terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7631: Notas de leitura (189): A minha coluna emboscada e o livro A Última Missão, do Cor Moura Calheiros (Manuel Marinho)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 16 de Janeiro de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Envio-te este texto, se entenderes publica.
Manuel Marinho




A minha coluna emboscada, e o livro “A Última Missão”

Quero saudar o Cor Moura Calheiros pelo seu livro A Última Missão** que é um testemunho de grande qualidade para os ex-combatentes na Guiné, onde nos é dado a conhecer a grande actividade operacional do BCP12, a par de grandes operações realizadas em 71/73 em conjunto com Companhias de tropa regular.

Pela escrita avalizada do Cmdt Operacional dos Pára-quedistas, todos os militares são tratados sem falsos heroísmos, mas com elevado valor pelas dificuldades passadas.

Por exemplo:

- As dificuldades das Unidades que ocuparam o Cantanhêz, e construíram quartéis de raiz.
- As operações para libertar Guidaje, e a defesa heróica de Gadamael, e por aí fora.

Mas o que me leva a escrever este pequeno texto, são algumas questões novas contidas no livro, referentes a Guidaje nas quais eu participei.

Já não chegava o facto de termos ido numa coluna mal organizada operacionalmente, de nos terem mandado avançar de noite, de não terem avaliado bem o IN acabo por saber pelo Cor Moura Calheiros que até os socorros nos foram negados.

Nos fatídicos dias 8 e 9 de Maio de 1973 na coluna para reabastecer Guidaje, mal tivemos o primeiro contacto com o IN, (noite de 8) os pedidos de ajuda foram efectuados em tempo oportuno já adivinhando o que nos esperava, por não podermos retirar do local onde estávamos.
A viatura da frente da coluna (Berliet) estava imobilizada por efeito de mina.

Sei hoje graças ao Cor Moura Calheiros, no seu livro “A Última Missão” que a CCP 121 esteve em estado de prontidão para nos ir socorrer, logo na madrugada de 9 de Maio, desde as 5,00 horas até à nossa difícil retirada, para Binta.

A Missão dos Pára-quedistas era a de socorrer a coluna e recuperar as viaturas, sobretudo as que transportavam munições.
Os altos Comandos Militares na altura, esperaram para ver o que acontecia, e deixaram a situação chegar ao extremo.
Como o desenlace foi aquele, restou mandar bombardear as viaturas.

É provável que houvesse razões para crer que na manhã de 9 de Maio de 73 conseguiríamos repelir o IN, afinal era mais uma pequena emboscada. Mas não. Eram mais de 100 elementos IN na zona, e nós cerca de 50. Mesmo assim, com um IN muito superior em número, as suas baixas foram 3 vezes superior às nossas.
Infelizmente foi o começo na grande ofensiva terrestre do PAIGC no cerco a Guidaje, porque os ataques ao aquartelamento já estavam bem adiantados com fortes flagelações.

Lembro que fomos salvos por uma pequena força de cerca de 14 elementos da minha 1ª Ccaç/BCAÇ 4512 de Binta, que com enormes dificuldades conseguiu chegar até nós pelo menos com 2 viaturas e conseguimos com a sua ajuda retirar os nossos feridos.

Essa pequena força comandada por um Furriel foi resgatar com muito custo o meu amigo e Cmdt da coluna Alferes O.E., que se encontrava com a perna fracturada, e o trouxe às suas costas até à viatura.
Se (e este se é mesmo isso) a CCP 121 tivesse ido até Binta, chegaria a tempo de aliviar a pressão sobre nós, talvez salvar as cargas das viaturas, e na impossibilidade de minimizar as baixas que sofremos (4 mortos), teríamos conseguido de certeza trazer os corpos dos nossos camaradas que lá ficaram mais 2 meses, e isso já seria muito.

Mas isto são apenas ses.

Agora permitam a minha ousadia de questionar as considerações feitas no depoimento na parte final do livro pelo Sr Manuel dos Santos, ao tempo Cmdt das forças do PAIGC na frente Norte em 73 e na defesa da base de Cumbamory.
Passados todos estes anos é feita uma completa desvalorização por parte do PAIGC do ataque à base de Cumbamory pelo testemunho de um seu Comdt na época em questão.

Sobre a Operação “Ametista Real”:

Entre outras retiro estas afirmações:

- As bombas lançadas pela nossa aviação caíram em volta, na bolanha e não nas nossas posições.

- O único material destruído foram cerca de 20 foguetões 122mm.

- Na base não tivemos um único morto.

Estas são algumas das opiniões do Sr Manuel Santos. Perante este depoimento que dizer?

