sábado, 5 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6539: Convívios (247): Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382, 01 de Maio de 2010 em Mira Daire (Arménio Estorninho)


1. O nosso Camarada Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), enviou-nos, com data de 3 de Junho de 2010, a seguinte mensagem:


Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382 em 01 de Maio de 2010
Camaradas, como sempre cordiais saudações tabanquenhas.

A C.Caç. 2381 “Os Maiorais de Empada,” que desde 1990 (e anualmente) têm vindo a efectuar convívios, por conseguinte no passado dia 01 de Maio, em conjugação com a C.Caç.2382 “Os Picas” e com estes efectuou o seu segundo encontro de confraternização, sendo em almoço no Restaurante Rosa, sito em Grutas de Santo António - Mira Daire. Desta feita, a organização pertenceu aos camaradas da C.Caç.2382.

Recomenda-se a quem por lá passar e/ou para eventos. Pelo que me foi dado a observar trata-se de um Restaurante-Bar, com amplas salas, de modelares instalações e com o apoio de uma graciosa esplanada ajardinada. Quanto aos empregados apresentavam-se com vestuário adequado a cada serviço, eram solícitos de forma simpática e com um bom serviço de mesa.
Parte 1 - Quando da chegada e recepção no Largo do Terreiro das Grutas de Santo António, dei uma saudação aos da C.Caç 2382 que ali já se encontravam e os abraços com palmadas aos da C.Caç. 2381, dos que me vêm à memória são o Tertuliano ex - Fur. Mil. José Manuel Samouco e o Sold. Nuno Santos “O Peniche” (que apoiava-se em duas canadianas, esperamos as suas melhoras e a recuperação), quase simultaneamente chegou o Sold. Trms. Nelson Tomé e por conseguinte seguiu-se a chegada de outros.
Os mais próximos agrupavam-se e iam confraternizando, falando dos mais diversos assuntos de ocasião e tiravam-se algumas fotos para recordar.

Foto 1> Mira Daire> Terreiro das Grutas de Santo António> 01/Maio/2010 > Grupo da C.Caç.2381, da esq. os ex-Furriéis. Mil. José Manuel Silva, António Lemos e António Esteves, o Sold. António Lagrante, o Tertuliano ex-1º Cabo Enf. Zé Teixeira, o Sold. Atir. do mort. 60mm, João Canadas Ribeiro e o ex-1º Cabo Enf. Jorge Catarino.

Foto 2> Mira Daire> Terreiro das Grutas de Santo António> 01/Maio/2010 > Grupo de Camaradas da C.Caç. 2382 e Familiares, não conseguindo motivá-los para o interesse da fotografia.
Quando eram cerca das 12.15 horas, foram dadas indicações para o pessoal deslocar-se para o Restaurante Rosa, que se localiza em zona contígua e na base comum da encosta.
Ali chegados na esplanada ajardinada, antecedendo ao almoço fomos ofertados com um beberete e em franco convívio dos camaradas, familiares e amigos.

Foto 3> Mira Daire> Grutas de Santo António> Esplanada do Rest. Rosa> 01/Maio/10 > Grupo da C.Caç.2381, da esq. e de frente o Sold. Carvalho de Azevedo “O Condeixa”, a esposa do Sold. José da Silva, um Sold. que não relacione com o nome, o Sold. Arlindo dos Santos, o ex-1º Cabo José Runa, o Sold. Dário da Silva e o Sold. José da Silva.
Segue-se o convidar a entrar para a Sala do Restaurante, para o tão desejado almoço porque as barriguinhas já pediam mais. Na acomodação procuraram-se agrupar os de relacionamento mais próximo, o que dava lugar para mais dois e tudo se resolvera na melhor.

Os principais promotores destes eventos o ex-Fur. Mil. Manuel Traquina e o ex-1ºCabo Enf. Zé Teixeira, fizeram uma pequena resenha respectivamente de cada companhia, de que estivemos juntos em Buba, Nhala, Mampatá, Chamarra e Aldeia Formosa, trilhando comummente as mesmas picadas, bolanhas, na abertura da estrada de Nhala e na protecção a colunas - auto de reabastecimento entre essas localidades. Enfrentamos as mesmas dificuldades e com os perigos inerentes de cada situação. Saudaram os presentes, comentando os ausentes e dos que já nos deixaram em sua memória fora feito um minuto de silêncio.


Foto 4> Mira Daire> Grutas de Santo António> Restaurante Rosa> 01/Maio/2010 > Em plena cavaqueira, da esq. o ex-1º Cabo José Runa, o Sold. Arlindo dos Santos “O Turra,”seguindo-se o seu cunhado Artur, sortudo que não foi à guerra e por fim sou eu.
Para desanuviar fora visualizado um filme sobre a C.Caç 2381, em que muitos militares apareceram (onde me inclui) e também enviaram mensagens de Natal em 1968, ao tempo estávamos em Aldeia Formosa - Guiné. Tendo em conta o tempo distante deste facto, esta oportunidade deve-se ao trabalho e persistência, do Genro do nosso Camarada e Tertuliano o Sold. Cond. Auto, Raul Brás.


Foto 5> Mira Daire> Grutas de Santo António> Restaurante Rosa> 01/Maio/2010 > Da esq. o Tertuliano Sold. Cond. Auto Raul Brás e o Sold. João Canadas Ribeiro.
Sendo habitual entre nós de trocarmos ofertas, desta vez foram fotografias e laranjas algarvias, tendo recebido lembranças, presunto e enchidos da marca “Eusébio” propriedade do Industrial, camarada e amigo ex-1º Cabo Enf. Jorge Catarino.

Como é da tradição ao aproximar-se o final, foi repartido o bolo comemorativo do evento entre a C.Caç.2381 “Os Maiorais e da C.Caç. 2382 “Os Picas”.

Por parte da C.Caç. 2381, notaram-se várias ausências de Camaradas entre os quais as do Coronel Jacinto Aidos e do ex - Capitão Mil. Grd. Eduardo Moutinho, que foram respectivamente Comandantes da Companhia.
Quanto aos presentes pela primeira vez presenciei, o ex - Furriel Hernâni Ferreira, o ex – Furriel António Esteves e o Soldado do Depósito de Géneros, João Pinheiro.

Terminado o repasto e “muitos estavam alegrotes porque não conduziam,” procederam-se às tradicionais despedidas e com um até pró ano.

Parte 2 - Conquanto após ponderar, decidi narrar a minha “estória sobre a odisseia” para chegar a um almoço no Restaurante Rosa, em Grutas de Santo António, bem como o que deixara transparecer por vários camaradas da insuficiência de detalhes e de incorrecções, sobre o itinerário e sua localização. Também ajuntando-se a uma deficiente sinalização pública de placas para o caso e que os organizadores poderiam melhorar

O Mário Mata executara uma canção, em que na letra exprime a sua “estória” aquando fora de férias para o meu Algarve. Tirando as relativas ilações da mesma e irei narrar a minha “estória.” Assim, carreguei o carro, com malas cheias de roupas, algo também para uma primeira emergência pessoal e da viatura, sacos com comidas e bebidas, dois garrafões de água para o que for necessário e como é habitual também dez sacos com laranjas algarvias para ofertar. E, a pensar no cão e no gato. “É dé, queres lá ver, atã esta gente tá toda doida e nã dá prápanhar cangreijos na praia mã...!” Pondo-me à estrada conduzindo na defensiva, ponderando alguns percalços e tudo seguirá nos conformes.

Tentando identificar o local via internet (O Planeta visto por Satélite e Google Maps) pouco se me oferecera. Assim, nas indicadas saídas da Auto-estrada A1, provavelmente com GPS poderia orientar-me mas, e, ainda não possui tal instrumento de navegação.

