Fico-me por aqui.

Um abraço do
Mário


Filipe Bento, um camponês estremenho no Sul da Guiné

Beja Santos

Álvaro Salema, ao fazer a recensão de “Vindimas no Capim”, de José Brás (Publicações Europa América, 1987), na revista Colóquio/Letras, n.º de Julho de 1988, alude a uma narrativa quase oralizável em que episódios e figuras se sucedem em fluxo corredio de recordações da infância, da vida aldeã, do ambiente de quartel, das deambulações pelos mais perigosos territórios da guerra. E refere ainda, enaltecendo, a expressão popular, directa e sem cedências de intenção literária, geralmente áspera e crua em que mesmo o vocabulário obsceno surge com naturalidade no fluir do discurso. “Vindimas no Capim” é uma obra onde não falta originalidade, pela mistura bem doseada de vinhedos com mata, rendeiros com sargentos vagomestres, camponeses que se redimem nas truculências da guerra. É escusado regressar à estafada questão de querer apurar se Filipe Bento é um alter-ego de José Brás. Em qualquer medida, é o José Brás quem nos faz chegar a dor lancinante, nos entremezes pitorescos e coloquiais; estamos lá identificados e revistos: no sargento bandalho, no oficial prepotente, na memória do professor abrutalhado, na atmosfera rural, no orgulho de nos fazer chegar o entendimento das alfaias agrícolas. Basta um exemplo:

“E o que é isso do pescaz e da cunha?

Um pescaz é um pedaço de ferro alongado, com sete ou oito centímetros de comprimento por um e meio de largura, mais ou menos, com uma cabeça ligeiramente desbordada, onde assentará a porrada do martelo quando se for aplicar na enxada, pontiagudo para entrar melhor no olho, entre o cabo e o ferro, atrás. A sua função é graduar o ângulo formado pela pá da enxada e pelo cabo. E esse ângulo deve ser mais aberto ou mais fechado, consoante o trabalho que se for realizar: cava, descava, sachola, abrir rego para feijão, covacho de batata semear ou enterrar ceseirão, enterrar esterco, semear fava, tremoço ou tremocilha, ou grão preto ou branco, ou milho, ou trigo...

A cunha é isso mesmo, uma cunha. Um pedaço de ferro com as faces em triângulo agudo, com tantos centímetros de comprimento por tantos de largura na base, e que se espeta no cabo da enxada, de baixo para cima, na parte que fica dentro do olho, a fim de dar o aperto necessário para não se desencabar no trabalho.

Se vocês pensavam que uma enxada era assim uma coisa tão simples, só uma enxada, sem mais nada, desenganem-se! A profissão de ferreiro tinha muita ciência, meninos.

E tipos de enxada havia muitos!

Enxada de dois ferros, enxada de um ferro, enxada de dois bicos ou de terra seca, sachadeira, sachola... E até se faziam sachos para as crianças. Diziam que era para brincar, punham-lhe um cabo à medida, habituava logo o mamão à albarda”.

O que distingue a coloquialidade de José Brás é a forma elástica, enérgica e pujante com que salta os tempos e os espaços, as reminiscências antigas fundidas com as da guerra, tudo intercalado por uma linguagem increpada, dura e sentenciadora da instituição militar, muitas vezes posta no banco dos réus. Temos visto que outros autores desceram aos infernos na vida das casernas: basta pensar em “O Pé na Paisagem” de Filipe Leandro Martins. Só que da caserna se regressa à infância ou à juventude e de lá se parte para um batalhão de caçadores e daí para a Guiné. Depois há a espontaneidade de se descrever “os cus de Judas” e de hesitar em manter a expressão que já veio no romance do Lobo Antunes. Só que depois tudo parece natural ou sincero no contexto da recordação: as tripas à mostra na explosão das carnes, no fragor das minas; as raivas contidas no calor das tardes vazias, na lembrança da humidade linfática daquele ar irrespirável; os cus de Judas eram as idas a Buba ou a Gadamael, trinta quilómetros para cada lado, a caçar minas, a chupar emboscadas, atascados nas lamas das bolanhas todo o caminho a inventar pontes, camiões cavalgando troncos de árvores num prodígio de circo para repor o stock do vaguemestre e do bar com comes e bebes; e também cus de Judas daquela gente imigrante que tinha vindo, sabe-se lá por que razões, até estes oceanos de capim.

Para além desta vitalidade da escrita, há o aquém em que todos nos irmanamos, aquele exacto momento em que o nosso camarada foi atingido pelo raio da morte. Basta pensar no Barcelos, que tanto penou até morrer, deu pela morte, levou uma hora a esgotar-se, houve que lhe proibir os berros da dor, para tal enfiou-se-lhe na boca um rolo de ligaduras. O Barcelos seguia no palanque, toda a gente a pedir-lhe que aguentasse, aos poucos chegou a dormência, mas lá se ia mexendo dizendo que não queria morrer, queria ver o filho, depois o Barcelos cansou-se, não houve forma de o convencer a ficar naquela coluna fantasmática que procurava a sua salvação.

“Vindimas no Capim” é por estas razões e outras que ainda queremos mais adiante abonar uma obra de peso da literatura da guerra colonial guineense. Um Filipe Bento que vem à fala orgulhoso do pai barbeiro e da mãe costureira, orgulhoso das origens, da fossanga das vinhas, íntegro numa raiva desmedida à instituição militar com quem, tudo leva a crer, ficou definitivamente incompatibilizado. Enternece este regresso à juventude e depois saltar para Cutima-Fula, Camba-Jate ou caminhar até Guileje, nos entretantos deixar claro o que o pessoal da 4022 viveu em estafadeira. Há imagens que, de tão bem resumidas, nunca mais se esquecem: “Buba! Ao longe pareceu-nos um bairro de lata. O Prior Velho. O rio era a auto-estrada do norte e o barco a carreira dos Claras a caminho de Lisboa. As barracas iam crescendo e já se viam braços no ar à beira do espelho da estrada; um amontoado de troncos a entrar na largura da rota, em forma de cais, e uma mancha a alargar-se, a mexer-se, a gritar”.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6337: Notas de leitura (102): Guinéus, de Alexandre Barbosa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6346: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (16): Milícias

Mais uma Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).

ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 16

MILÍCIAS


Torcato Mendonça acompanhado de Milícias

Um corte de cabelo com acabmento à navalha

Torcato Mendonça e o Sargento Milícia Mádia Baldé, um companheiro de jornada

O mandinga Seco, picador do Xime

Sem entrar em análises mas, num País devastado pela guerra, com agricultura praticamente sem expressão, as pescas reduzidas ao mínimo, com a economia paralisada, excepto a que era dirigida à “tropa” e esta na mão de comerciantes especiais, onde poderia a juventude, principalmente a que vivia fora de Bissau e de duas ou três pequenas cidades, encontrar meios de subsistência? O que fazer para ganhar algum dinheiro? Restava ajudar ou servir a tropa a troco de ordenados mínimos, ou ir para o PAIGC.

Claro que podem ser apresentadas outras razões. Podem. Mas paremos e relatemos só, o que eram as Milícias, os “picadores” e outros auxiliares das NT.

Mesmo antes da chegada do General Spínola à Guiné havia, Companhias, Pelotões de Caçadores Nativos e de Milícias. Focamos este aspecto porque, por vezes, parece só terem havido guineenses nas NT a partir da sua vinda. As ditas “tropas nativas” existiam à séculos. Era parte integrante da colonização.

Depois da sua chegada, meados de 68, houve, efectivamente, um incremento da participação de guineenses na guerra. Foram dadas melhores condições devido à insuficiência de militares metropolitanos e à politica – por uma Guiné melhor – criaram-se mais Companhias e Pelotões de africanos, enquadrados por metropolitanos. Posteriormente, só com africanos, apareceram os Comandos Africanos e os Fuzileiros, segundo creio.

As milícias, reunidas em pelotões, não tendo militares metropolitanos, só africanos e, geralmente, cada pelotão tinha só homens da mesma etnia. Continuaram no seu trabalho habitual: defesa das tabancas e ajudar a tropa no mato em operações, picagem de estradas e trilhos, guias e outras.

Os grupos de milícias eram geralmente da mesma etnia, como já dissemos. Nas operações os carregadores pertenciam também do mesmo grupo étnico. Curiosamente na operação Lança Afiada tivemos, com grande desgosto e protesto das milícias fulas, carregadores balantas e com óptimos resultados. Sempre a fazer vida aparte mas, devido à sua robustez, conhecimento do mato e mesmo, porque não, por auxiliarem o IN, foram importantes no transporte de material e não só. No final foram recompensados. Sobre a sua ajuda ou não ao IN constatamos uma tomada de posição que nos levou a acreditar nisso. Logo ao segundo dia caímos em forte emboscada. O meu Grupo teve quatro feridos, alguns com alguma gravidade. Pois os balantas rapidamente se dirigiram para junto das diversas armas pesadas, conforme a carga que transportavam. Ajudavam ainda na localização do IN. Ninguém lhes disse ou pediu nada. Ora como ninguém nasce ensinado… depreende-se que… faziam aquele “trabalho”, não para nós mas para outros.

Dependente de Mansambo, estava na Tabanca de Moricanhe o Pel Mil 145. Armados com G3, tinham ainda algumas Mauser, além de granadas e posteriormente dilagramas. Saíram de Moricanhe para Amedalai (Xime), quando da ofensiva do IN em Junho/Julho de 1969.

Foram preciosos auxiliares das NT. Aprendi muito com estes homens, pois tinham, além do conhecimento do mato, a experiência de alguns anos de guerra. Sempre da parte deles senti amizade e colaboração. Confiava neles. Tanto assim que o meu bornal era transportado, não por um milícia do 145, mas um “picador” de Mansambo, podendo, se fosse caso disso ser transportado por um da milícia. O bornal levava dilagramas e respectivos carregadores (a introdução de uma bala real era o meu fim), material, simples, de sapador, mapas, bússola e diversos apetrechos. Só gente de confiança lhe tocava. Claro que o Serra, o eterno guarda-costas, estava sempre presente. Mas eram, picadores ou milícias que o transportava. Só recordar dois casos, que atestam a dedicação destes homens. A saudade que ainda hoje sinto aumenta a revolta, quando tive conhecimento do que aconteceu a alguns. A diferença entre picadores e milícias era mínima. O fuzilamento cobarde de alguns deve ter sido igual…

Na operação Lança Afiada fui evacuado. Nas duas ou três horas antes da partida fui auxiliado pelos homens do 145. Claro que tinha os homens do meu grupo mas eles fizeram questão de me ajudar. Em Galomaro (COP 7), fui destacado para Nova Camsamba. Passados dias tive um forte ataque de paludismo e o Furriel Rei avisou a base. O Capitão Jerónimo apareceu lá e tive que vir com ele. Fiquei num barracão aos cuidados de um médico. Só que junto de mim estava sempre um de dois milícias ou picadores que tinham vindo comigo. Mudavam o colchão, davam-me água e no delírio da febre afastam alguma “visita”. Alfero tu diz manga de chatice… talvez os Camaradas da 2405 se lembrem dessa enfermaria. Quando a febre se foi… toca a ir ter com a malta à Tabanca de Nova Camsamba… tinha sido, talvez o quinto ataque de paludismo.

Havia no entanto um cuidado a ter: a disciplina de fogo. Ou seja, tinham o dedo do gatilho “pesado” e o gasto de munições era grande. Com um pouco de treino, uma conversa, verem a nossa actuação em resposta ou em ataque servia de exemplo.

Recordo ainda hoje, o nome de muitos. Outros esqueci ou tenho receio de trocar os nomes. Mas realço o Alferes Uro Baldé, falecido, vítima de mina A/P, quando perseguia o IN depois do rapto do Soldado Monteiro. O Sargento que depois de ferido persegue o IN pois tinham-lhe raptado um homem. Tinham caído numa emboscada, a 2 de Abril de 69. Cerca de dez homens passam sobre uma mina anti – carro accionada à distância, dois são mortos e projectados em pedaços para a copa das árvores, dois ou três ficam ligeiramente feridos e sem reacção. Os outros reagem forte, sofrem mais um ferido grave (sargento) e um é raptado. O IN, retira devido a uma coluna estar perto e a emboscada ser para ela – Grupo da CCAÇ 2405 – e a sentirem a ajuda de Mansambo. O Sargento persegue-os mas esgotado volta para Mansambo. O prisioneiro, Cabo Lamine, consegue fugir, perde-se e, só três ou quatro dias depois entra no quartel. Dá-nos boas informações. Mas o melhor, o que interessa realçar é a coragem, a determinação destes combatentes e o exemplo por eles dado. Não recordo o nome do Sargento, não era o Mádia esse matava rolas com a G3 com a alça nos 400 metros. Porquê Mádia? Ká sabe…

Gente boa! Quando passei por Amedalai perto do Xime, já a caminho da LDG para o regresso a Bissau e à metrópole, entreguei os meus galões ao Sargento que ia ser promovido e uma promessa: eu volto… não cumpri porque deixei a vida militar… vidas!

