domingo, 13 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7937: (Ex)citações (132): "Continuo a ter dúvidas de que as histórias [dos combatentes da guerra colonial] devem ter o livro como destino, mas não tenho dúvida alguma de que estas histórias precisam de um sítio onde fiquem acessíveis para os vindouros" (José Vegar, conselheiro editorial, Expresso, 12/3/2011)

1. José Vegar lê, por obrigação de oficio, “centenas de originais de ficção e de não-ficção de autores portugueses não publicados”… Esse trabalho, ao serviço de editores (pelo que apurei, na Net, é “conselheiro editorial”, ele considera-o como algo de fascinante, na medida em que lhe dá um conhecimento mais profundo (e privilegiado) sobre o povo e o país que somos…







[ Foto: O nosso camarada Albino Silva, Soldado Maqueiro, CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), escrevendo no mato possivelmente um aerograma]




Num artigo publicado no Expresso deste fim de semana (“O que eles escreve”, suplemento “Atual”, nº 2002, Expresso, 12 de Março de 2011, pp., 32-34), José Vegar (n. Luanda, 1969; jornalista e escritor, doutorando em sociologia, autor do blogue Sniper) diz que “ainda hoje há muitas pessoas a escrever", pessoas,  “dos 16 aos 80 anos, que escolheram a solidão de se fecharem diariamente durante meses em frente a um computador, tentando transformar em texto, que nunca tem menos de 100 páginas e chega facilmente às 300, uma história que os perturba ou uma experiência que querem partilhar”. São em geral autores “desalinhados”, que não pertencem a nenhuma escola ou tendência literária ou estética, intelectual ou filosófica...


O jornalista arruma-os em meia dúzia de categorias:

(i) Os autores de catarse ( escolhem a escrita para “tentar libertar, fugir, ersolver, perceber ou aprender a lidar com algo que lhes aconteceu” e que os marcou);


(ii) As testemunhas (em geral, pessoas de mais idade, que querem contar uma história, partilhar memórias)…

(iii) Os contadores de histórias para crianças e jovens;


(iv) Os autores de círculo temático;


(v) Os intérpretes da contemporeindade;


(vi) Os autores do romance histórico;


(vii) E, por fim, os inclassificáveis


Ora, no grupo de gente vulgar ,  e de mais idade (sic), que são os autores de testemunhos, “há uma subcomunidade sempre presente, a dos combatentes na guerra colonial”…


E sobre eles, diz o José Vegar esta coisa interessante:

“Continuo a ter dúvidas de estas histórias devam ter o livro como destino, mas não tenho dúvida alguma de que estas histórias precisam de um sítio onde fiquem acessíveis para os vindouros”…L.G.
_____________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 12 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7768: (Ex)citações (131): Saudades de quê ?... Será que sou masoquista ?... E por que é que leio o raio deste blogue e até faço comentários ? (C. Martins)

9 comentários:

Anónimo disse...

Deve ter sido pelas dúvidas do José Vegar que A Esfera do Livro perdeu tanto tempo sem qualquer resposta em relação à proposta de edição do "Lugares de Passagem" que acabou, como sabem, na Chiado Editora.
E se a dúvida é fundamental porque nos questiona e obriga a questionar, nem sempre serve o futuro, nem sempre se opõe ao dogmatismo porque um dogma se pode esconder até em forma de dúvida.
José Brás

Anónimo disse...

Caros camarigos

O José Vegar lá saberá, certamente baseado na sua experiência de conselheiro editorial, porque tem dúvidas quanto à passagem a 'livro' das inúmeras memórias dos antigos participantes nas guerras de África. Quanto a isso, não sei!
As dúvidas são dele e eu confesso que, quanto a esse aspecto não tenho certezas, pelo que aceito bem as suas dúvidas. Como não temos mais explicações só se pode especular porque pensa assim: pode ser por inoportunidade ou saturação editorial, por ser tema que, a ser inflaccionado por livros, se pode tornar corriqueiro e deixar de ter clientes, pode ser que tal profusão ou o simples relembrar desse passado possa ser incómoda para poderes estabelecidos, pode ser tanta coisa...

Mas uma outra coisa o JVegar nos diz, e isso é muito importante para nós, como individuais, como colectivos do conjunto dos repositários dessas histórias e, em particular, como membros, participantes, acompanhantes, etc., deste Blogue, que é de sermos "o" ou "um" dos tais "sítios" onde 'essas histórias fiquem acessíveis para os vindouros'.

E isso é uma coisa que já tínhamos descoberto e que já faz bastante tempo que damos corpo a esse trabalho.

Não somos os únicos, é certo, além de que priveligiamos os acontecimentos na Guiné, pois outros há que também se dedicam a evocar esses tempos e esses acontecimentos.

No entanto aqui fica o desafio para que, pela nossa parte, nos empenhemos mais ainda na divulgação desses tempos, com a caracterização dos antecedentes à partida, de cada um, das suas vivências, do 'sentir' dos familiares, dos amigos, se possível dos ambientes vividos à nossa volta.
Depois, com as diversas peripécias da nossa vivência na Guiné. Os dramas, mas também os bons momentos, sim, porque também os houve. E foi o conjunto de tudo isso que nos fez crescer e que hoje em dia se reflecte na imensa inquietação que assalta a tantos de nós, com as recordações e o desejo de revisitar os locais. Depois ainda, com o regresso, com as dificuldades, ou não, de adaptação, de enquadramento, até de relacionamento com tudo o que por cá ficou e que mudou entretanto.