Pretendendo efectuar uma primeira sondagem ao local em referência, decidi pela saída de Torres Novas, mas onde está a facilidade de ver a placa com a indicação de Mira Daire e/ou Grutas de Santo António. Depois de obter algumas indicações para prosseguir no itinerário, mas havendo um pressentimento das dificuldades e por isso efectuara uma inversão de marcha reentrando na A1. Prosseguindo voltei a sair da A1 agora pelo desvio para Fátima, sendo eu um razoável conhecedor desta localidade e não encontrando em qualquer das rotundas ali existentes pelo menos uma placa indicando Mira Daire.

Contudo ainda estávamos no dia 30 de Abril/10, ficando hospedado em Fátima fui providente em obter as necessárias informações e não se viam quaisquer autoridades policiais “fardadas” (devido à proximidade da visita do Papal). Por isso dirigiu-me ao Quartel dos Bombeiros, aí fui informado que na rotunda Sul existem várias placas e que deveria prosseguir na direcção de Minde.

Na manhã seguinte fiz-me à estrada de Minde, quando ali chegara numa das saídas desta localidade deparei com uma placa indicando Mira Daire e para onde me dirigira. Sendo acometido de outro pesadelo, dado que ia observando placas e que somente indicavam Grutas. Pelo percurso na dúvida por duas vezes solicitei orientações do pretendido, indo encontrar a certa distância desta localidade uma placa com a indicação e agora sim Grutas de Santo António. Logo a seguir num pequeno jardim, estava colocada uma minúscula placa “Grutas.” Seguindo sempre na incerteza até chegar ao local de referência e no meio de uma Serra, eram cerca das 10.30 horas, com tantas dificuldades havidas e não será minha intenção repetir outra proeza, ufa..!

Pois claro que será fácil o itinerário para quem organizou o evento e para os camaradas ali vizinhos. Precavendo-me fui com tempo para atenuar possíveis inconvenientes, conseguindo chegar a horas e “cadê”os outros que não foram ousados para lá chegar.

Na informação recebida não constava um croqui e indicava que o almoço era em Grutas de Santo António – Fátima, “ora esta é no Concelho de Ourém” e afinal as Grutas distam a mais de 25 quilómetros, na Freguesia de Mira Daire “Concelho de Porto de Mós.” Sendo de igual distância entre a Cidade de Lagoa e a Vila de Monchique, no Algarve, esta localidade situada na serra que lhe dá o nome.

Pois é camaradas, eu agora já lá chegava com menor dificuldade, mas ponham-se no meu lugar fazendo 450 km, deparar com contrariedades do desenrasca-te e digam como o fizeram.

Tudo isto não será mais que um alerta para que de futuro, no que for possível se preparar a forma que sirva a todos e não só a alguns. Dá muito trabalho, mas outros já o fizeram, quando se corre por prazer não cansa, não pedindo muito aos camaradas das localidades onde se realizam os eventos de terem a sensibilidade e a arte organizativa para facilitar como tem sido apanágio.

Grato pela atenção dispensada, porque quem diz o que sente é filho de boa gente e com um abraço a todos os tertulianos.

Arménio Estorninho
1º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6508: Convívios (161): Convívio Anual do Batalhão de Cavalaria 490, realizado em 29 de Maio de 2010, Coimbra (Valentim Oliveira)

Guiné 63/74 - P6538: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (13): Três acontecimentos com impacto na Guiné - Março/Abril de 1970

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2010:

São passados quarenta anos sobre três acontecimentos de grande significado para as chefias militares e para a sociedade civil da Guiné, os quais se deram nos meses de Março e Abril de 1970.
Presenciei parte e também tive conhecimento de algo à surdina.
Assim rebuscando na memória, irei narrar os meus comentários, apresentando extractos de uma ímpar reportagem fotográfica, puxando ao pormenor a ordem cronológica das situações.
Concluiu-se o que eram preparativos para a paz na Guiné.
Arménio Estorninho


Três acontecimentos com impacto na Guiné - Março/Abril de 1970

Parte 1


Cidade de Bissau, a 16 de Março, de 1970

Tendo eu conhecimento de que um Homem Grande de Lisboa e Ministro do Ultramar, Dr. Silva Cunha, estava prestes a chegar a fim de efectuar uma visita Ministerial à Guiné, para “in loco” contactar o Povo Guinéu e inteirar-se da situação politica e militar, preparei o meu equipamento fotográfico, para ir presenciar e captar imagens de um grande ronco.

Havia vasta informação para a população estar presente e manifestar-se ao longo do percurso desde o Aeroporto de Bissalanca, Estrada de Brá, Sacor e Praça do Império.

Haveria concentração a partir da rotunda da Sacor / Mãe d’Àgua (foto 1), Av. Teixeira Pinto e em frente ao Palácio do Governador. Dentro da cidade o percurso estava engalanado e embandeirado, a população indígena estava disposta ao longo, trajando as suas vestes domingueiras e festivas, dançando e cantando ao som de batucadas.

Duvidando da forte presença humana, dando o meu palpite se devido a ofertas de sacos de bianda” e/ou por indicação dos Chefes Tradicionais (foto 2 a 6). Não sei de onde me vem esta ideia, será por detrás de cada memória há sempre um sopro de curiosidade.


Foto 1 – Guiné> Bissau> Rotunda da Mãe d,Água/Sacor> Março de 1970. Zona para início da concentração e recepção do Homem Grande de Lisboa. No centro dois polícias sinaleiros e no perímetro a presença de vários outros polícias.

Encontrei uma certa alegria dos indígenas embora estivessem em situação de guerra, sendo eu um dos poucos brancos que circulavam por entre a multidão, conforme se comprova pelas fotos, a fazer a reportagem que considerei interessante.

Foto 2 –Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)>Março de 1970. Artéria engalanada a propósito, com muito povo a aguardar a passagem do ministro do Ultramar. Fiquei surpreso em ver um indivíduo indígena (que segue pela direita), arrastando um tronco de árvore, amedrontando e marcando posicionamento.

Foto 3-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Batucada, com dança nativa, foi uma boa forma de divertimento, preenchendo o tempo de espera. O africano que se apresenta em primeiro plano, pareceu-me que seria um dos filhos do Chefe Religioso Cherno Rachid, de Aldeia Formosa, e simular não perdendo por isso a oportunidade de tirar a foto.

Foto 4-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Enquanto aguardam, há batucada e dança nativa para alegrar o povo.

Foto 5- Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Batucada e dança nativa. Pormenor, a diversidade da cor das vestes das bajudas.

Foto 6-Guiné> Bissau> Av. Teixeira Pinto (Av. Francisco J. Mendes)> Março de 1970. Em fundo o Parque Teixeira Pinto (Praça dos Combatentes) e o povo colocado ordeiramente.

Quando da passagem dos Homens Grandes de Lisboa e de Bissau, deu-se um alarido e em forma de algaraviada. Nunca tinha presenciado uma manifestação com tanta expressão popular.

Depois, ficando na embrulhada, no meio do povo, aproximei-me da Polícia Metropolitana (foto 7), não fosse o diabo tecê-las, cometendo alguma imprudência naquele mar de gente.

Foto 7 – Guiné> Bissau> Em fundo o Parque Teixeira Pinto> Março de 1970. O povo aguardando a iminente passagem dos Homens Grandes, os civis brancos aparentemente seriam Polícias/Seguranças e o militar, Operador de Fotocine.

Chegados à Praça do Império, estava toda engalanada, já com imenso Povo a aguardar, enchendo-se literalmente com os que vinham no cortejo, sempre com os manifestantes a cantar e a dançar ao som dos batuques (foto 8 a 11). Nas zonas frontais ao Palácio viam-se dísticos de ocasião e faziam-se alegorias com aclamações.