Como te disse, era gente que ia connosco nas muitas “operações” que fizemos. Um “santuário” do IN muito conhecido era o Poidom ou Poidão.

Fomos lá mais que uma vez. Vou contar-te uma.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6333: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (15): Abrigo tipo de Mansambo - A sua construção

Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

 1. Mensagem do nosso amigo, nascido na Guiné, e hoje residente nos EUA, jornalista da VOA (Voice of America), Nelson Herbert, ou Nelson Lopes, filho do futebolista, de origem caboverdiana, Armando Duarte Lopes, que jugou no UDIB - União Desportiva e Internaconal de Bissau e depois foi funcionário da administração dos portos da Guiné, em Bissau  (tendo estado destacado dois anos  em Bambadinca por volta de 1969 e depois em  1971/72) (*)

Data: 6 de Maio de 2010 14:45
Assunto: Perdidos e Chados !

Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.

Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !

Desconheço se terão estado numa outra "Frente" [de guerra], conheci-os pois em Bissau e ambos habitavam um quarto alugado numa residência mesmo em frente da Messe dos Sargentos.

De tal forma afectos aos vizinhos e à minha familia em particular, ainda me recordo de, nos anos 70 (72/73), a familia toda, na altura de férias em Lisboa,  ter sido presenteada com uma visita dos irmãos gémeos (na altura já com a comissão militar concluída na Guiné), acompanhados pela respectiva mãe...que no fundo quis conhecer a família africana que tanto afecto tinha dedicado aos filhos na Guiné. Um gesto simpático de gente nobre ! 

Foi pois a última vez que os vi... tinha eu uns 10/11 anos!  E,  como devem calcular volvidos todos esses anos, nunca é demais reaver o requinte de amizades do género... Para que no mínimo se fique a saber ... que nem tudo o tempo levou !

Mas a propósito deste par de gémeos e relativamente ao que vou apelidar aqui de "critérios de chamada à tropa",  uma dúvida andou por todos estes anos "apipocando-me" a mente. Tal qual a experiência do Private Ryan [, referência ao filme Saving Private Ryan, de Spielberg, 1998] como é que funcionavam as coisas, quando tal "dever" se via confrontado com casos de irmãos, (neste caso, por sinal gémeos),  em idade de incorporação militar ? "Apanhavam" todos pela mesma bitola, como foi o caso ?


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > O emblemático edifício da sede da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau onde jogou à bola o pai do Nelson Herbert, Armando Duarte Lopes.

Imagem: Cortesia de Nelson Herbert (2009)

A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi,  por sinal,  um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !
Meu vizinho nos anos 70, nos tempos livres sempre arranjava tempo para organizar e orientar o time da meninada do meu bairro. Terminada a comissão militar, ainda chegou a ser futebolista profissional em Portugal. Integrou, com Lemos (ex-futebolista do Futebol Clube do Porto, então em comissão militar na Guiné) a celebre selecção da Provincia da Guiné, na altura reforçada por militares da então "Metrópole" que se bateu, sem complexos com a então equipa principal do Futebol Clube de Porto, do peruano Teófilo Cubilas, Rudolfo e Rolando !

Estarão porventura estas três personalidades navegando pelo blogue ou porventura alguém que saiba do paradeiro dos mesmos ?

Mantenhas

Nelson Herbert
USA
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

(...) 1- O meu velho entrou para a tropa a 15 de Agosto de 1943. Fez a recruta e o treino militar em Chã de Alecrim [, a nordeste da cidade do Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde].,

Depois do juramento da bandeira (será esse o termo ?) é transferido para Lazareto e São Pedro [, na parte oeste, sudoeste da ilha].

Lembra-se perfeitamente do corpo expedicionário vindo da então Metrópole. Termina o serviço militar em Janeiro de 1945. Frequenta , como vários outros nativos crioulos, o Curso de Sargentos Milicianos, graduação a que entretanto dificilmente os nativos chegavam...

Participou de forma rotineira nos tais exercicios físicos da tropa, na Praia da Matiota ... (que melhor lugar para um exercício matinal!). Já naquela altura era futebolista do Amarante Futebol Clube, um dos históricos clubes de Mindelo. Ainda se recorda, e bem, da argumentação semanal para conseguir a devida licença da tropa, para os treinos e jogos do fim de semana...

Alias, é pois o futebol que o acaba por levar à então Guiné Portuguesa, para jogar na UDIB - União Desportiva e Internaconal de Bissau.

2- Sobre a passagem dele, por Bambadinca... Mandatado pela JAPG [, Junta Autónoma dos Portos da Guiné,], foi ele quem implanta e organiza a administração local (serviço de escrituração -seré esse o termo) do porto local. Finda essa fase de estruturação da funcionalidade do porto local, é chamado à sede (Porto de Bissau) e em substituição é despachado um outro colega.

Lembra-se do batelão Poana , de umas 100 toneladas, e que, sob escolta da tropa, fazia o trajecto Bambadinca-Bissau e vice-versa com carga militar e civil (esta último sobretudo gado para os matadouros em Bissau). E, era segundo ele, na gestão "da hora e da vez de cada um " na utilização da embarcação, que surgiam os inevitáveis "atritos" com a tropa .

Durante esse período (uns dois anos passados em Bambadinca entre 1969 e 1971/72 ) nós, os filhos (seis), por questões de segurança, tivemos que nos manter em Bissau. Lembro-me entretanto da nossa mãe, tê-lo visitado uma ou duas vezes em Bambadinca e de lá ter regressado, de avião, um dia após um ataque da guerrilha! [, em 28 de Maio de 1969]. (...)


