quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7798: Memórias de Mansabá (18): Recordações sobre o Fur Mil Jaime de Matos Feijão (Manuel Joaquim/Veríssimo Ferreira)

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (18)



1. Dois comentários colocados no poste do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857,
Mansabá, 1965/67), da autoria do Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá
, 1965/67) e Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422), por motivos evidentes merecem o nosso destaque.


2. O comentário do Manuel Joaquim, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 04h40:

Meu caro Ernesto, um grande abraço.Estou emocionado com a tua referência à morte do Jaime de Matos Feijão. E relembro:

A bordo do Niassa, a caminho da Guiné, numa mesa do bar alguns furriéis redigiam a sua primeira correspondência para ser enviada do Funchal, aproveitando a paragem do paquete. A conversa derivou para os perigos que a guerra nos reservaria. E, blá, blá, blá, falou-se em cálculo de probabilidades e todos aceitaram a ideia de que era praticamente impossível não morrer ninguém de toda aquela gente que enchia o Niassa. Saiu-me uma frase seca: "tenho a certeza de que não regressaremos todos". O furriel Feijão, debruçado sobre uma folha de papel, e com um ar meio perdido, sai-se com uma expressão do género "não sei porquê mas sinto que não vou voltar". Como é óbvio, o tema da conversa acabou ali com gargalhadas forçadas, a minimizar em absoluto tal ideia e a tentar levantar o ânimo do Jaime Feijão, "que ideia mais estúpida, pá!"


Fiquei tão surpreendido que nunca mais me esqueci de tal momento. Eu era radicalmente antimilitarista, anti-guerra. E tinha sido o Jaime a convencer-me a tirar uma foto em farda nº1, farda que ele arranjou e me emprestou para a fotografia. Para quê a foto? Para deixar à minha mãe, mulher do campo aterrorizada com a minha ida para a guerra e sem qualquer noção sobre o "campo de batalha". Dizia o Jaime que, assim vestido, a poderia convencer de que iria chefiar, mandar os soldados fazer a guerra, ficando eu mais resguardado do perigo. A verdade é que me convenceu e fiz tudo para a minha mãe acreditar nisso. Não sei é se acreditou. Pelo desespero mostrado na gare marítima aquando do embarque, é de julgar que não.

Chegados à Guiné no início de Agosto/65, o nosso BCaç 1857 dispersou-se: a minha CCaç 1419 fica em Bissau quase três meses, a CCaç 1420 ruma a Fulacunda e a CCaç 1421, do Jaime, segue para Mansabá, via Mansoa.

Julgo que a 20 e poucos de Setembro/65 a notícia cai na 1419 e atinge-me violentamente: "O Jaime morreu! Como? Porquê?"

Fico por aqui, estou a chorar.


3. O comentário do Veríssimo Ferreira, publicado no dia 16 Fevereiro, pelas 14h00.
Caro Ernesto. Triste mas mesmo muito triste fiquei e estou ao ler este facto, pois que me atinge directamente. Eu estava lá com a minha secção. Como lá fui parar não sei mas estava em Mansabá nessa altura e fui convocado para ir aprender convosco nessa operação e em Manhau o v/comandante nomeou-me para ir à frente naquele local e o Feijão ir-me-ia dando indicações como se actua no mato, mas este (O Feijão) disse: não, este gajo é maçarico vou eu à frente e a secção dele atrás da minha. Assim foi e lá morreu ele por mim.

Algum tempo mais tarde confessei isto a um irmão que trabalhava num daqueles barcos que iam Bissau, não sei se o "Rita Maria" se o "Manuel António" e chorámos juntos. Ainda recordo também as palavras duras daquele v/comandante e dirigidas não sei se prá mata se para o céu lá mesmo em Manhau e após aquele triste desenlace. Tenho mais a dizer sobre isto e um dia espero que possamos conversar. Para já diz-me só uma coisa que me tem baralhado todos estes anos: O alferes Carvalho estava ou não a comandar Manhau, nessa altura embora nessa noite lá não estivesse?

O meu contacto é verissimoferreira@sapo.pt

Fur Mil da Ccaç 1422.

Um abraço e obrigado.


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Notas de M.R.:

Ver também sobre esta matéria o poste:

15 de Fevereiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7793: Memórias de Mansabá (6): Aquele Manhau (Ernesto Duarte)

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