Foto 8 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. “Mindjeres garandis, firma junti di Palácio,” cantando e batendo as tabuínhas. Esta foto foi tirada com consentimento, “nha mim mist leva metrópole,” veja-se a pose.

Cada etnia agrupava-se e dando um certo colorido e forma carnavalesca, que só as gentes africanas é que têm a arte e o saber do que lhes traz na alma.

Tudo se conjugava para uma grande concentração e manifestação, via-se no Pátio de entrada do Palácio muitos Homens Grandes, demonstrando apoio e confiança.

Foto 9 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. Chegada do séquito que se aglomerou defronte do Palácio do Governador.

Foto 10 – Guiné> Bissau> Praça do Império (Praça Heróis Nacionais)> Março de 1970. Concentração do Povo defronte do Palácio do Governador. Recordo-me muito bem do africano que me olha defronte, desconfiado. Fiz de conta que não me apercebi simulando tirar outras fotos.

Foto 11 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Vista obtida do lado da Associação Industrial e Comercial. À varanda, a elite de Bissau aguardando a vinda das Entidades Oficiais “Homens Grandes Tugas.”

“O Homem Grande”, General António de Spínola, com a voz bem arrastada como era seu timbre, ainda me ficou na memória excertos do seu discurso, agradecendo a presença do Ministro do Ultramar e focando como era seu apanágio que queria para o Povo da Guiné melhores condições de vida, de bem estar (APSICO) e a paz.

Que o chão da Guiné era dos Guinéus e eram eles que tinham que o defender (auto defesa), os militares só ali estavam para os apoiar enquanto fizessem a comissão e depois iam-se embora para suas terras (foto 12). Foram palavras bem aceites pelo Ministro Silva Cunha e esfuziantes para o povo que se manifestava.

Por sua vez o Ministro do Ultramar Dr. Silva Cunha, fez a explanação dos motivos da sua vinda à Guiné. Vinha trazer mais apoio do Governo de Lisboa ao Governador General António de Spínola, para uma Guiné Melhor e dar mais condições (foto 13).

Em cada discurso, os manifestantes a mostravam exuberantemente o seu apoio, enquanto da varanda do Palácio retribuíam com agradecimentos através da aparelhagem sonora e com acenos.

Seguindo-se o descer ao Pátio de entrada do Palácio, para os cumprimentos aos Homens Grandes dominantes da Sociedade Tradicional, “Religiões e Chefes de Tabancas” (foto 14 e 15).

Foto 12 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março 1970. Na varanda, momento de discurso perante a expectativa dos manifestantes.

Foto 13 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Na varanda, momento de discurso. O militar Fotocine não dava descanso à máquina (está posicionado entre a primeira e a segunda porta).

Foto 14 – Guiné> Bissau> Palácio do Governador> Março de 1970. Na varanda, fim do discurso, que agrada ao Povo que se manifesta. O Ministro Dr. Silva Cunha correspondeu elevando o chapéu.

Foto 15 – Guiné> Bissau> Átrio da entrada do Palácio do Governador> Março de 1970. As altas individualidades desceram ao Pátio a fim de cumprimentarem os Homens Grandes dominantes da Sociedade Tradicional; “há mesmo manga di ronco.”

Terminada a manifestação, “outro péssoal bai nha gosse gosse,” para a baixa da cidade velha, palco de “Manga di ronco,” pensando eu o que iria nas cabeças daquele povo indígena, sendo sabido que estávamos em guerra com a outra parte oculta.


Parte 2

Irei comentar resumidamente do que tive conhecimento em Bissau (entre Março e Abril de 1970) e outros dados que ao tempo foram decorrendo e contados em primeira mão. Entre os militares havia a suspeição de que algo estava para acontecer, interrogavam-se sobre determinados rumores e só havia palpites.

Era sabido que o General António de Spínola, já tinha convocado vários Comandantes das Unidades do CTIG para uma reunião em Bissau. O boato correra célere, pairava uma ansiedade para se saber da verdade, mas nada transparecia.

Assim, em dia e hora aprazada, deu-se a reunião com os Comandantes de todas as Unidades Militares do CTIG. Em surdina foram passando comentários de boca em boca, a pedir segredo, mas isso existe quando somente uma pessoa sabe de algo.

O COMCHEF General António de Spínola agradeceu a presença de todos e depois de uma breve dissertação de que já havia contactos entre Oficiais Portugueses e de grupos rebeldes, em que estes pretendiam entregar-se desde que não tivessem problemas e fossem integrados na sociedade guineense.

Mais comunicou que a guerra poderia estar prestes a acabar, mandando parar de imediato todas as acções ofensivas, operando-se somente situações meramente de caris defensivos, isto é, nunca disparavam primeiro e só o faziam se fossem atacados.

Foram dadas instruções a todas as Unidades Militares para se prever a possibilidade de grupos da guerrilha se poderem entregar.

No campo operacional estas instruções deram suspeição, perante os Alferes e os Furriéis, em que os seus comandantes, por força das circunstâncias, tiveram que se abrir e dar conta da situação deparada.

No entanto a 20 de Abril de 1970, gorou-se toda a tentativa de paz como consta devido ao assassinato dos três Majores: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, assim como do Alferes Mosca e outros acompanhantes, o trágico acontecimento em Jolmete, junto ao Rio Cacheu na Região de Teixeira Pinto (Canchungo)

Já li em qualquer lado e presenciei em imagens audiovisuais, dito pelos da facção dos intelectuais do lado do In, contrários ao acordo, “talvez por cobiça do poder”, pois tiveram o desplante de armarem uma cilada e matarem barbaramente militares desarmados em funções de paz. Ainda se deram ao descaramento de pavoneio em comentar a façanha, como heróis, da atitude e do propósito tomado. Provavelmente depois aperceberam-se do erro que cometeram e do bem que se perdeu, porque alguns quando em situações de aperto vieram acomodar-se na sombra de Portugal e em termos algarvios digo “pó diebo máquegêtos mã, tágafes, natescondas que játevite”

- E o Ministro Silva Cunha, como se veio a saber, apoiara esta tentativa de paz e até se dispôs a uma oferta monetária para eventuais despesas, mas depois de chegado a Lisboa roera a corda.

Enfim, quando houve uma boa oportunidade para uma Guiné melhor, logo o baralho se desmoronou e todos sofreram mais quatro anos. Provavelmente seria uma Guiné para melhor e sendo necessária a mudança “mas aquela exemplar descolonização.”

No acordo de Argel, pela situação politica/militar após o 25 de Abril, não foi tomado em conta aqueles que combateram a nosso lado e contudo Portugal prometeu apoiar a reintegração na vida civil desses militares.

Por parte do PAIGC, foi dito que como se acabou a guerra, para aqueles que estiveram ao lado do exército português não haviam vinganças. Pouco foi cumprido, porque depois da independência ocorreram por toda a Guiné situações inaceitáveis de julgamentos sumários, de prisões e de condenações à morte (foto 16), não se sabendo quantas mortes aconteceram e consta que provavelmente foram milhares.

Quem esteve na guerra, sabe que por vezes existem excessos e actos condenáveis por verem os seus morrerem, e de ambos os lados, mas em tempo de paz deverá haver tolerância.

Foto 16 – Guiné> Região de Quinara> Empada> 1969. Eu, com Homens Grandes das Tabancas e Milícias, estando à minha esquerda o Chefe da Milícia de Empada, Bakar Cassamá. Depois da Independência alguns foram assassinados de forma violenta e em grupo. Quanto a Bakar consta que foi desumanamente lançado ainda vivo para uma vala comum.