(**) Vd. último poste da série: 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6293: Em busca de... (129): Valente de Sousa, ex-Fur Mil da 3.ª Equipa do Grupo Comandos "Os Centuriões" (Luís Rainha)

Guiné 63/74 - P6344: Convívios (234): Pessoal da CCS, CCAÇ 2366 e CCAÇ 2367 do BCAÇ 2845, ocorrido no dia 1 de Maio em Buarcos (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2010:

Olá Carlos, Olá Tabanca Grande.
Aqui esta o chato do Albino.

Gostaria que toda a malta visse este poste do convívio da CCS e das CCAÇs 2366 e 2367.

Quero aqui esclarecer os Camaradas da CCaç 2368 que este convívio não foi a nível de Batalhão ou teriam feito parte do mesmo.
Acontece que como eu tinha a meu encargo a realização do Encontro da CCS no Dia 1 de Maio, da 2367 em 22 e da 2366 em 29 de Maio, e como eram no mesmo Restaurante em Buarcos, consegui que se juntassem as três Companhias no mesmo dia, para evitar assim ter de fazer a astrada três vezes no mesmo mês. Foi usto que aconteceu.

Sim, convém esclarecer esses meus camaradas da 2368, pois não vão eles julgar que o Albino Silva os desprezou, porque isso nunca eu o faria por muitos motivosos, principalmente pela consideração que tenho por esses Camaradas de quem me orgulho que são também do mesmo Batalhão.
Tenciono estar com eles no dia 30 de Maio, mas desde já quero deixar um grande abraço a todos.

Desculpem o incómodo pelo trabalho que dou.
Um grande abraço para a Tabanca Grande
Albino Silva


GRANDE RONCO

1 de Maio de 2010

Depois de mais um ano passado, fizemos de novo Ronco.

Neste, comemoramos os nossos 40 anos de regresso da Guiné, e juntamente com a CCS estiveram presentes também a CCaç 2366 Periquito Atrevido, e a CCaç 2367 Vampiros.

Como surgiu a ideia? Fácil.

Cabendo-me a mim fazer parte da organização da CCS, neste dia 1.º de Maio, também é verdade que eu seria o organizador dos Convívios da CCaç 2367 que seria em 22 de Maio, e da CCaç 2366 no dia 29 de Maio no mesmo local, Buarcos, e como o restaurante tinha capacidade para as três Companhias no mesmo dia, então, para evitar de fazer a estrada 3 vezes no mesmo mês, aproveitei de matar três coelhos com um só tiro, com pena de não estar presente a CCaç 2368, Feras, porque então seria a nível de Batalhão, e não era eu o organizador.


Ainda não eram 10 horas, já chegavam camaradas que assim iam trocando os primeiros abraços e se iam concentrando na Parada, saboreando a frescura da manhã, e olhando o mar.
Aquele mar imenso da Praia de Buarcos, onde os nossos olhares se estendiam nas águas, bem ao longe, mas sem nunca vermos o Niassa navegando.

O tempo ia assim passando e cada vez éramos mais a engrossar a formatura. Por volta do meio-dia lançaram o primeiro ataque ao inimigo do Colesterol, na Esplanada da Tabanca, mas sempre com o olhar na bolanha, (oceano) para não o perder de vista, já que este nos maravilhava com aquela excelente paisagem em toda a sua orla, que mais não era que as magníficas praias, incluindo a Figueira da Foz.

Depois do primeiro ataque aos carapaus e companhia, ia-se preenchendo as listas com riscos quando mais um efectuava o pagamento, e ainda foram bastantes.
Depois desta operação terminar, deu-se ordem para atacar à mão armada, com rocketes e tudo o que estivesse nas mesas, pois eram muitas naquela Tabanca ao pé do mar.
Enquanto o ataque durou, deu-se pela falta de muitos camaradas e em todas as Companhias.

Por aqueles que já faleceram, fizemos uma singela homenagem com um minuto de silêncio, e depois falamos daqueles que por qualquer motivo não quiseram estar presentes, e por isso, em comparação com outros anos, fomos muito menos, o que me levou a pensar se esses camaradas só vem se outros vierem, ou se desprezam aqueles que vem.

Caro companheiro de armas e de guerra, a Guiné está ainda nas nossas mentes, logo também não estás esquecido, pois na Guiné, naquela guerra fomos um por todos e todos por um.

Há 40 anos deixamos aquela Guiné onde sofremos bastante, uns talvez mais que outros, mas no fundo todos sofremos.

Foram lutas e tiroteios intensos, foram caminhadas a pé entre matas e capim, picadas e bolanhas, foi a fome, a sede, a chuva e o calor, os mosquitos e as abelhas, as minas, muitas noites sem dormir e o ouvir rebentamentos constantes que faziam tremer aquele chão de terra já de si vermelha.

Foi o terror e a coragem por ver camaradas feridos, e foi dor em ver outros que pela Pátria perderam a vida, alguns deles junto de nós, encostados a ti.

E agora camaradas, será que vos esquecestes que foi na Guiné onde criamos uma amizade que apenas para alguns só terminará quando passarem à disponibilidade da vida.

Não somos todos iguais, eu sei bem, e é pena, pois conheço alguns que não vem a este Ronco, simplesmente porque já não querem aquele abraço do camarada que por vezes lhe deu tanta coragem e em determinadas situações até repartiu com eles a ração de combate e até a pouca água de seu cantil.

Será que estás esquecido?

Talvez, pois são quarenta anos de saudades de quem teima em não aparecer para aquele abraço amigo de bom camarada.


Agradecimento

Camaradas em geral. Esteve presente entre nós o 2.º Sargento, Luis Rafael dos Santos.

Sabemos que estiveram alguns ex-Oficiais, mas convém lembrar que este camarada com 83 anos, fazia toda a questão de vir ver a malta que ele já não via há 41 anos, pois veio embora mais cedo um ano que nós.

Dada a impossibilidade de poder fazer a viagem com a esposa, desde o Laranjeiro (Almada), ligou-me lamentando o facto, mas notei nele a força de vontade de querer estar presente.
Assim e por isso quero agradecer a sua filha a gentileza e amabilidade por trazido o seu pai até junto de nós, porque também ela viu a força de vontade que seu pai tinha em nos ver, e tal foi sua alegria quando se encontrou no meio desta camaradagem.

