sábado, 22 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7655: A minha CCAÇ 12 (11): Início do reordenamento de Nhabijões, em Novembro de 1969 (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Luta balanta, presenciada por militares destacados para protecção do reordenamento (à esquerda, o furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12, de calções, tronco nu e óculos escuros, o autor destas linhas... Ao fundo, a nova tabanca, reordenada...


Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-Fur Mil At Inf, Op Esp,  CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mapa de 1955 (Escala 1/50000) > Detalhe: o núcleo populacional de Nhabijões (círculo a azul).

Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça 

(11) Novembro de 1969: Início do reordenamento de Nhabijões 

A partir deste mês, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colaborava com o IN.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Nhabijões > 1970 > Uma pausa nos trabalhos do reordenamento de Nhabijões. Foto gentilmente cedida por Luís Moreira, ex-Alf Milf Sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) (**), vítima de mina A/C em 13 de Janeiro de 1971, membro da nossa Tabanca Grande.


Foto: © Luís Moreira (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa (constituída pelo Alf Mil At Inf António Manuel Carlão, Fur Mil At Inf Joaquim Augusto Matos Fernande, 1º Cabo At Inf Virgilio S. A. Encarnação e Sold Arv Alfa Baldé que foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969) e ainda 2 carpinteiros (1º Cabo At Sousa [?] e 1º Cabo Aux Enf Carlos Alberto Rentes dos Santos).E indirectamente criando as condições de segurança aos trabalhos.


Numa primeira fase estava previsto levar a efeito a desmatação do terreno, a fabricação de blocos e a construção de 300 casas de habitação e 1 escola. Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.

A partir de Janeiro de 1970 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.

A partir de Abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.

A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de Junho de 1970).

A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12.

No meu diário, escrevi o seguinte, na altura:

 (...) puro etnocídio sociocultural, o que se está aqui a fazer, obrigando os pobres dos balantas e mandingas de Nhabijões a transferir-se da beira rio para uma zona de planalto, sobranceira ao Geba, e a viver em casas desenhadas e construídas por europeus...  [Daí talvez] esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs… 

Está-se agora proceder ao reagrupamento e reordenamento das tabancas de Nhabijões, ditas sob duplo controlo. Mas esse plano (...) obedece mais a razões psicológicas e sociais (aculturação ou assimilação através da construção de raiz de casas de adobe e rachas de cibe, com cobertura de zinco, portas e janelas à portuguesa, e arruamentos feitos a régua e esquadro) e estratégicas (controlo populacional, demarcação de zonas livres a partilharia e a força aérea, corte do cordão umbilical com a guerrilha) do que a um deliberado plano de promoção social dos guineenses, se bem que esteja prevista uma certa cobertura escolar e sanitária das populações reordenadas… Com o recurso a pessoal de educação e de saúde, recrutados entre os próprios militares!!!... Contam-se pelos dedos da mão os civis, brancos, missionários, comerciantes, professores, médicos ou enfermeiros, que existem nesta região, de Bambadinca, parte integrante do concelho de Bafatá… Eu apenas conheço três: dois comerciantes e uma professora (...).

[Vd. também a brochura Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações. Província da Guiné, Bissau: Comando-Chefe das Forças Armadas da Guine. Quartel General. Repartição AC/AP. s/d, já reproduzida no nosso blogue ] (***)

Fontes consultadas:

História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II

Diário de um Tuga, de Luís Graça (arquivo pessoal)

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série > 









(**) Vd. I Série, poste de 24 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática

(...) Nasci numa vila para os lados de Viseu, mais proprimente em Torredeita, que até vem em alguns mapas e tem uma Escola Superior de Agricultura (Politécnica) (...) 

Em 1969, com 25 anos e o curso de engenharia interrompido, entrei em Mafra para o curso de oficiais para canhão, onde terminei a especialidade em minas e armadilhas (éramos 16 no pelotão), curso que não terminámos sem que 15 de nós fossemos contemplados com 19 dias de detenção e 45 de dispensas cortadas (...). E a punição não foi mais severa porque com 20 dias iríamos todos parar ao contingente geral e não teriam oficiais sapadores para enviarem para os teatros de guerra. Se o pudessem fazer estavam-se a borrifar para a oportunidade de reorientarmos o nosso comportamento.

Já como aspirante miliciano fui para Bragança instruir soldados que iriam para a as ex-colónias. Terminada a instrução fiz uma passagem por Tancos onde, pretensamente, deveria aprender mais alguma coisa sobre minas e armadilhas mas fiquei convencido de que, com o que aprendemos em Mafra, sabíamos mais que os oficiais e sargentos nossos instrutores em Tancos.

Finalmente fui para Viana do Castelo onde me encontrei com todos os ex-camaradas de infortúnio e formámos o BART 2917. 