E assim, foram citados alguns acontecimentos do conhecimento geral e desta feita agora ilustrados com a achega de um lote de fotografias.

Com cordiais cumprimentos deste camarada e amigo.
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto
CCaç 2381 ”Os Maiorais"
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6441: (Ex)citações (59): Comentários e respostas (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6373: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (12): Algumas aventuras em Bissau

Guiné 63/74 - P6537: Notas de leitura (117): Álvaro Cunhal Sete Fôlegos do Combatente, de Carlos Brito e, Ombro Arma!, de José Manuel Mendes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2010:

Luís e Carlos,
Fiquei aparvalhado quando fui ao blogue.
Enviara a minha lembrança, o arranque do livro que tenho entre mãos, não me passava pela cabeça encontrar a mensagem da Glória, ela estava mesmo esplendorosa naquela fotografia.

Muito obrigado aos dois e a todos aqueles que, de modo tão tocante, me saudaram, dando-me ânimo para prosseguir nesta nossa sala de conversa. Como é meu hábito pedinchar, recordo, sem malícia, que a melhor prenda que me podem dar passa pelas informações de livros de inventário obrigatório.

O blogue presta inúmeros serviços, já se sabe.
Um deles, toleima minha, será o de facilitar aos historiadores a bibliografia constante da nossa guerra. É essa a ajuda que peço a todos.
Vamos continuar.

Um abraço do
Mário



A posição dos comunistas sobre a guerra colonial:

Uma obra paradigmática de José Manuel Mendes


por Beja Santos

Num livro recente de memórias sobre Álvaro Cunhal, o antigo dirigente do PCP Carlos Brito explica claramente qual o comportamento dos comunistas face à guerra colonial, as deserções e a subversão nos quartéis (Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente, por Carlos Brito, Edições Nelson de Matos, 2010, a partir da página 32). Brito, como é do conhecimento de todos, foi resistente, conheceu a clandestinidade e as prisões e no dia 25 de Abril de 1974 era responsável pela organização do PCP em Lisboa; em 1975, foi eleito deputado e esteve em S. Bento até 1991, tendo desempenhado durante 15 anos as funções de presidente do grupo parlamentar do PCP. Viria, no dobrar do século, a entrar em dissidência com os órgãos de cúpula do PCP, que neste livro designa por conservadores.

Referindo-se concretamente à reunião do Comité Central de Julho de 1967, fala de importantes resoluções que tinham a ver com a filiação do PCP de portugueses residentes no estrangeiro, a obrigação de todo o militante não tomar a decisão de emigrar sem antes consultar o partido, e a intensificação do trabalho revolucionário nas Forças Armadas não havendo lugar a deserções por parte dos comunistas.

Assim, nessa reunião clandestina, definia-se como orientação geral: “Os militares comunistas devem trabalhar para estimularem e organizarem as deserções. Mas eles próprios não devem desertar senão quando tenham de acompanhar uma deserção colectiva ou corram iminente risco de serem presos em resultado da sua acção revolucionária”. E mais adiante: “Os militares comunistas devem continuar corajosamente o seu trabalho revolucionário das Forças Armadas, tanto em Portugal como nas colónias, esclarecendo os seus companheiros, organizando os militares mais decididos e combativos, estimulando e organizando deserções e outras formas de acção e protesto contra a guerra colonial, desde resistência passiva à sabotagem”.

Segundo Brito, a aprovação desta resolução foi tudo menos pacífica, havia o entendimento que a deserção era o melhor caminho para se mostrar o ideal comunista. Observa Brito que “Após o 25 de Abril esta resolução foi reconhecida como um importante contributo para a formação de uma consciência revolucionária dentro das forças armadas portuguesas. A partir dela, especialmente, e graças ao trabalho desenvolvido pelas organizações partidárias, um grande número de oficiais milicianos revolucionários (comunistas e outros) permaneceram nas fileiras e desenvolveram um intenso trabalho de esclarecimento junto dos oficiais do quadro permanente, orientando num sentido anti-fascista os sentimentos de revolta provocados por uma guerra injusta e sem saída”.


“Ombro, Arma!”, de José Manuel Mendes (Bertrand, 1978) fala da instrução em Mafra e da luta dos comunistas, já muito perto do 25 de Abril. Mendes passou alguns meses em Mafra até ser dado como inapto para todo o serviço. É um conhecido crítico literário e poeta, as narrativas de “Ombro, Arma!” tiveram o seu eco à data da publicação. Percebe-se porquê: um bom controlo da escrita, um uso bem doseado do jargão da caserna, uma atitude panfletária sacudida da luta dos comunistas na principal escola para a formação de oficiais milicianos. Vejamos: “Mandando nova bruta palada”, “ – Companhia! Firme! Sé... up!”. “Que o Viegas aceitasse o jugo (que não é jugo para ele) compreendia-se. Fascista convicto, fura-greves, delator, a tropa era a sua vaza, a possibilidade única, a curto prazo, de realizar os seus sonhos prepotentes. Comandar homens, sem a menor concessão, compensava-o da mediocridade de estudante”, são expressões que enfatizam o ambiente, que referenciam, em água-forte, o colaborador do regime, neste caso o Viegas.

Depois, temos o desenho seguro do local e dos requisitos da instrução. Como se pode ler: “Manhã gelada, de vento golpeando os poros. A malta faz movimentos com o corpo para aquecer. Esfregar as mãos é produzir um pequeno sol pessoal. Vem o aspirante, manda formar. É o terceiro dia de instrução. Mafra, o abjecto exílio. O cabo Jerónimo ajuda a perfilar pela direita. Estende o braço, alonga a mirada. Rogério, na ponte da segunda fila, lado esquerdo, forma, inconvicto, desatento. Ainda não conseguiu farda que lhe assentasse. Nem botas que não lhe ferissem os pés. Camisa clara, gravata vermelha, fato preto, é uma presença insólita naquela floresta de verde desmaiado.

– Descan-‘ar.”

Rogério anda ali como carta fora do baralho. Depois passou a ser mais um feijão verde. Aqui o instruendo escreve uma tirada panfletária: “Vestir a farda era, naquele momento, entrar no sujo mundo da guerra. Que éramos nós? A carne com que o colonialismo jogava os seus milhões de dólares. Era preciso resistir”. Rogério é asmático. Aparece como maltratado pelos médicos na tropa. Depois vai à consulta externa. Nos primeiros dias de Mafra não sente sintomas. E vai aderindo, contrafeito, à instrução: “Amanhã, a instrução nocturna. De acordo com o cabo Jerónimo, bem dura por sinal. Quilómetros a pé, sobre taludes e ravinas, pequenos caminhos, córregos barrentos, sem outra luz que é duma pilha, a bússola norteando os andarilhos. Os tipos criam, nestas alturas, uns prémios para as primeiras equipas a concluir o percurso, correctamente, com todos os controlos assinalados pelo gatafunho de um furriel. É o espírito de rivalidade que, não bastando para dividir, já tem provocado tensões”. Naquele Janeiro a parada de Mafra apareceu cheia de papéis com palavras clandestinas e, claro está “O Viegas, lívido de indignação, palestrava com dois comparsas. Ascoroso como um rato ao sair de um fosso”. As tiradas panfletárias sobem de tom, os discursos do oficialato são apresentados como histriónicos, a resistência dos instruendos torna-se mais densa. Rogério faz exames no hospital, encontra-se com outros camaradas, a resistência anda no ar. Por vezes, percebe-se que o panfleto é excessivo, rebuscado, que o autor se sobrepõe a todas as medidas do plausível para pôr a denúncia em movimento, como se houvesse uma monstruosidade generalizada, na instrução, na definição de inimigo, nas marchas finais. A cerimónia do juramento de bandeira aparece transformada como o grande momento da resistência. E depois Mafra chegou ao fim. O próprio edifício se transforma no grande teatro do sofrimento e da ignomínia da guerra colonial: “Mafra chegou ao fim, o escuro exílio. Mafra e o frio de Janeiro tiritando no corpo, a humidade viscosa nas paredes, os corredores soturnos onde moram presságios e maldições. Tudo ali é fugaz, mas a pedra secular, a alta abóbada dos tectos, o negrume dos claustros repassam os dias dum torpor longevo”. Acabara-se o pesadelo de Rogério que vai lutar noutros terrenos, ao lado de outros progressistas.

