sexta-feira, 4 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7899: Notas de leitura (212): Angola 61 - Guerra Colonial - Causas e Consequências, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Março de 2011:

Queridos amigos,


Interessante e decepcionante, é o comentário curto após a leitura de um documento que devia requerer mais exigência aos investigadores. Enfim, uma corrida apressada para aparecer nos escaparates em cima do acontecimento do cinquentenário.
Dalila Mateus, veremos noutras recensões, é uma estudiosa dos arquivos da PIDE, talvez sem rival. Mas não se pode tratar tão ligeiramente o universo das consequências e desenvolvimento da guerra que mudou o curso da história de Portugal.
Trata-se de uma investigação de grande fôlego, é uma atribulada maratona que requer paciência e cabeça fria.


Um abraço do
Mário


Angola 1961: causas e desenvolvimento da guerra colonial

Beja Santos

“Angola 61, Guerra Colonial: causas e consequências, o 4 de Fevereiro e 15 de Março” é título da obra assinada por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus (Texto Editores, 2011). Trata-se de uma investigação que tem o reconhecido mérito de proceder ao levantamento dos acontecimentos da guerra em Angola predominantemente à luz de uma fonte até agora muito pouco consultada na generalidade deste tipo de estudos: os arquivos da PIDE.

Os autores procuram a compreensão do início da guerra mediante o enquadramento dos seus antecedentes mais próximos, a África de 1960, o processo da independência do antigo Congo Belga, dando-nos uma água-forte do colonialismo praticado em Angola. Em seguida, reconstroem a revolta da Baixa de Cassange, descrevendo as condições de opressão, exploração e miséria dos cultivadores de algodão. Segue-se a resposta em termos de terror preto e branco. A apreciação do levantamento do 4 de Fevereiro e a sublevação do 15 de Março têm uma interpretação singular graças à consulta dos arquivos de Salazar e da PIDE, assentará aqui um dos aspectos mais significativos desta investigação. Com efeito, há um uso e recurso de fontes de grande importância e nalguns casos temos verdadeiras novidades interpretativas. O major Rebocho Vaz, comandante da 4ª Companhia de Caçadores Especiais faz um relato contundente da actividade da COTONANG, temos aqui um libelo dos trabalhos da cultura do algodão, sujeitos a uma exploração desenfreada. São postas em equação as diferentes versões do 4 de Fevereiro de 1961, a primeira grande acção pró-independentista, o início da guerra colonial. Quanto ao 15 de Março, a PIDE e as autoridades administrativas não foram apanhadas de surpresa, os autores documentam minuciosamente as responsabilidades da UPA e a resposta ao terror negro.

Na segunda parte do livro (Consequências e Desenvolvimentos da Guerra Colonial), os autores enveredaram por trilhos de investigação e tratamento da documentação fazendo leituras perigosamente abreviadas, se não mesmo levianas ou pretensiosas. Não há nada de novo sobre a resposta do regime de Salazar e a descrição do chamado “golpe Botelho Moniz”. O chamado “caso Deslandes” é uma originalidade, é bem provável que venha a dividir os historiadores. O general Venâncio Deslandes, novo Governador-geral de Angola, aparece como um visionário, um heterodoxo do regime, e Adriano Moreira como um conformista, um ultra e um perfeito sicário de Salazar. Seguem-se descrições apressadas sobre a posição dos EUA e a aproximação do regime de Salazar aos regimes racistas da África austral. Quanto à evolução e efeitos da guerra colonial, somos atirados imprevistamente para o agravamento dos teatros de operações da Guiné e de Moçambique.

De novo, somos convocados para as informações que a PIDE vai fornecendo às direcções políticas e militares, com destaque para os acontecimentos que envolveram Guidage e Gadamael. Ao tempo, Fragoso Alas, responsável pela delegação da PIDE na Guiné envia uma carta à Direcção-Geral: “Praticamente perdemos a vantagem da Força Aérea e não dispomos de meios aéreos que possam constituir força de dissuasão ou que nos permita castigar duramente as bases de apoio. Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a estabelecer novas áreas libertadas e a dificultar ou impedir o trafego aéreo e até mesmo aniquilar algumas guarnições, que agora passam a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos ou reabastecer”. Nesta mesma altura, o inspector Galante, chefe do posto de Leiria da PIDE, envia para a Direcção-Geral uma informação sobre a situação militar na Guiné. Diz ter obtido, “de fonte fidedigna”, a notícia que o general Spínola se preparava para deixar a Guiné, território que se encontrava numa situação crítica. O general informara um amigo de que “a situação era de tal gravidade que esperava se desse um colapso” tendo advertindo o governo para tal hipótese. E prevendo a impossibilidade de resistir ao poderio militar do PAIGC, teria mesmo “tentar entabular negociações com o grupo de Amílcar Cabral”. Depois de, em Setembro de 1973, os guerrilheiros do PAIGC terem atacado uma coluna entre Teixeira Pinto e Bissau, a PIDE envia para Lisboa um comentário cáustico, dizendo que a inércia dos militares portugueses é praticamente total.