Os testemunhos de quem lá combateu do BCA na operação à base de Cumbamory dizem-nos que houve praticamente luta corpo a corpo. Como é possível numa operação daquelas os resultados serem estes?

Opiniões…

Apetece-me ironizar mas tenho muito respeito pelo autor do livro para o fazer.
Ao menos nos nossos testemunhos da guerra, não escamoteamos as nossas perdas, dignificamos sempre os nossos mortos caídos em combate, que é a forma mais honrosa de lhes perpetuarmos a memória.

Somos muito críticos, por vezes demasiado duros, a ajuizar o nosso comportamento na Guerra na Guiné, até surgem discussões entre nós, apenas com o intuito de sermos rigorosos na forma de contar o como foi e de que maneira aconteceu. Por isso somos, a consciência moral da Guerra Colonial da Guiné, e por muito que isso custe a quem quer que seja, ninguém apagará os nossos testemunhos, contados neste grande Blog, rico em amizade, camaradagem e solidariedade, único no género.

Por último aceitem a sugestão deste simples leitor e vosso camarada, leiam o livro.

Ao Cor Moura Calheiros, o meu obrigado mais uma vez por estas memórias, que ajudam a compreender o que foi aquele período na Guiné.

Um abraço para todos vós.
Manuel Marinho
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7318: In Memoriam (61): Fanta Baldé, de Farim (Manuel Marinho)

(**) Vd. poste de 5 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7385: A última missão, de José Moura Calheiros, antigo comandante pára-quedista: apresentação do livro (4): "A História, tal como a ficção, não pode ficar em suspenso sem um epílogo que a justifique e lhe dê um sentido" (António-Pedro de Vasconcelos)

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7614: Notas de leitura (188): Lugares de Passagem, de José Brás (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Manuel Reis disse...

Camarigo Manuel Marinho:

Gostei imenso do teu texto que vem acrescentar algo à narrativa do Moura Calheiros sobre a emboscada desse fatídico dia 8/9 de Maio.

Já li o livro de Moura Calheiros e aconselho a sua leitura,tal como tu. Ele descreve-nos a actuação dos BCP nas mais diversificadas vertentes: operacionais, humanas e até sociais. As situações que envolvem a tropa de quadricula são abordadas lateralmente, o que se entende,face à dimensão da obra e à dificuldade que o autor teria se pretendesse enveredar por esse tipo de investigação.

Há aqui e ali pequenas incorrecções, mas que não desvirtuam a realidade do ocorrido.
Pude constatá-las no relato da batalha da Gadamael, que lhe transmiti e que muito agradecido e educadamente me informou que numa segunda edição as rectificaria. Mas o essencial estava lá.

As informações oriundas do PAIGC nem sempre nos parecem muito fiáveis, mas neste caso as informações que o Manecas deu ao Cor. Moura Calheiros coincidem com as que o mesmo Manecas me deu em Dezembro de 1995.
Mas eu não vi, nem estive lá. As tuas questões não deixam de ser pertinentes.

Um forte abraço.

Manuel Reis

Anónimo disse...

Camarigo Manuel Marinho, texto curto e muito rico com o levantar de questões imortantes, a saber:

- das deficiências de quem comandava

- da importância de juntarmos num todo as diversas opiniões que se vão complementando para construir a verdade de acontecimentos

- do heroísmo e do espírito de sacrifício da grande maioria dos combatentes, independentemente do que na altura pensavam sobre a guerra colonial/da Guiné.

- da crítica à constante desvalorização com que somos brindados pelos testemunhos vivos do P.A.I.G.C..

- do enaltecer o nosso espaço Luís Graça e Camaradas da Guiné, verdadeiro repositório de memórias que evita, no mínimo, que os combatentes e a discussão da guerra caia no esquecimento.

Gostei do que li e vou comprar o livro do Moura Calheiros.

Um abraço,

Vasco A. R. da Gama

Luís Dias disse...

Camarigo Manuel Marinho

Gostei de ler o que tu escrevestes e aguçou-me ainda mais o apetite para adquirir o livro de Moura Calheiros, até porque já havia gostado de o ouvir na entrevista que deu ao jornalista Mário Crespo.

É uma pena que passados todos estes anos as vozes vivas do PAIGC continuem a diminuir as acções das nossas tropas, mesmo quando se sabe que muitas delas terão sido influentes no esforço de guerra empreendido pelos guerrilheiros, nomeadamente a operação "Ametista Real".
Um abraço
Luís Dias

Anónimo disse...