A narrativa de José Manuel Mendes, escusado é sublinhar, aparece hoje datada, um panfleto óbvio, um grito fora do tempo, uma catarse com pouco sentido, seja para quem combateu, seja para as novas gerações. Mas foi assim que os comunistas quiseram fazer passar a sua mensagem, a sua subversão.

Para que conste.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6526: Notas de leitura (116): Guiné-Bissau Três Vezes Vinte Cinco, de TCor Luís Ataíde Banazol (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6536: Em busca de... (136): O nome desta ave e identificação desta estrada (Armando Pires)

1. Mensagem de Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 31 de Maio de 2010:

Camarada Vinhal
Se fosse possível, muito agradecia que colocasses estas duas fotos no circuito na expectativa que alguém me possa dizer o nome da ave e que estrada é aquela asfaltada que parece terminar numa localidade com vários rios à sua volta.
Ambas as fotos são de 1969.

A razão do pedido de ajuda é que estou a organizar o meu arquivo em digital e gostaria que elas lá fizessem sentido.

Um muito obrigado a ti e a todos.
Armando Pires


2. Sobre o BCAÇ 2861 retirei do 7.º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Fichas das Unidades Tomo II - Guiné:

O Batalhão, além da CCS, tinha como unidades operacionais as CCAÇ 2464, 2465 e 2466.

A CCAÇ 2464 esteve em Biambe e Nhala.

A CCAÇ 2465 esteve em Có e Bissum

A CCAÇ 2466 esteve em Bula e Encheia

Seguem-se as fotos para identificação da ave e da estrada.
CV


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)

Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)

Guiné 63/74 - P6535: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (18): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (5): Maria Ivone Reis (Rosa Serra)

Tancos, 2005 > Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis


As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - V

Enfermeira Ivone Reis*


Têm-me perguntado várias vezes pela Enfermeira Ivone. Sei também que já há um certo número de pessoas que sabem que ela não tem estado bem de saúde, por isso aqui estou eu para falar um pouco da primeira enfermeira pára-quedista que eu conheci.

Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram períodos da sua vida por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.

A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em 1961.

Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na candidatura ao curso, onde eu estava incluída.

Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência. Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela mesmo.

Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.

Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos admiradas como grupo.

No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com ela a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.

Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a t-shirt em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.

Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não interessava a ninguém; e quanto ao desalinho do casaco pendurado no ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:

- A menina gosta muito de brincar.

Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.

Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num apartamento de um edifício da Força Aérea destinado a alojar militares e suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.

A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.

Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2 (saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça. Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:

- A Rosa esqueceu-se que está fardada? - Eu respondi, não - e acrescentei:

- Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina - e ia mostrando o dedo e dizendo: - É lindo, até devia estar orgulhosa de uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.

Ela respondeu-me:

- Nem por isso - e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.

Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela, depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:

- A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.

Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que por trás daquele ar rigoroso dela estava uma mulher mais tolerante do que parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a rodeavam o fizessem.

Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos, tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.

(Rosa Serra)

Tancos 2005 > I Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A Enfermeira Ivone corta o bolo comemorativo

Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > Da esquerda para a direita: Giselda, Rosa Serra (de branco), Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), atrás (?), depois Júlia Lemos (camisola florida), Amália Reimão (de branco), Céu Matos Chaves (de amarelo) e Zulmira André. Em baixo, Aida Rodrigues.

Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco). Em baixo estão a Giselda e uma camarada mais nova.

Base Aérea de S. Jacinto, 2007 >III Encontro de Mulheres Boinas Verdes> Giselda, Rosa Serra e Zulmira André
Fotos e legendas enviadas por Miguel Pessoa

__________

Notas de CV:

(*) Este trabalho de autoria da nossa camarada Rosa Serra, sobre a Enf.ª Pára-quedista Ivone Reis, foi publicado no P5971 de 11 de Março de 2010. Achamos contudo que o devíamos incluir nesta série "As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares" para que ficasse devidamente integrado, conforme a ideia inicial de se falar destas valorosas e corajosas MULHERES.

Vd. poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5971: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (12): Ivone Reis, a primeira Enfermeira Pára-quedista que conheci (Rosa Serra)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6523: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (17): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (4): Lurdinhas (Rosa Serra)

Resta-nos agradecer à Enf.ª Pára-quedista Rosa Serra o seu empenho na recolha e envio das fotos, assim como os textos que caracterizou e nos deu a conhecer um pouco mais, estes nossos Anjos da Guarda.

Ficamos à espera de novas histórias de qualquer das nossas queridas amigas enfermeiras pára-quedistas, lembrando que temos a partir de agora dois elos de contacto, a veterana Giselda e agora a Rosa.

Guiné 63/74 - P6534: Colecção de diapositivos de Benjamim Durães (1): Bambadinca, ao tempo do BART 2917 (1970/72)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > As instalações de sargentos (à esquerda) e oficiais (à direita), e as duas meses (ao fundo)... Dia de chuva intensa...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o O Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, a morança do comerciante português Rendeiro, casado com uma mulher mandinga.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Fur Mil Op Esp, Pel Rec Info, junto a uma das acácias em flor...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 >  O Umaru Baldé, soldado arvorado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos...  Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta (em Contuboel)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se que era filho de régulo...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a igreja e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/71)



O Benjamim Durães foi Furriel Miliciano de Reconhecimento e Informação da CCS. Era também de Op Esp. Em 18 de Agosto de 1970 baixou ao HM 241 em Bissau, devido a ferimentos graves ocorridos   no decurso de uma coluna auto, na estrada Bambadinca-Xime.

Teve a gentileza de me oferecer uma selecção de fotos obtidas a partir da digitalização dos seus diapositivos. (Infelizmente, sem legendas). Tem sido o corpo e a alma da organização dos cinco primeiros convívios do pessoal da CSS / BART 2917 e subunidades adidas, o último dos quais em Coruche, em Março passado. (LG)

Foto: © Benjamim Durães (2010). Direitos reservados

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6533: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (23): You made my day. Encontrei o Xico (Nelson Herbert)

1. Em mensagem do dia 6 de Maio de 2010, o nosso amigo e membro da nossa Tabanca Grande, Nelson Herbert*, jornalista guineense a trabalhar e a viver na América, apresentava o seguinte pedido que deu origem ao Poste 6345** de 8 de Maio:

Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.

Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos!

Bissau > Vista dos Serviços Metereológicos

Desconheço se terão estado numa outra "Frente" [de guerra], conheci-os pois em Bissau e ambos habitavam um quarto alugado numa residência mesmo em frente da Messe dos Sargentos.

De tal forma afectos aos vizinhos e à minha familia em particular, ainda me recordo de, nos anos 70 (72/73), a familia toda, na altura de férias em Lisboa, ter sido presenteada com uma visita dos irmãos gémeos (na altura já com a comissão militar concluída na Guiné), acompanhados pela respectiva mãe...que no fundo quis conhecer a família africana que tanto afecto tinha dedicado aos filhos na Guiné. Um gesto simpático de gente nobre!

Foi pois a última vez que os vi... tinha eu uns 10/11 anos! E, como devem calcular volvidos todos esses anos, nunca é demais reaver o requinte de amizades do género... Para que no mínimo se fique a saber ... que nem tudo o tempo levou !