A enumeração dos efeitos da guerra colonial aparecem num relato quase telegramático, com todas as desvantagens que este tipo de olhar apressado acarreta. Aliás, o texto da conclusão repete, em grande parte, dados já expostos no elenco das causas e consequências.

Se é de indiscutível importância direccionar todo este tipo de investigações mergulhando nos arquivos de Salazar e da PIDE, não deixa de causar surpresa como uma investigadora com os créditos de Dalila Mateus correr como gato pelas brasas sobre as causas e consequências da guerra colonial. Não se pode perante o “acontecimento histórico mais importante da segunda metade do século XX português” fazer uma leitura exaustiva dos acontecimentos que ocorreram exactamente há 50 anos atrás, através de um olhar cuidado e, quiçá, original e de seguida amontoar elementos consabidos com uma relativa leviandade e irrelevância, não se pode aceitar que a massa dos dados implicados se sujeite a uma versão redutora de 14 anos de guerra que parecem levar inexplicavelmente à génese e triunfo do Movimento das Forças Armadas.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7883: Notas de leitura (211): Antologia Poética da Guiné-Bissau (3) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Anónimo disse...

... que, apesar de não ser esta matéria específica do antigo TO-Guiné, mas se presume de interesse geral, público, coloco à consideração - dos editores e dos leitores deste blogue -, o seguinte:

Quanto ao supra citado "livro de Dalila Mateus [...], o próprio Prof. Adriano Moreira [na mais recente edição do "Câmara Clara"] também classificou como uma "investigação pouco rigorosa""; (José Manuel Lemos Vale, veterano da CArt3505, in "reprodução [no facebook] do texto que enviei como comentário ao programa").
E quanto à sinopse produzida pelo autor deste postal: um simples exemplo que, ao ler na diagonal, de imediato ressalta pelo factual disparate... - "O major Rebocho Vaz, comandante da 4ª Companhia de Caçadores Especiais [...]" -, em sequência levou a suspeitas de plágio na obra (muito embora não tenha lido e, provavelmente, nos próximos tempos não terei paciência para tal, tanto mais que é "chover no molhado"), quando ali se afirma que o citado oficial "faz um relato contundente [etc]...".
1 - O (então) major de infantaria Camilo Augusto de Miranda Rebocho Vaz (07Out1920-23Dez1998), jamais foi "comandante" de uma subunidade de caçadores especiais de infantaria (CCE) , tendo sido desde meados de Jun60 segundo-comandante do RIL [RI20] e em 03Jan61 nomeado comandante de um BCacEv, a instalar com urgência na cidade de Malanje, a fim de coordenar as actividades de CCE's e outras subunidades da guarnição normal da RMA, colocadas, ou a colocar, naquele novo sector militar distrital.
2 - A investigação (?) de D.Mateus e A.Mateus - pelos vistos «apressada» [Beja Santos 'dixit'] mas com todo o aspecto de haver também sido preguiçosa (para não dizer mais) -, quanto à relha questão da "exploração da luso-belga Cotonang", não consta em nenhum «relato contundente» do «major comandante da» 4ªCCE, nem sequer no AOS e muito menos nos tais arquivos da PIDE/DGS... mas singelamente, em livro de memórias que, em 225 páginas de edição de autor, o mencionado oficial publicou em 1993 em Coimbra. Aliás, a pp.145-154 do livro 1 do 1º tomo do 6º vol. da "Resenha... [elaborada pela CECA]", publicado em 1998, o TCor Art. António Lopes Pires Nunes produz uma exemplar síntese dos "Acontecimentos da Baixa do Cassange": sem ter recorrido a "ficheiros inéditos e/ou secretos da Torre do Tombo".
3 - Da apreciação, da tal pressa em mostrar serviço, resulta a impressão de ter sido esta "versão inédita" - com laivos de revelação bombástica - um mal-amanhado resumo resultante de enviesada transcrição parcial do capítulo titulado "Cassange, um acontecimento exemplar" (pp.12-25 do vol.2 de "Os Anos da Guerra Colonial", edição QuidNov 2009, de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso).
4 - Ao resto, poder-se-á ajustar o adágio: do que está na montra, vê-se o armazém.