Obrigado minha senhora pela alegria que deu a seu pai, porque vi nele uma pessoa feliz, mas também pela alegria que nos deu a nós, em especial a mim.

Dado todo o trabalho que tive e que a senhora pôde ver isso mesmo, nem sequer lhe pude agradecer o amor demonstrado pelo seu pai.

Obrigado por o ter feito, e pelo lindo gesto, pois devia haver mais filhos a trazerem seus pais a estes encontros, porque certamente lhes dariam mais vontade para viver, os últimos anos de uma vida dura e traumatizada como tiveram. Bem haja.

Para vós camaradas, quer da CCS quer de outras Companhias que estais espalhados pelo mundo sem possibilidades de poderem estar presentes, é em especial para vós que faço este trabalho, para que estejam ao corrente daquilo que ainda fazemos, depois da Guiné e estarei sempre disponível para tudo aquilo que quiserem saber ao nível do BCaç 2845, dentro das minhas possibilidades.

Vejam em baixo meus endereços.

Para os camaradas que não comparecem.
Juntem-se e venham, pois tenho a plena certeza que irão dizer como todos os que vêm a primeira vez:

- Se soubéssemos que era assim tão saudável, já teríamos vindo há mais tempo.

De facto é saudável conviver, pois aliviamos a memória ao descarregar aquilo que temos acumulado em nós, e ficamos mais jovens quando falamos e contamos as nossas aventuras do passado.


QUARENTA ANOS COMEMORAMOS NÓS,

BATALHÃO DE CAÇADORES 2845

Para acesso ao Blogue do Convívio, escreva:

Batcac2845guineteixeirapinto.blogspot.com

Albino Silva
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6174: In Memoriam (39): Baixa na CCS/BCAÇ 2845 - morreu no dia 21 de Março de 2010 o ex-1.º Cabo Cardoso (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6325: Convívios (147): Pessoal da CCS do BCAÇ 4612/72, conviveu no dia 01 de Maio de 2010, em Gondomar (Jorge Canhão/Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P6343: Dando a mão à palmatória (24): Alpoim Calvão (e não Galvão...)

1. Alpoim CALVÃO (e não Galvão) como aparece, erradamente, em vários postes do nosso blogue (na I e II Séries) bem como  noutros sítios, na Net, por vulgar erro de simpatia. Uma simples pesquisa no Google com o marcador "Alpoim Galvão" deu-nos mais de 7 mil referências...

As nossas desculpas ao próprio, capitão de mar e guerra , na reforma, e hoje empresário na Guiné-Bissau,  de seu nome completo Guilherme Almor de Alpoim Calvão. Como é do domínio público, foi o comandante da Op Mar Verde (Conacri, 22 de Novembro de 1970), operação em que participou o nosso camarada Amadú Djaló, autor do livro Guineense, Comando, Português (Lisboa, 2010). Curiosamente, Alpoim Calvão esteve recentemente em duas sessões de lançamento de livros relartivos à guerra colonial na Guiné: o livro do Amadu, e a biografia de Spínola, da autoria de Luís Nuno Rodrigues.

Julgamos já ter corrigido, tão rápido quanto possível,   esse lamentável erro, pelo menos na II Série do Blogue (*).

Vd. Wikipédia > Guilherme Almor de Alpoim Calvão

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Nota de L.G.:


(*) Vd. alguns dos postes onde é referido o marcador Alpoim Calvão, já corrigido::

21 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2398: Evocando os furriéis da 1ª CCA, João Uloma e Carlos França : Acreditas que ainda sonho com aquela cabeça ? (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P6342: Ser solidário (69): Sementes e água potável para o Cantanhez - Faltam-nos 500€ para o primeiro poço, em Amindará (José Teixeira)

1. Com a devida vénia à Tabanca de Matosinhos, e no sentido de sensibilizar a tertúlia do nosso Blogue para a campanha ali levada a efeito, transcrevemos o seu poste 413

P413 - Sementes e Água Potável para a Guiné – Bissau

Campanha para abrir dez poços de água e construir fontanários em tabancas do interior da Guiné – Bissau.

Já só faltam cerca de 500€ para abrir o primeiro poço na Tabanca de Amindará no interior da mata do Cantanhez.

Registe-se o nome para quem sabe um pouco de crioulo – a mim dará, ou seja - eu darei.

O Nome da tabanca é um desafio a todos nós para doarmos uma pequena quantia e completar a verba necessária para dar seguimento ao projecto.

Acabo de receber o seguinte Mail do nosso amigo Pepito, que na Guiné se dedica de alma e coração à causa do bem estar da população, nas mais diversas situações, dando corpo ao projecto da AD- Acção para o Desenvolvimento.


Amigo Zé

Conforme prometido, eis os custos de um poço (elementos comprados em vários fornecedores para ser mais barato):

construção de um poço (1.200.000 CFA):
- mão-de-obra: 500.000 CFA
- material (anilhas, cimento, ferro, etc.): 700.000 CFA

sistema solar (1.230.000 CFA):
- bomba de água + painel + tubos: 1.230.000 CFA

diversos (200.000 CFA):
- transporte e combustivel: 200.000 CFA

O total dará cerca de 2.630.000 CFA (cerca de 4.000 euros).

A ideia é avançar já com o primeiro poço na tabanca de Amindará, em pleno Cantanhez e que sofre enormemente com a falta de água.
Temos de tomar a decisão até ao final deste mês de Maio, pois logo a seguir começam as chuvas e nada feito, até Março de 2011.
abraço
pepito


O saldo actual é de 3.457.10 € conforme se pode verificar no mapa que segue.



OBS:- A lista completa pode ser consultada no poste da Tabanca de Matosinhos.

Devagar, devagarinho. Tão devagar que me faz lembrar o regressar ao quartel ou acampamento depois de uma coluna de 24 horas pelas picadas da mata do Cantanhez lá vamos conseguindo algumas “migalhas” para esta causa – água potável para as populações da Guiné.

Um especial agradecimento para os camaradas que acreditaram e deram algo de si, sobretudo para os reincidentes, que com a sua oferta vão alimentando esta fonte.
Não podemos parar.

Só faltam 500 € para abrirmos o primeiro poço, na Tabanca de Amindará. Há no mínimo mais nove para abrir, dentro do projecto da Tabanca Pequena, mas...