Mas a propósito deste par de gémeos e relativamente ao que vou apelidar aqui de "critérios de chamada à tropa", uma dúvida andou por todos estes anos "apipocando-me" a mente. Tal qual a experiência do Private Ryan [, referência ao filme Saving Private Ryan, de Spielberg, 1998] como é que funcionavam as coisas, quando tal "dever" se via confrontado com casos de irmãos, (neste caso, por sinal gémeos), em idade de incorporação militar ? "Apanhavam" todos pela mesma bitola, como foi o caso ?

A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !

Meu vizinho nos anos 70, nos tempos livres sempre arranjava tempo para organizar e orientar o time da meninada do meu bairro. Terminada a comissão militar, ainda chegou a ser futebolista profissional em Portugal. Integrou, com Lemos (ex-futebolista do Futebol Clube do Porto, então em comissão militar na Guiné) a celebre selecção da Provincia da Guiné, na altura reforçada por militares da então "Metrópole" que se bateu, sem complexos com a então equipa principal do Futebol Clube de Porto, do peruano Teófilo Cubilas, Rudolfo e Rolando !

Estarão porventura estas três personalidades navegando pelo blogue ou porventura alguém que saiba do paradeiro dos mesmos ?

Mantenhas
Nelson Herbert
USA


2. No dia 29 de Maio de 2010, chegou até nós esta mensagem:

Estimado camarada,
No passado dia 8 estive, pela primeira vez, num almoço no Cartaxo, com camaradas da Guiné.
Lá encontrei o Hélder Sousa que me deu a conhecer o vosso blog. Ao chegar a casa, dei uma vista de olhos e qual não foi o meu espanto quando encontro um puto de 11 anos, hoje feito homem - Nelson Herbert nos Estados Unidos - à procura de dois gémeos - Xico e Mário - que eram amigos dos pais em 70-72... etc, etc...

Pois é, eu sou o Xico!!!!!!

Já fiz um comentário à notícia mas como não percebo nada de informática, receio que ele não tenha recebido nada.
Será possível facultar-me o endereço dele ou fazer-lhe chegar o meu para melhor contactarmos?! Aliás o da minha mulher.

Ficar-lhe-ei muito grato e aproveito para o cumprimentar por este trabalho, proporcionando a tantos camaradas reviver momentos agradáveis. Nem tudo foi mau naquela guerra, sobretudo as recordações de amizades julgadas perdidas ou esquecidas, vêm ao de cima com muita estima e carinho.

Com os meus cumprimentos
Francisco Soares


3. No dia 30, Luís Graça endereçou esta pequena (grande) mensagem a Nelson Herbert:

Nelson:
Aqui tens o Xico!...
Como vês, o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande!
Mata as saudades todas!


4. Final feliz

No dia 31 de Maio Nelson Herbert dirigia-se assim ao nosso Editor Luís Graça:
Meu Caro Luís
É mesmo... o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande!

Por estranho que pareça, celebra-se hoje por estas minhas bandas o Memorial Day... que nada mais é do que o dia de homenagem aos veteranos de todas as guerras em que os americanos estiveram envolvidos. E como sabes não foram poucas.

Coincidência ou não, estive hoje todo o dia fora, rodeado pela familia, num passeio pela aprazível capital americana, Washington DC, a acompanhar a comemoração desta data histórica para os americanos.

É pois um dia em que os veteranos das distintas guerras "americanas" se reunem para homenagear os amigos e companheiros tombados em combate, em cerimónias imbuídas de um simbolismo indescritivel.

E como deve imaginar, rituais que nos remetem a instantâneos flashback... da memória, a guerra na Guiné da minha infância!

E não é que chego a casa e sou surpreendido por essa agradável reaparição deste veterano da nossa outra guerra... a da Guiné... Um velho amigo da família, com quem entrarei em contacto de imediato...

You made my day!
Thanks!

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6468: Em bom português nos entendemos (8): Francofonia 'versus' lusofonia ? Não, o problema é outro: Haja mais Estado, mais Governo! (Nelson Herbert)

(**) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6518: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (23): Notícias do Eduardo Luís de Bernarda (José Marcelino Martins)

Guiné 63/74 - P6532: Estórias do Juvenal Amado (26): Laura, ou as estórias da nossa terra

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 30 de Maio de 2010, com mais uma das suas estórias, sempre do agrado da tertúlia:

Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande

Fui trabalhar para a Crisal (fábrica de vidros de Alcobça) com onze anos, acabado de sair da escola primária e como eu foram muitos ao longo da minha juventude.
Só lá estive uma ou duas horas.

O forno da Crisal foi dos sítios que conheci, onde o trabalho era da maior violência. Centenas de trabalhadores trabalhavam ao mesmo tempo com canas de aço, donde pendiam a ponta bolas de vidro incandescente e os meninos de 11 anos, levavam depois as peças já moldadas para as arcas de tempera (Chamava-se levar a cima).
O calor era insuportável e a grande concentração de trabalhadores, tornava o local perigoso com acidentes quase diários. Mais tarde a empresa foi modernizada e a temível secção do forno, foi dividida em turnos, construída em local mais arejado e foi assim reduzido em grande parte o perigo aos seus trabalhadores.

Durante esses anos, foi vê-los partir para a guerra e vê-los regressar os que regressaram.

Mais tarde com 14 anos, voltei para ingressar na pintura e por lá permaneci até 1980.

A estória que trago hoje é pois, uma memória de várias memórias. Os nomes são fictícios mas as situações não deixam de ser verdadeiras na sua essência.

Esta introdução vem um pouco na linha do excelente poste do Mário Pinto, sobre a falta de preparação que nós tivemos para enfrentar o IN.

Isto só para dizer que os furriéis e alferes não foram preparados convenientemente, o que se dirá dos soldados que embarcavam quase sem dar tiros. Marchávamos relativamente bem, mas não se enfrenta o IN com marchas. Foi a vida ruim das suas juventudes, onde muitos que lá trabalhavam comiam broa e usavam como conduto um pouco de pão alvo, ou uma mão cheia de azeitonas escaldadas, que permitiu suportar as dificuldades por que passaram.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


LAURA OU ESTÓRIAS DA NOSSA TERRA

Laura dormia com o semblante calmo. A carta esquecida enfim após ser lida várias vezes repousa aberta. De manhã voltará a lê-la, talvez à procura do que está escrito nas entrelinhas, ou talvez da realidade que lá não foi escrita.

Jorge partiu mas o seu cheiro ainda está pela casa toda.

Férias tinham passado rapidamente, aliás antes do fim, já elas se tinham esgotado nos longos silêncios dele.

São quase oito horas da manhã, corre para apanhar ainda aberto o portão da fábrica.

- Bom dia senhor Manuel - cumprimenta ela o porteiro, que abana a cabeça como quem diz:

- Mais um pouco e ficavas na rua. Vai… vai rapariga, que eu mudo-te a chapa de entrada.

Se tem deixado fechar a porta, teria que esperar por um dos patrões, para que ele lhe desse autorização para pegar ao serviço. Que chatice já não bastava o dinheiro que perdia, como ainda ter que ficar à espera para pedir para ir trabalhar. Já não seria a primeira vez.

- Já chegaste? Fez-te mal o casamento ou é a falta.

São os normais comentários jocosos das colegas. Laura sorri mas não responde habituada, que está à brejeirice normal das colegas mais velhas da secção.

Onde estará o Jorge neste momento? - Pouco ou nada se tinha falado da guerra mas notava, que ele nem sempre estava com ela, ainda que presente fisicamente. Qualquer coisa trazia bem no fundo do seus pensamentos.