O aludido mediático lançamento, terá na realidade representado mais um "acontecimento exemplar", de como alguns licenciados em História - pessoas com licença para "fazer história", segundo o princípio de que aquela deverá ser sempre firmada por "cronistas do rei" e divulgada por seus escribas -, os quais abominam tudo quanto diga respeito ao "Antigo Regime", enquanto no mesmo se respaldam para o ganho de muita fama e algum proveito. A Bem da Nação... , claro.

Abreu dos Santos (senior)

Anónimo disse...

Caro Mário,
Concordo que o livro parece chegar ao fim de supetão, sem a sistematização e profundidade que a matéria poderia proporcionar. Todavia, parece-me tratar-se de um aperitivo (talvez comercial) para desenvolvimentos e conjugações subsequentes.
Quanto às diferenças apontadas a Adriano Moreira e Venâncio Deslandes, não me parecem ser assim tão grandes, tendo em conta a obra de um ex-secretário da economia (uma espécie de ministro), Jorge Eduardo Costa Oliveira, que publicou "Memórias de África", IPAD, que privou com ambos.
Também a avaliação do ex-ministro sobre os autores, que referiu não ter lido a obra, parece-me pouco rigorosa.
Finalmente, os autores chamam os acontecimentos na Guiné e em Moçambique, para justificarem o epílogo do período colonial, consumado pelo MFA.
A este propósito (agora uma dica), adquiri num alfarrabista o título "Spinola, o anti-general", da autoria de Eduardo Freitas da Costa, um homem admirador de Salazar, que faz uma contundente interpretação do general e das relações com o governo de Caetano, com dados interessantes sobre as negociações entabuladas com o Senghor, as personalidades em questão e o resultado histórico.
Claro, por se ter cingido às personalidades daquelas personagens, dando de barato os movimentos sociais que evoluiram em face dos acontrecimentos militares, e pressionavam, quer os orgãos políticos, quer a imprensa e, por reflexo, a opinião pública, parece-me ser demasiado redutor do resultado final.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

EM GADAMAEL EM ABRIL DE 74,TINHAMOS ABRIGOS DE TRANSMISSÕES E ENFERMARIA, FEITOS PELA ENGENHARIA MILITAR E ABRIGOS INDIVIDUAIS E COLECTIVOS RELATIVAMENTE SEGUROS,CASAMATAS PARA POSTOS DE SENTINELA ALGUNS COM BROWMINGS,MINAS DE ESFERAS COM COMANDO ELECTRICO, UM PELART A TRÊS BOCAS DE FOGO (OBUS 14) COM 50 HOMENS,E COM 5 MIL GRANADAS EM STOCK, E COM MAIS OU MENOS 100, PRONTAS A DISPARAR, EM CADA ESPALDÃO, DOIS PELOTÕES DE MILICIAS, UM PELOTÃO DE MORTEIROS 81, UM PELOTÃO DE CANHÕES S/R, E TRÊS COMPANHIAS.O TOTAL DE MILITARES SERIAM MAIS DE 500.
SABENDO POSTERIORMENT QUE O PAIGC TINHA MAIS OU MENOS DOIS BIGRUPOS NA ZONA E ANIMICAMENTE ESTAVAM NAS "LONAS" COM DISSIDÊNCIAS GRAVES (COMISSÁRIO POLÍTICO--DIXIT).SE BEM ME RECORDO EM ABRIL ENTREGARAM-SE PELO MENOS 2 GUERRILHEIROS.É VERDADE QUE O ESTADO ANIMICO DAS NT TAMBÉM NÃO ERA MUITO ELEVADO, ESTAVAMOS MAIS NAQUELA DE "AGUENTA".
COLAPSO MILITAR EM GADAMAEL ??.SE HOUVESSE VONTADE POLÍTICA PARA CONTINUAR ?
CADA UM TIRE AS CONCLUSÕES QUE QUISER.
EX-ARTILHEIRO EM GADAMAEL
C. MARTINS

Anónimo disse...