Há muitos mais poços que têm de ser abertos com a nossa pequena ajuda, se queremos que os nossos irmãos da Guiné usufruam de um bem tão precioso como é a água.

Zé Teixeira

Nós não damos valor a estes gestos, porque só nos falta a água quando há avarias na rede de distribuição. E se nos falta água um dia, entramos em desespero. E quem não a tem nunca?
CV

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Notas de CV:

Vd. último poste de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5907: Ser solidário (59): Precisa-se de dinheiro para abrir 10 poços na Guiné-Bissau (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6338: Ser solidário (68): Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P6341: Antropologia (18): Elogio ao nosso blogue em comunicação sobre Régulos, almamis e mouros durante a guerra colonial, do Prof Eduardo Costa Dias

 Cortesia do amigo e colega Eduardo Costa Dias, grande especialista da cultura e da história da Guiné-Bissau, professor de Estudos Africanos, Departamento de Sociologia, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) (foto à direita, Bissau, 2008).


1. Resumo de uma comunicação científica, em francês [, com a respectiva tradução, em português, ] do nosso amigo Eduardo Costa Dias, professor e investigador no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, e em que se faz uma elogiosa referência ao nosso blogue.


Colonial auxiliaries or advocates of colonial subjects? A comparative view on chiefs and ‘traditional rule’ during the colonial period

Régulos, Almamis et Mouros pendant la guerre coloniale dans l’ex- ‐Guinée portugaise: à chacun son rôle, ses convenances et ses fidélités 


Eduardo Costa Dias
ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa


L’avènement de la guerre coloniale, en 1963, dans l’ex- ‐Guinée portugaise non seulement a profondément transformé le modus vivendi des populations africaines et européennes, comme, un peu partout, a basculé les relations tissues entre les autorités traditionnelles et l’administration coloniale.

En effet, les autorités traditionnelles ont été confrontées, en plus de l’exigence de « faire vite » allégeance à un des deux belligérants, avec le besoin de composer presque inopinément avec de nouveaux interlocuteurs coloniaux. Plus la guerre s’étendait à de nouvelles zones du territoire guinéen et les combats regagnaient d’intensité, davantage, localement, les commandants militaires remplaçaient de facto et de jure, comme interlocuteurs des autorités traditionnelles, les administrateurs civils (administradores de circunscrição, chefes de posto, etc.). Dans plusieurs sens, pendant la guerre coloniale, dans la majeure partie du territoire, « l’ (vraie) autorité portugaise » était l’armée.

Dans l’étude de cas qu’adosse cette communication – le cas des autorités mandingues et, surtout, peuls des cercles administratifs de Bafatá et de Nova Lamego (Gabú) – , toutefois, plus que le renforcement « rayonnant » ou la rupture brutale de la très ancienne collusion stratégique entre les chefs musulmans et l’État colonial, on a assisté principalement à la multiplication, en nombre et en « qualités », des interlocuteurs locaux des autorités portugaises et, naturellement, à une plus grande diversité des prises de position des dignitaires politiques e religieux mandingues et peuls.

Un almami ou un mouro (marabout) n’avait nécessairement, par rapport aux autorités portugaises ou au PAIGC, le même positionnement que « son » régulo, même si celui- ‐ci, en plus de musulman et mandingue/peul comme lui, était son frère. Au contraire, parfois, il y’ avait même grands avantages en aménager des positions différentes dans une même famille, tabanca (village) ou zawiya (délégation locale d’une confrérie); dans des situations complexes comme celles vécues pendant la guerre coloniale pour beaucoup de peuls et mandingues de Bafatá et du Gabú, la bonne utilisation de la réinterprétation ouest- ‐africaine de l’institut du muwalat – « accommodation sur réserve avec l’infidèle »/ « acceptation d’un compromis provisoire avec l’infidèle » - presque le prescrivait!

Dans l’essentiel, l’information travaillée pour cette communication a été obtenue à partir des entrevues faites dans les années 1990 et 2000 à des dignitaires musulmans des régions de Bafatá et du Gabú, de la compulsation de documentation dans des archives portugaises (AHM, AHU, ANTT) et de la lecture systématique d’un blog d’anciens combattants portugais dans l’ex-Guinée portugaise.

Le blog « Luis Graça & Camaradas da Guiné », en plus de sa « mission » fondatrice, est actuellement, malgré le caractère « témoin personnel » de la plupart des posts, un important répertoire des activités des militaires portugais en Guinée, entre 1963 et 1974.





Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O almami local...  Foto do médico e músico João Graça, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto:  © João Graça (2009). Direitos reservados





2. Tradução de L.G.:


Auxiliares coloniais ou advogados dos súbditos coloniais ? Uma análise comparativa dos chefes e do sistema de autoridade tradicional durante o período colonial  [Título em inglês]


Régulos, Almamis e Mouros durante a guerra colonial na ex-Guiné-Português: a cada um a sua função, sua conveniência e sua lealdade

Eduardo Costa Dias
ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa

O advento da guerra colonial em 1963, na ex-Guiné Portuguesa, não só mudou o modus vivendi das populações africanas e europeias, como, um pouco por toda parte, mexeu com as relações mantidas entre as autoridades tradicionais e a administração colonial.

Com efeito, as autoridades tradicionais,  para além da exigência de rapidamente se posicionarem ao lado de uma das duas partes beligerantes, foram confrontadas com a necessidade de lidar, quase inesperadamente, com novos interlocutoers coloniais.

Quanto mais a guerra se estendia a novas zonas do território guineense e os combates aumentavam de intensidade, mais, a nível local, os comandantes militares se substituíam, de facto e de direito, aos administradores civis (administradores de circunscrição, chefes de posto, etc.) como interlocutores das autoridades tradicionais.

Em diversos sentidos, durante a guerra colonial, na maior parte do território, “a (verdadeira) autoridade portuguesa ", foi o exército.

No estudo de caso a que se reporta esta comunicação - o caso das autoridades mandingas e, sobretudo, fulas, dos círculos administrativos de Bafatá e de Nova Lamego (Gabu), no entanto, mais do que o reforço “fulminante” ou a ruptura brutal da velha coligação estratégica entre os chefes muçulmanos e o e Estado colonial, assistiu-se principalmente à multiplicação, em número e em "qualidades", dos interlocutores locais das autoridades portuguesas e, naturalmente, a uma maior diversidade das tomadas de posição dos dignitários políticos e religiosos mandingas e fulas.