Os suores, os sonhos agitados, as longas horas de olhar fixo no tecto falavam por si.

O tempo passa devagar. Ah, se ele estivesse à minha espera ao portão da fábrica. Tinha-se habituado a que ele a esperasse todos os dias. Ia ser difícil suportar a sua ausência.

Se lhe acontece alguma coisa? - Como vou viver sem ele?

Logo afastava esses pensamentos rezando entre dentes uma oração, prometendo ir a Fátima a pé, se nada lhe acontecesse. Nem por sombras queria pensar que também a Maria tinha feito a mesma promessa e de nada lhe tinha valido, pois o namorado lá tinha ficado. Como dizia o padre, ao contrário dos bens terrenos, só Deus era para todos.

E o Tó, genro do latoeiro, e o Valdemar, que perderam uma perna, um na Guiné, o outro em Angola. Ao menos voltaram vivos e trabalhavam já na lapidação do vidro, uma vez que o trabalho nos fornos estava fora causa, mercê das suas deficiências.

Também o Zé de Cós, lá tinha ficado na Guiné logo no princípio da guerra. Era um artista a gravar à roda. Gravava desenhos minúsculos em baixo relevo no vidro, com rodas pequeníssimas feitas de vários materiais. Tiraram-lhe o engenho de gravar arte e beleza, deram-lhe um de matar.

De tempos a tempos, falava-se que tinha voltado um soldado dado como morto. No coração daquela mulher, que o tinha dado à luz, acendia-se uma esperança e na casa para sempre de luto, voltava a entrar uma réstia de Sol.

Mas não, ele já tinha voltado dentro do caixão, o local onde repousa, seria para sempre lugar santo e de romaria para aquela mãe.

O engenho que criava beleza, foi depois ocupado por jovem soldado regressado de Moçambique, que tinha para lá ido em 66 e regressava agora com o rosto e espírito marcados por Sagal Mueda, em pleno território Maconde.

Mas nada disto vai acontecer - Espantava ela os maus pensamentos.

Ele virá mesmo com cicatrizes no corpo e na alma, mas virá.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5955: Estórias do Juvenal Amado (25): O Sertã e os companheiros da tenda de campanha

Guiné 63/74 - P6531: Tabanca Grande (224): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, Pelundo, Cadique, Jemberém, Ilha de Jete, 1972/74

1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2010, António Faneco*, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, apresenta-se à tertúlia, enviando as fotos da praxe e os elementos que referentes à sua comissão de serviço na Guiné.

Nome: António Faneco (Massamá)
Posto: 1.º Cabo Atirador Artilharia
Companhia/Batalhão: 1.ª Cart "Os Nómadas Pioneiros de Jemberém" do BART 6521/72

Local/Zona de acção:
Bolama (IAO) - 29.09.1972 a 26.10.1972;
Pelundo - 31.10.1972 a 07.01.1973;
Cadique - 21.01.1973 a 20.04.1973;
Jemberém - 20.04.1973 a 09.09.1973;
Pelundo - 11.09.1973 a 02.01.1974;
Ilha de Jete - 02.01.1974 a 30.03.1974;
Pelundo - 30.03.1974 a 26.08.1974

Tempo de comissão: 23.09.1972 a 27.08.1974

Local de residência: Montijo - Setúbal
Contactos: antoniofaneco@sapo.pt
MSN: fanecoantonio@hotmail.com


2. Comentário de CV:

Caro António Faneco
Algumas palavras só para te dar as boas-vindas e endereçar-te o abraço da tertúlia a que todos os periquitos têm ditreito.

Esperamos de ti o mesmo que de todos os tertulianos, algum do teu tempo para contribuires para este espólio de memórias de ex-combatentes da Guiné.

Não nos move nenhum saudosismo colonial, até porque sentimos no corpo os seus efeitos, nem queremos marcar qualquer posição de índole política. Portugal colonial faz parte do passado e à Guiné-Bissau só nos une o facto de termos passado lá dois anos da nossa juventude, enquanto militares, e a amizade que fizemos com aquela gente sofredora.

Caro camarada, tens a tertúlia à espera das tuas fotos e textos.
CV
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de 7 de Janeiro de 2010:

Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)
e
Guiné 63/74 - P5607: Memória dos lugares (66): Iemberém, sede do Parque Nacional do Cantanhez, outrora campo de batalha (Luís Graça / António Faneco)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6469: Tabanca Grande (223): Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969

Guiné 63/74 - P6530: O Nosso Livro de Visitas (89): O Alenquer, condutor, Pel Rec Fox 42 (Aldeia Formosa, Guileje, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, 1962/64)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > A Fox MG-36-24, que pertenceu aos Pipas, foi sendo sucessivamente rebaptizada: Bêbeda, Diabos do Texas... Segundo Nuno Rubim, "a matrícula da Fox é a mesma que consta numa fotografia tirada por elementos do PAIGC em Maio de 1973, quando ocuparam o quartel! Portanto a Bêbeda ( que vai ficar para a história, representada com essa mesma inscrição no diorama de Guileje ....) terá servido desde 1965 até 1973, integrada nos sucessivos Pel Rec Fox que por lá passaram"... A foto de cima foi gentilmente cedida pelo Teco (Alberto Pires), da CCAÇ 726. (*)


Foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.


1. Comentário, com data de 1 do corrente,  ao Poste P5797:

Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "Guiné 63/74 - P5797: Grupo dos Amigos da Capela de...":


É de certo modo gratificante visitar este blogue, onde se podem recordar nomes de locais por demais conhecidos embora já se tenham passado quarenta e muitos anos.

Fala-se aqui em vários lados da localidade de Guileje, onde nós chegámos pela primeira vez em finais de 1963, vindos de Aldeia Formosa, e aí montámos o primeiro aquartelamento, seguindo-se depois Ganturé, Sangonhá, Cacoca,  etc...

Pertencendo ao Pelotão de Reconhecimento Fox 42, por esses locais andámos apoiando as tropas que se iam instalando ao longo desse percurso a caminho de Gadamael onde se encontrava, isolada por terra, uma Companhia de Caçadores.

Talvez mais tarde eu volte e conte algo do que presenciei na Guiné entre 1962 e 1964.

Fui condutor de uma Autometralhadora daquele Pelotão, era conhecido por O Alenquer, por ser natural daquele concelho embora habite em Amadora desde 1965.

2. Comentário de L.G.: 

Camarada Alenquer, obrigado por apareceres.  Na volta, a gente cá de te espera. És mesmo velhinho... Há pouca malta desse tempo e ainda para mais dos Pel Rec Fox. E muito menos ainda  do teu  42... Por dever de memória e sobretudo de camaradagem, aparece. Ficas desde já convidado a ingressar no nosso blogue... Um Alfa Bravo. Luís

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de


9 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2090: Pelotões de Reconhecimento Fox em Guileje (Nuno Rubim)



Guiné 63/74 - P6529: Cusa di nos terra (16): A propósito do último livro do António Estácio, Nha Carlota... e as suas comidinhas (Luís Graça)

1. Vamos continuar a relembrar e a divulgar os sabores 'di nos terra' (*)... Todos ou quase todos os entrevistados do António Estácio (foto à esquerda), amigos, conhecidos, clientes ou visitas frequentes da casa de Nha Carlota (no Cumeré e depois em Nhacra), recordam a excelente cozinheira que ela foi e evocam alguns dos seus pratos famosos, um mix da cozinha portuguesa, cabo-verdiana e guineense:


“(…) Era habitual, no final dos bailes realizados nas instalações da UDIB, irem de carro de Bissau a Nhacra, até casa de Nha Carlota, para mata-bicho, onde não faltava a bem temperada linguiça, gazela assada, ovos estrelados, etc.” (p.30).