PS
NO QUE DIZ RESPEITO À ARTILHARIA TINHAMOS O TIRO REGULADO NUM RAIO DE DEZ KM, SÓ ERA PRECISO UM FIAT G91 A VOAR EM ALTITUDE SUPERIOR AO ALCANCE DOS MISSEIS ANTI-AÉREOS PARA FORNECER AS POSIÇÕES DAS BASES DE FOGOS DO IN, E PRONTO FAZIA-SE A CHAMADA CONTRA-BATERIA, ERA POR ISSO QUE NAS FLAGELAÇÕES QUASE DIÁRIAS QUE FAZIAM UTILIZAVAM BASES MÓVEIS ,NOMEADAMENTE O CANHÃO S/R E FOGUETÕES, EM CIMA DE VIATURAS QUE ERAM OPERADAS POR CUBANOS, QUE APESAR DE SABEREM O QUE FAZIAM, FELIZMENTE OS RESULTADOS ERAM QUASE SEMPRE NULOS.NORMALMENTE ESTAS ERAM DE CURTA DURAÇÃO,NÃO ERAM PROPRIAMENTE PARVOS.PARA DESCOMPRIMIR DESTE TEXTO PESADO, UMA VEZ DESTRUIMOS UMA GAZELA AO COMISSÁRIO POLÍTICO, QUANDO ESTE SE PREPARAVA PARA A ESFOLAR, SÓ TEVE TEMPO DE SE ENFIAR NO ABRIGO-- MAL EMPREGADA GAZELA-- MAS AINDA BEM.
EX-ARTILHEIRO EM GADAMAEL
C.MARTINS

Anónimo disse...

PS
MAS AINDA BEM QUE FOI SÓ A GAZELA E MAIS ALGUMAS "COISAS"
C.MARTINS

Joaquim Mexia Alves disse...

Mais uma vez o Mário, "cirurgicamente", vai escolhendo os textos que possam respaldar a sua afirmação de que a derrota militar estava eminente, que o colpapso militar era uma realidade.

Curioso é que essa afirmação é desmentida por muitos daqueles que estavam no terreno na altura do 25 de Abril.

Isto não é má vontade da minha parte, (tenho toda a consideração pelo Mário), mas apenas o direito que me assiste e a todos nós, de refutarmos uma ideia que ele e outros perseguem, e que o Mário vai tentado em todas as oportunidades passar.

Um abraço para o Mário e para todos

Anónimo disse...

Uma guerra,não póde durar eterna_
mente,muito menos nos nossos tem_
pos.Uma das partes acaba por ceder.
Guerras de cem anos ou mais longin_
quas ainda,as Púnicas,fazem parte da História Universal.A "nossa" du_
rou,ainda assim quatorze anos.Daqui
a cem anos,muito pouca gente sabe_
rá,que ela se travou;porquê,etc.Não
originou,nem novos mundos,nem novas
civilizações,somente uma nova divi_
são politico-geografica na Terra,
mas estas avançam ou recuam,confor_
me a vontade e o poder dos povos.
Isto tudo para dizer que, além da
História não nos lembrar devido ao
que atrás referi,como mais ainda, nós próprios termos contribuído para tal.Há cinquenta anos que não
fazemos outra coisa que não seja o
assumir o estatuto do ignóbil der_
rotado e passamos o tempo a dar ra_
zão e a pedir desculpa incondicio_
nais a quem nos derrotou.Se nós ex_
combatentes,não temos um minimo de
auto-estima,como queremos ser acre_
ditados?.Quantas vezes já me referi
a esta situação?,perdi a conta, mas
continuarei a afirmar,não sou des_
graçadinho,nem tenho nenhum comple_
xo de culpa.
Alberto Guerreiro.

Anónimo disse...

Desculpem!

Já nãé a primeira vez sempre que escrevo um comentário aqui sobre determinados problemas dá sempre bota.

Escreverei sempre! Mas num comentário não posso perder mais meia hora a reescrever o que saírá muito diferente.

É possível que eu tenha "GALO" mas... tenham pena arranjem forma de isto saír, comoeste que já sei vai sair bem.

Mário Fitas