Um almami ou mouro (marabú) não tinha, necessariamente, em relação às autoridades portuguesas ou ao PAIGC, a mesma posição que o “seu” régulo, mesmo se este, para além de ser muçulmano e mandingo / fula como ele, fosse seu irmão.

Pelo contrário, às vezes, havia mesmo grandes benefícios em tomar posições diferentes numa mesma família, tabanca (aldeia) ou zawiya (delegação local duma confraria); em situações complexas, como aquelas vividas durante a guerra colonial por muitos dos fulas e mandingas de Bafatá e do Gabu, o uso adequado da reinterpretação oeste-africana do instituto da muwalat – "acomodação, sob reserva, com o infiel” / “aceitação de uma compromisso provisório com os infiéis” –  que obrigava a isso!

No essencial, a informação tratada nesta comunicação foi obtida a partir de entrevistas realizadas nos anos de 1990 e 2000 a dignitários muçulmanos das regiões de Bafatá e Gabu, da consulta de documentação em arquivos portugueses (AHM, AHU, ANTT) e da leitura sistemática de um blogue de antigos combatentes portugueses na ex-Guiné Portuguesa.

O blogue "Luis Graça  & Camaradas da Guiné ", para além da sua “missão" fundadora, é hoje, apesar do carácter de “ testemunho pessoal" da maior parte dos postes,  um importante repertório das actividades dos militares portugueses atividades, na Guiné, entre 1963 e 1974.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6340: Controvérsias (74): Enfermeiros… mas não por opção (Armandino Alves)


1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 6 de Maio, que a seguir publicamos:

Enfermeiros… mas não por opção
Camaradas,

Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.
Vais para “isto” e bico calado.
Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.
Depois, no Serviço de Saúde em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente -, 1 ou 2 vezes, em todo o curso.
E, pelo menos no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra.
Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?
Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?
A dar injecções!
Quanto ao resto eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.
Na época 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.
A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato.
Haviam enfermeiros, mas não havia o material necessário.
O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro?
Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.
Como já aqui se falou a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Giselda para melhor nos informar).
Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.
O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.
Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315.
Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.
E quanto tempo aguentaria um soldado ferido?
Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?
Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.
Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite.
À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.

Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (1966/68)
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida




1. O nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, em mensagem do dia 4 de Maio de 2010, enviou-nos esta "Vida" para a sua série, 20 depois da Guiné, à procura de mim:





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM


20 ANOS DEPOIS (2)

VIDA

Acho tão pouco,
Quando olho para trás,
O que até agora fiz.
Apetecia-me correr como louco
Ao longo da vida futura
E construir, refazer, edificar,
Tudo o que tenho para dar.
Tenho o peito tão cheio desta ânsia incontida
De querer acabar
Tudo o que ainda nem comecei.
De querer viver com vida
Tudo o que não vivi.
De escrever,
Com fúria e alegria,
Os sentimentos que ainda não conheci.
De dizer a toda a gente,
Estou aqui,
Estou presente,
E deixar o mundo espantado
A dizer de boca aberta:
Que diabo
Afinal o homem,
Ainda não estava acabado.
De olhar a todos nos olhos,
Bem de frente e sem medo,
E gritar-lhes aos ouvidos:
Vocês vão ver,
O que eu sou capaz de fazer!
Abanar-lhes as almas,
Romper-lhes as cadeias,
Enchê-los a todos de inveja
A verem-me ser feliz.
E quando daqui a muitos anos,
Tantos quantos eu quiser,
Me apetecer chegar ao fim,
Olhar para o passado e dizer,
Com o orgulho posto na vida:
Tudo isto que está para trás
É muito feito por mim…


91.11.20

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6313: O 6º aniversário do nosso blogue (31): Tiraram-me a G3, mas fiquei com uma caneta (Joaquim Mexia Alves)

Vd. primeiro da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

Guiné 63/74 - P6338: Ser solidário (68): Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento (Carlos Silva)


1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos um pedido de publicação do seu apelo a que consignemos, nas respectivas declarações, os 0,5 % do IRS anuais, a que temos direito pela lei, em prol da ajuda à Ajuda Amiga. Assim, não custa nada a dar. Dando todos um pouco se juntará… uma "pipa de massa".

Consignação de 0,5% do IRS a favor da Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade Social e de Apoio ao Desenvolvimento

http://ajudaamiga.com.sapo.pt/

Uma nova e importante fonte de receitas foi conseguida pela Ajuda Amiga, ou seja a consignação a seu favor de 0,5% do IRS a partir de 2011 [incide sobre os rendimentos de 2010], assim na declaração de IRS basta indicar o nome da Ajuda Amiga e o seu NIPC 508 617 910 no campo reservado à "Consignação Fiscal".

Uma decisão simples e sem quaisquer encargos para o doador que permitirá que 0,5% do imposto liquidado, seja destinado pelo Estado à Ajuda Amiga.

Campo da Declaração do IRS a preencher em 2011


Deste modo, Camaradas & Amigos daqui faço um apelo para que ajudem a nossa Associação a cumprir os objectivos a que se propôs e estão consagrados nos Estatutos.


Para verem a acção por nós já desenvolvida poderão visitar o Site da Ajuda Amiga e o meu onde é visível a ajuda levada por nós até à Guiné-Bissau incluindo o nosso Sector de Farim.

http://ajudaamiga.com.sapo.pt/

http://carlosilva-guine.i9tc.com/site/

No Site lancei mais de 300 fotos relacionadas com a nossa actividade.

Com um grande abraço pela vossa solidariedade,

Carlos Silva

Fur Mil At Inf da CCaç 2548/Bat Caç 2879

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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 de Maio de 2010

Guiné 63/74 - P6304: Ser solidário (67): Maria Buinen e Rosa Mota 'correm' pelo Projecto Viva (água para 85 mil pessoas na Região de S. Domingos) (Bernardino Parreira, CCAV 3365, 1971/73)

Guiné 63/74 - P6337: Notas de leitura (102): Guinéus, de Alexandre Barbosa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
O José Brás, nosso confrade, honrou-me com a oferta de “Vindimas do Capim”, livro importante dos anos 80, época em que ando a navegar, e sempre a suplicar em voz alta ajudas ordinárias e extraordinárias.
Insisto: por favor, quem tenha livros publicados nos anos 80 e 90, ao menos tenham a gentileza de me indicar título e autor da obra (não obstante, terei muito gosto em que me emprestem tais obras...).