Em princípios de Maio de 1970 embarcámos naquela que foi a última viagem do velho Carvalho Araújo e desembarcámos em Bissau a 17 do mesmo mês. Ainda me recordo da expressão do Capitão que foi o meu comandante de Companhia e de que não me recordo do nome (...) quando viu um pequeno furo à proa do navio, cerca de um metro acima da linha de àgua, por onde saía um fio de óleo e que o deixou preocupado desconfiando que não chegaria ao destino. Mas chegou e nós também naquela que até foi uma viagem calma.

O resto foi igual ao que já todos sabem. Desembarque, alojamento no Quartel de Adidos em Brá, saída uns dias depois e embarque na LDG que nos levou ao Xime e daí para os outros destinos em coluna.

Em 13 de Janeiro do ano seguinte, 1971, foi o acidente com a mina anticarro de que já se falou e se voltará a falar, precedida, na altura do Natal, por uma visita do "homem do caco" ao reordenamento dos Nhabijões, onde esperou 20 minutos pelo alferes sapador, eu, que tinha ido à lenha com umas bajudas, mas que foi encoberto pelo David Guimarães e restantes ex-camaradas que lhe disseram que tinha ido buscar bidões de água para oas obras que estávamos a fazer. A peta pegou pois quando fui almoçar a Bambadinca ninguém me perguntou por onde andei. (...)


Após o acidente e consequente evacuação para o Hospital de Bissau, fui logo no dia seguinte visitado pelo dito Senhor Comandante que me desejou as rápidas melhoras. Devia estar a fazer falta no reordenamento que, diziam, era a menina dos olhos dele. Mas os médicos trocaram-lhe as voltas pois passaram-me aos serviços auxiliares e, depois de uma breve passagem por Bambadinca. vim fazer mais 15 ou 16 meses de serviço até 7 de Junho de 1972, mas no Batalhão de Engenharia [, BENG 447, foto à esquerda], com direito a ar condicionado e tudo na messe e no bar de oficiais.

Regressei, terminei a minha licenciatura em Matemática (resolvi mudar de curso) e passei a ser mais um dos tão criticados professores do ensino secundário que todos acusam de nada fazer a não ser martirizar as criancinhas (...)

(***) Vd. postes de: 

12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

16 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2108: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(...) Notas do nosso co-editor Virgínio Briote:

(i) Segundo a directiva 49, de 16/10/1968, do Comando Chefe das F. A. da Guiné, a Divisão de Organização e Defesa das Populações ficou encarregada do estudo, impulsionamento, coordenação e fiscalização do reordenamento, pelo recenseamento e pelo enquadramento e defesa das populações.

(ii) Segundo o Relatório de Comando, 1971, do Comando-Chefe das F. A. da Guiné, em Dezembro de 1971, estavam registadas 46 tabancas organizadas em auto-defesa. (...)

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

Dava longa "estória". Está frio e com motores frios todo o cuidado é pouco...Os reordenamentos e auto defesas; os Nhabijões, rusgas e a inabilidade das Info. das NT; os carregadores Balantas na Lança Afiada(logo escrevo Luís...);o ataque, e os "atakues", a, e em Bambadinca; a lição do "Velho Chefe Balanta"...
Alegrias e tristezas de um velho (agora)soldado "perdido outrora numa dita parcela desta ditosa pátria".
Assim e só:
Os Nhabijões eram tabancas nossas conhecidas pelas rusgas, efectuadas com a administração colonial,logo no inicio da comissão(1968). Ninguém ganhava com esses actos e todos perdiam. Quem mais perdia eram as Informações das NT.Cerca de um ano depois conhecemos o Zé, ex militar de um grupo qualquer, Balanta dos Nabijões, falando bem português e em biscate por Bambadinca.Como é lógico jogando para os dois lados. Falamos com ele, O Zé (o nome dele era difícil) até nos arranjou, a contra gosto dos Fulas,os carregadores Balantas para a Lança Afiada. Gente forte e impecável...(eu vou escrever Luís, eu escrevo...).
Não interessam muitos pormenores. Depois do ataque a Bambadinca, procurou-se o Zé e lá foi encontrado. O bom de África era o funcionamento dos satélites de busca. Melhores que GPS ou Telemóvel.( um "desvio" são Cartas 1/50.000 e não Plantas.Questão de denominadores e escalas).
Com o Zé lá se foi até aos Nhabijões.
Abreviando.
Quisemos falar com o "Velho Chefe". A estrutura social era outra mas digamos o Velho Chefe.Zé era o interprete. Perguntamos, rodeando e, mais directamente, onde era a cambança e etc...O Velho disse, o Zé traduziu e eu aprendi.
- O "Velho" diz:
- tu és o chefe destes homens. Ele a ti pergunta o que fazias se fosses ele. Se ele fala com a tropa vêm os homens do mato e eles sofrem, se fala com gente do mato vem a tropa e eles sofrem...Tu que fazias?
Eu? Eu "parti" cigarro Português Suave com eles e viemos informar os nossos mandantes.
Os Nhabijes e outras Tabancas mereciam outro tratamento. O pior é que havia gente que sabia o que fazer...para depois. Um Abraço e gostei do escrito (s), gente trabalhadora os Balantas...
AB T