Mas do que estavam à espera?.Queri_
am que o PAIGC;MPLA;FRELIMO,em es_
cial,tecessem rasgados elogios às
nossas acções(intervenções)?.Vive_
mos uma guerra subversiva,não uma
guerra clássica,onde mesmo nesta:o
boato;descrédito;intriga;manipula_
ção,etc,eram factor psicológico.Nas
subversivas ainda mais,nas de indo_
le anti-colonialista,ainda pior.A
propaganda e a politização,reduzem
o colonizador a uma cruel e horro_
rosa Hidra,enquanto os libertadores
são Santos e Apóstolos.
Alberto Guerreiro.

Anónimo disse...

Olá, Marinho,

Ainda não li o livro A ULTIMA MISSÃO.

Sobre as declarações de Manuel dos Santos, o “Manecas”, ex dirigente do PAIGCV na zona norte, presente no Senegal em Maio de 73, revela que não consegue digerir a sova que levaram com a nossa contra ofensiva contra Cumbamory, efectuada pelas nossas tropas africanas, Bat Comandos Guineenses.
A batalha pela conquista ou abandono pelas NT de Guidage, sendo uma derrota ficou muito cara ao PAIGCV, as suas baixas superaram o triplo das nossas. No total sofremos 47 mortos salvo erro, na sua maioria africanos.

Uma boa postagem.

Um abraço
José Pechorro
Ex. 1º Cabo Op Cripto, 71/73
CCaç 19 – Guigage – Guiné

Carlos Pereira disse...

Manuel Marinho:
Efectivamente o livro " A ultima Missão" é uma boa história sobre o Ultramar.Quando o adquiri, depois de ler algumas passagens em diagonal, perdi o interesse e ´so agora voltei a lê-lo com mais calma, o que ainda estou a fazer.
Aparte de algumas incorreções acerca de factos e dados ocorridos e vividos por quem efectivamente esteve em Bigene e Guidaje em Maio de 1973, o que é lamentavel é a publicação de uma carta de um comandante do PAIGC em que distorce a realidade e não dignifica quem a escreveu e quem ele representava.É inqualificavel a sua publicação, pois ela atenta contra o bom nome dos gloriosos Comandos Africanos e Portugueses que com o seu sacrificio e honra efectuaram aquela operação.
Quem estava nesse dia em Guidaje (como eu e o Pechorro) é que pode
testemunhar o que ouvi-mos, o estado em que eles chegaram,o que contaram e as armar que capturarão.
Carlos Pereira
Ex-Fur. Mil IOI-Cop 3
1972/74

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Manuel Marinho

Só agora estou a ler o teu comentário/apreciação ao livro do Cor. Moura Calheiros onde tiveste a oportunidade de conhecer pormenores de situações que te dizem respeito.
E percebe-se a tua indignação, embora contida, pela forma como as coisas decorreram, da parte das decisões dos superiores das NT.
Por outro lado, também, enfatizas, e bem, a forma incorrecta como a esta distância no tempo elementos com responsabilidade no IN ainda vivem da propaganda e não dos factos. É pena, porque ganhavam todos: os povos, a História, os contendores.
Vê-se que se precisa de mais tempo...

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Camarigo Manuel Marinho,

Primeiro que tudo quero aqui deixar expresso que ainda hoje sinto uma revolta imensa pela forma como foram abandonados por portugal e deixados à sua sorte às mãos do PAIGC, os soldados africanos do exército português, que lutaram pela Pátria(?)nomeadamente os que pertenceram aos comandos e fuzileiros sobre quem recaíu mais a raiva do PAIGC, sabendo-se que a maioria foram fusilados.

Posto isto, gostaria de dizer o seguinte:
É raríssimo encontrar uma publicação sobre a guerra do ultramar, pelo menos as edições com maior expressão, que não tenha a seguinte frase:

"Os comandos salvam Guidage"

Será que salvaram? as flagelações ao quartel de Guidage não continuaram? assim como se manteve o cerco. A prova desse facto foi a enorme emboscada feita aos paraquedistas da CCP 121 com utilização de morteiros 82 e canhões sem recuo, e que não obstante as pesadas baixas conseguiram furar o cerco e chegar a Guidage(sofreram dois mortos no local e vários feridos 2 dos quais acabaram por falecer tambem).

Penso que a operação "ametista real" terá dado uma ajuda, mas quem salvou Guidage foram todos os militares que se bateram heroicamente quer dentro do perímetro do quartel quer fora deste nas várias colunas que nos dois sentidos tentaram furar o cerco e que, deste modo, foram provocando o desgaste do PAIGC até ao abandono do cerco.

Com isto não quero tirar o mérito aos militares africanos e aos seus 4 comandantes brancos que combateram em Kumbamori. Também fui combatente e sei o que é o medo e a adrenalina do combate.
O que me custa é a valorização dada a esta operação e secundarizando-se tudo o resto.

Um grande abraço

Vitor Mendes