Um abraço do
Mário


A Guiné dos feitiços, dos irãs e de outros exotismos
Beja Santos

Foram sobretudo os funcionários coloniais os que mais procuraram registar aspectos etnológicos e etnográficos, sinceramente surpreendidos pela vastíssima cultura guineense, pródiga de narrativas orais, danças multicolores, paisagens deslumbrantes, usos e costumes impossíveis de esquecer, e de difícil comparação com outras paragens. Alexandre Barbosa publicou “Guinéus, contos narrativas e crónicas” em edição de autor, estávamos em 1962. A colectânea é dedicada aos seus pisteiros, o que deixa antever que o autor se dedicava às artes venatórias. Ele, aliás, rememora os seus amigos nestes termos: “Meus fiéis pisteiros e ideais companheiros durante centenas de digressões venatórias através do mato guineense sob o sol acutilante, o cacimbo envolvente, a rija chuva e a fúria dos tornados, cenário de tantos momentos de satisfação, de desalento e, por vezes, de perigo, que sucederam para marcar os motivos mais saudosos dos dezoito anos que vivi em terras guineenses”.

Leopoldo Amado, intelectual guineense que nos honra na nossa tertúlia, tem estudado com grande rigor e apuro os fundamentos desta literatura, indispensável para compreender todo o contexto colonial que preludia a eclosão no movimento nacionalista e da luta armada. Já aqui falámos de José Augusto Silva (tio do Pepito), de Francisco Valoura, de Fausto Duarte, de Manuel Belchior e de outros nomes que são incontornáveis entre os anos 30 e 60, nas letras guineenses. Todos eles aparecem irmanados pela satisfação em narrar uma África de luares, batuques, paganismo, a vida na floresta, a luxúria da fauna e da flora. Há momentos patéticos como a descrição daquele Arafan cujo filho se esvai em sangue e tenta, numa maratona delirante, percorrer longos quilómetros à procura do médico e de um milagre que lhe salva o seu querido Lássana. É interessante atender aos pormenores da escrita:

“Lássana dorme no chão, sobre a esteira. Tinha uma cama em madeira feita pelo Domingos, o carpinteiro cristão, mas só passaria a servir-se dela quando ele e o pai concluíssem a nova palhota de paredes já erguidas, em adobes, com janelas e traçado como as dos civilizados.

Durante o dia estivera no mato na colheita de látex das trepadeiras e árvores borrachíferas e, pela tarde, quando regressou, o pai ainda o incumbiu de ir a Buba-Tombó pedir ao caçador Bácar umas cargas de pólvora por empréstimo enquanto não viesse o gila do chão francês com encomenda clandestina.

Cá fora o caçador repousa na cama de rede suspensa das pilastras de pau-carvão da varanda. Passa tempo. A lua ainda vem alta e só cairá pela meia-noite. A tralha da caça está preparada. Renovara o carboreto do farolim e a velha longa já estava com a primeira carga. Pólvora, buchas e zagalotes acamados com esmero sonhado êxito para o primeiro tiro da noite. Levara a tarde a acertar com a têmpera das novas molas do gatilho. Há pouco a sua mulher pusera o farnel na sua sacola de caça”.

Para tornar mais compreensível toda a narrativa, Alexandre Barbosa prepara um pequeno glossário de expressões de uso local e falares crioulos. Exemplos: Baguiche (planta comestível preparada à maneira de esparregado), Cabeça-de-Morança (chefe de família), Cacho ou Cacho Caldeirão (pássaro), Dondom (pequeno tambor), Fotan (apito de bambu que os caçadores fulas usam para o chamamento de hipopótamos), Fritambá (pequeno antílope), Gato-Lagar (gato selvagem), Malila (bracelete feita de fibras vegetais com que o balanta enfeita os pulsos e artelhos).

Peço ao leitor que se debruce sobre a fotografia deste livro. Tem a ver com a dança do peixe-verga (tubarão-martelo). No rito animista dos Bijagós, o bailarino vai abater o todo-poderoso dos mares quentes com uma lança de bambu. A fotografia permite ver alguns dos aspectos impressionantes das poses baléticas: o bailarino que simboliza o peixe-verga, a garça pescadora (ave) e o peixe-verga propriamente dito. Escreve Alexandre Barbosa: peixe-verga, pescador e garça evoluem no terreiro em atitudes, gestos e mímica até que o pescador consegue ferir de morte o peixe-verga, procedendo a uma degola apoteótica”.


E com que orgulho não descreve Alexandre Barbosa o rio Corubal, referindo os rápidos de Cusselinta e Saltinho, a ponte que permite a ligação entre o norte e o sul da Guiné, a colheita do âmbar, o macaréu, as belezas da lagoa de Cufada e a mata do Cantanhês: “No rio há variedade de peixes e os descomunais mas graciosos hipopótamos. Nos mangais a orlar o rio e no arvoredo próximo é numerosa a fauna aviária. Garças ribeirinhas, pelicanos, maçaricos e uma imensidade de passarada multicolor. No mato aparecem a cabra selvagem, a gazela, o sim-sim, o javali, o porco-espinho, a onça, o búfalo e, por vezes o portentoso elefante. São muitos os patos selvagens, as chocas (perdizes) e as galinhas do mato. Enfim, um mundo diferente para os desportistas metropolitanos que se decidam a visitar-nos e até para os que vivem na Província que não tenham ainda contactado com o mato, tão cioso a ocultar-nos o seu exotismo e uma vida animal que nos evita e receia”. Mal sabia Alexandre Barbosa as actividades não turísticas que se iriam desenvolver a partir de 1963 em regiões como o Cantanhês...

“Guinéus” foi-me gentilmente emprestado pelo Armor Pires Mota. Renovo o meu pedido a todos aqueles que possuam livros desta época, são títulos que deverão obrigatoriamente constar no repertório da literatura guineense.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6329: Notas de leitura (101): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2) (Mário Beja Santos)