Ferreira Pinto, um antigo magistrado, frequentava com a esposa a casa de Nha Carlta, “exaltou os dotes culinários da anfitriã, pondo à cabeça a saborosa sopa de peixe, seguida das iscas com caril, com que se deliciavam sob a acolhedora sombra duma frondosa árvore” (p. 34).

O ex-Alf Mil Sérgio Sebastião Alves, da CCAÇ 564(**), e que comandou, de Novembro de 1963 a Maio de 1964, o pelotão destacado em Nhacra com a missão de defender um ponto estratégica, a ponte de Ensalmá que ligava a ilha de Bissau à plataforma continental), descreve Nha Carlota como “uma senhora extraordinária, que fazia uma maravilhosa sopa de peixe” (p. 39).

Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande, agora biografada pelo nosso amigo António Estácio (capa do livro, edição de autor, à direita):

“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).

O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela.

José Alberto Câmara Manoel, ex-colega do Liceu de Bissau, mandou ao autor um depoimento escrito sobre o tempo em que, sendo ele miúdo, ia aos domingos a Nhacra, com os pais e os irmãos, almoçar no restaurante de Nha Carlota:

 “Combinada com antecedência a ementa (cabritinho assado, chabéu ou cachupa), começávamos sempre por um balaio, o de ostras e/ou camarão, tudo divinal e cuidadosamente preparado” (p. 49).

Locutora da extinta Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, Maria Rosete Pereira da Silva, destaca, da lista de pratos, “o saboroso pitche-patche de ostra, o frango, quer de churrasco, quer à cafreal, assim como os saborosos camarões que ela preparava muito bem” (p. 50).

Outra admiradora da culinária de Nha Carlota, fala da “saborosa galinha à cafreal, com molho de manteiga, cebolada e piripiri”, bem como da “deliciosa caldeirada de cabrito” (p.54).

O caldo de peixe e o pitche-pacthe de ostras voltam a ser recordados mais dois entrevistados, na p. 55. Parecem ser unânimes as opiniões: Nha Carlota “tanto cozinhava uma deliciosa cachupa, um excelente chabéu ou qualquer prato de comida europeia” (p. 57)… E até o café parecia ser diferente:

(…) “Mandava-o vir, em grão, de Cabo Verde, depois trorrava-o e moía-o com particular mestria. Que maravilha de café” (p. 57).

A sobremesa era, em geral, fruta, da sua propriedade:

“Nós comíamos na varanda e os nossos pais almoçavam no alpendre, existente na traseira da residência. A sobremesa era à base de fruta apanhada nas redondezas e era ela mesma a que nos incentivava a ir buscá-la. Ai, era tão animado!” (p. 48).

Ao livrinho do António Estácio (116 pp), fomos ainda 'roubar' esta receita, A  sopa de marisco à Nha Carlota (p. 57)... Para terminar em beleza esta nota de leitura, isto é, para terminar...a salivar:

Ingridientes: Camarão, Arroz, Farinheira ou chouriço, Azeite, Polpa de tomate, Cebola, Limão, Piripiri

Coze-se o camarão, o qual, em seguida, se descasca e são-lhe retiradas as cabeças. Guarda-se essa água e passam-se as cabeças e as cascas retiradas, no ‘passe-vite’. Mói-se bem e com a água a correr, para que a água remova a pasta proveniente das cabeças. Junta-se esta água à da cozedura do camarão e, em função do número das pessoas, acrescenta-se água normal.

Aparte faz-se um refogado com azeite, cebola bem picada e junta-se polpa de tomate. Quando a água da sopa começar a ferver, junta-se ao refogado o chouriço e deita-se arroz, em quantidade para que a sopa não fique aguada. Por fim junta-se piripiri (moído ou não) e o camarão descascado. É servido com limão e, se necessário, adiciona-se piri-piri.
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)

(**) Na verdade trata-se da CART 564 e não CCAÇ como é referido

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6528: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (37): Um básico super operacional (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 36ª mensagem, em 25 de Março de 2010:

Camaradas,

Hoje vou-vos dar conhecimento sobre quem foi Manuel Raposo Marques - Soldado Básico -, Nº Mecº 18757368, da CART 2519.
Um Homem que apesar de ter sido classificado como “básico”, foi uma das nossas maiores e melhores referências em combate, tornando-se num exemplo de abnegação e de heroísmo, dignificando sobremodo o soldado Português.

UM BÁSICO SUPER OPERACIONAL
Para quem não sabe ou não se lembra já, básicos eram todos os soldados que não conseguiam qualificação ou aptidão, para serem enquadrados em qualquer outra das muitas especialidades existentes no Exército.
Eram assim, a modos que uma espécie de proscritos, de mão-de-obra não especializada, que a tropa não dispensava e empregava no cumprimento de todo o tipo de tarefas indiferenciadas (tarefeiros, faxinas, auxiliares de pequenos serviços, etc.), normalmente apenas dentro das áreas delimitadas dos aquartelamentos.

Eles, tal como todos os outros especializados, iam, igualmente, “malhar” com os “ossinhos”em África.
Nessa altura o que estava em causa era a quantidade de homens a enviar para a guerra e não a desejada e necessária qualidade, porque, no fundo, éramos massa destinada a “carne para canhão”.

Básico era então o carimbo, com que eram marcados os incapazes e inábeis, e esta designação fez escola, tendo-se o termo generalizado a todos os sectores da sociedade portuguesa.

O “nabo” foi substituído pelo “básico”!

O Manuel Raposo Marques, conhecido na CART 2519 pelo Básico, tal como qualquer outro homem, tinha uma deficiência psíquica (vulgo “pancada”), daí ele ter reprovado, intencionalmente, na especialidade de cozinheiro.
Foto da cozinha do quartel em Mampatá

Dizia ele que não tinha nascido para andar de avental, de tamancos e de gorro na cabeça, e o que ele queria ser mesmo era atirador.

“Que grande maluco!” – pensei eu.

Acabou por ser reclassificado em básico, após ter sido considerado pronto na instrução e apto para desempenhar qualquer função de segundo plano, compatibilizou-se as suas capacidades humanas com as necessidades da Companhia.

Assim, o Manuel Raposo Marques, chegado à CART 2519, pediu ao Alf Mil Claudino - comandante do 4º Grupo de Combate -, para o integrar na sua equipa. O alferes falou ao capitão e este consentiu, numa fase experimental, que assim fosse. Mais tarde, em função do seu excelente comportamento activo e combativo no grupo, decidiu elevar este básico, por mérito próprio, à categoria de atirador.

Nos primeiros tempos, os seus Camaradas olhavam-no com desconfiança, porque receavam que o 4º Grupo de Combate viesse a ser apelidado, na generalidade, de básico, mas tal não aconteceu e o Marques veio a revelar-se como um dos melhores soldados da Companhia, com predicados de combatente acima da média e tiques de herói, tendo incrivelmente para quem não o conhece, sido agraciado com o prémio "Governador da Guiné".

Pois é, o nosso básico, ao ser confrontado com a “roleta da morte”, foi suficientemente corajoso e audaz para, após ter abatido dois guerrilheiros IN, conseguindo salvar a vida do seu comandante de secção, que se encontrava em situação difícil e ferido numa perna, numa acção em que o seu grupo de combate interceptou um grupo do PAIGC.
O Básico passou a ser uma referência da CART 2519 e respeitado por todos os seus Camaradas e Superiores Hierárquicos.

Nota: Estes dados foram retirados da História da Unidade e do livro “Há Sangue na Picada”, de Jacinto Manuel Barrelas - Cap da CART 2519.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

28 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 – P6059: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (36): Reunião magna no Palácio do Governador (Mário G R Pinto)