terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7592: Blogpoesia (105): P'rá vala, p'ra vala (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 22 de Dezembro de 2010:

Meus caros camarigos editores
Estava eu a pensar "cá com os meus botões" em coisíssima nenhuma e de repente... surgiu isto que vos envio.

Já deve ter acontecido a muitos de nós, estas noites mal dormidas, povoadas do passado!
Fica à vossa disposição.

Um abraço forte e camarigo do
joaquim


P’rá vala, p’rá vala!

P’rá, vala, p’rá vala!

O grito fere-me os ouvidos,
arrefece-me o sangue,
faz-me tremer o coração,
mas impulsiona-me como uma mola,
e num salto deixo a cama.

Mergulho na escuridão,
ouço passos a correr,
mais do que gente a gritar
sinto o meu coração a bater.

Mergulho numa coisa estreita,
como se de uma cova de cemitério,
se tratasse,
e ouço de imediato uma voz,
porra que me pisaste!

Os rebentamentos sucessivos,
parecem explodir em cada coração,
e ouvem-se apreciações em voz alta:
esta foi perto,
ouviu-se aqui a rebentar,
e logo uma outra voz
onde o humor vence o medo:
não há problema,
os gajos não conseguem acertar!

O cheiro acre da pólvora
toma conta de tudo e todos,
e há vozes que se cruzam,
com os projecteis no ar:
calma pessoal, calma,
isto está quase a acabar!

A camisa encharcada em suor,
o pó agarrado à cara,
ou está muito calor,
ou o suor é do medo!

Ouço uma voz que me chama,
aos gritos,
por cima do barulho infernal:
meu Alferes, porra,
meu Alferes!

Volto-me para ver quem é,
e…
caio da minha cama!

Monte Real, 10 de Janeiro de 2011
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7524: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (26): Ano Velho, Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7585: Blogpoesia (104): É nossa e gosto de a saborear (Juvenal Amado)

4 comentários:

Juvenal Amado disse...

Camarigo Mexia

Felizmente que há muito tempo não tenho pesadelos desses.
Mas o teu poema reavivou-me maus momentos por nós passados, quando a sobre vivência era uma incógnita.
Se fizer um recolhimento ainda ouvirei as saídas e as explosões. Não ouço os tiros mas vejo os rasgos de luz qual cortinas tracejantes.
Depois só fica o desalento pelas percas.

Um abraço

Juvenal Amado

Anónimo disse...

Ainda...o medo!

Quem acalma "os meninos de tanta mãe"?

Quem lhes tira os pesadelos?

Quem lhes diz que a guerra já acabou?

e que sobre a terra só existe
o que da guerra restou?


Felismina Costa

manuelmaia disse...

Camarigo
Mexia Alves,

O teu sonho/pesadelo também o tive e perseguiu-me durante uns tempos já depois de cá ter chegado,e creio que se deveu ao facto de uma vez,num ataque ao arame,em Cafal,ter fugído de uma tenda que tínhamos montado (um ou dois dias antes)debaixo dum cajueiro,fartos que estávamos do famigerado buraco/constelação(muito mais que cinco estrelas...)e ao saltar para a vala( creio que devo ter batido o record mundial de salto em comprimento...) raspei com as costas numa raíz que mas rasgou.
Sentindo essa humidade viscosa do sangue, acreditei ter apanhado algum estilhaço,mas constatei depois ter sido motivado pela raíz.
felizmente,já há muito que parou.

Abraço e parabéns pelo poema.

manuelmaia

Anónimo disse...

Ói, camarigo

São retratos duros, a preto e branco como a realidade que nos cercava, pouco colorida, apesar do verde da mata e do vermelho da terra, a bandeira deste País, afinal (sem conclusões precipitadas).
Quando recomecei a escrever sobre coisas destas, no blogue, a família teve que me mandar parar porque espreito para dentro de mim e não gostou do que viu.
Um forte abraço
José Brás

PS
e já agora, cozido, ainda não sei se para um se para dois