Essa tarefa cabe inteiramente nos pressupostos e nos desígnios desta obra colectiva que é este espaço que o "Henriques" criou, que é o nosso Blogue e que muito justamente é reconhecido por ser o "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Vamos então em frente com a tarefa para se poder dizer ao JVegar que aqui está, se não "o sítio", pelo menos "um dos sítios", onde esse repositório da memória pode ser encontrado. E se, como já tem sucedido, e estou a lembrar-me de uma mão-cheia deles, der origem a livros.... pois que dê!

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Zé:

Aqui, como em outros domínios, impera a lógica estrita do mercado... Muitos dos livros que se publicaram (e publicarão) sobre a guerra de África (ou do Ultramar, ou colonial, como se queira, para nos sentirmos todos minimamente confortáveis...) vão acabar ingloriamente na Feira da Ladra de Lisboa ou nas feirinhas da ladra que se estão a multiplicar por esse país fora, aos sábados (sinal, mais do que evidente, da crise profunda que nos bate à porta...). Vendidos ao quilo, a 50 cêntimos... Ainda há dias, encontrei uma, em Miranda do Corvo, com gente (a maior parte estrangeiros) que vive espalhada pela serra da Lousã...

As grandes editoras (que são cada vez menos, devido ao fenómeno da concentração empresarial: veja-se a compra ainda recente do Direct Group Portugal, de capital alemão, pela Porto Editora, o maior grupo editorial português, que passa agora a deter o Círculo de Leitores e a Bertrand...) só apostam em nomes consagrados ou em jovens com grande talento, ou que, com menos ou mais talento, são ímediatamente reconhecidos pelo grande público (gente ligada á indústria dos mídia, por exemplo)...

Os "autores de testemunho" (e nomeadamente os que, no seu currículo, têm a experiência/vivência da guerra em África) não têm nenhum daqueles predicados, com excepção do talento (nalguns casos): são "cotas", nunca publicaram (tirando um caso ou outro, como o Beja Santos, e tu próprio, que tiveste sucesso com o teu "best seller" anterior...).

Não sei (nem me preocupa saber) se ainda vai aparecer a tal obra-prima, tão ansiada, sobre a "guerra colonial"... Não temos suficiente esperança média de vida para o comprovar antes de irmos parar à quinta das tabuletas ou ao crematório... Talvez daqui a 50 anos, os nossos filhos e netos possam ter a sorte de poder eleger uma...

Outras guerras, como "a da pacificação de África" nos finais do Séc. XIX e princípios do Séc. XX, não produziram nada de jeito, em termos literários (que eu me lembre, assim de repente)... Também é verdade que não se pode comparar o número (e a qualidade) dos homens mobilizados que foram mobilizados nessa época e depois nos anos 60/70 do Séc. XX...

A própria experiência da I Guerra Mundial (que levou para o teatro de operações cerca de 55 mil homens, se não erro, e marcou indelevelmente a vida de 14 mil jovens protugueses, entre os mortos, feridos e prisioneiros...) também não me parece que tenha tido grande impacto literário, entre nós, contrariamente ao que se passou em Inglaterra e na França (nomeadamenjte ao nível da poesia)...

Também é verdade que nunca fomos um país de grandes romancistas...

Estou, em todo o caso, mais interessado em que apareçam, ainda no nosso tempo, boas obras, de ficção e não-ficção, sobre a experiência (ímpar) de toda uma geração de combatentes em África...

Luís Graça disse...

Meu caro Hélder, camarigo e "conselheiro editorial" (tacho que foi há dias noticiado no jornal da caserna):

Não tenho dúvida de que o “tema” (da guerra do Ultramar, de África ou colonial, ao gosto de cada freguês) vai continuar na “agenda” da comunicação social por mais uns tempos… Afinal, estamos a “comemorar”, em 2011, os 50 anos do início dos “acontecimentos” (para usar uma expressão “politicamente correcta” da Liga dos Combatentes) que levou ao envolvimento em África (Angola, Guiné e Moçambique) das nossas Forças Armadas, durante 13 anos (ou mais, já que a “coisa” se estendeu até 1975)…

Também não tenho dúvidas que antes do início do verão nos vão fechar a torneira ou cortar-nos o pio… Nomeadamente em televisão, a actualidade é trituradora e a ditadura das audiências “exige sangue fresco” (leia-se: emoção, novidade, actualidade, espectáculo, tragédia, horror, terror, morte)…

Ainda há dias fomos contactados por uma assistente do novo programa da SIC, “Querida Júlia”, que vai para o ar amanhã, às 10h… Procurava contactos, no nosso blogue, de antigos combatentes com “histórias de amor” e outros “temas fortes” (sic)… O contacto foi-lhe dado na Liga dos Combatentes, através da nossa amiga Maria Teresa Almeida…
Dissemos à assistente (que não conhecia o nosso blogue e que ficou de nos contactar por e-mail) que os ex-combatentes da(s) guerra(s) de África recusam ser “vistos e tratados como coitadinhos”, embora tendam a ser uma “espécie ameaçada” (pelas leis naturais da vida, estão agora na casa dos 60/75 anos)... Deu-me as garantias do grande profissionalismo e sentido ético da apresentadora, Júlia Pinheiro.

Não conhecemos ainda o formato do programa, em todo o caso os nossos/as amigos/as, camaradas e camarigos/as são inteiramente livres de participar… a título individual. A única coisa que lhes sugerimos é que meçam ou pesem os prós e os contras de uma exposição pública em televisão… (Aliás, parece haver experiências menos felizes com a série “A Minha Guerra”, do jornal “Correio da Manhã”, não se podendo todavia comparar os dois meios de comunicação, a televisão e a imprensa escrita)…

Sobre o novo programa da SIC, li o seguinte no sítio TV Universo:
(…) “O novo talk-show das manhãs de Carnaxide irá apostar em forte na actualidade. Temas como o espancamento da ex-mulher de Rui Costa e o quinquagésimo aniversário da Guerra do Ultramar serão destacados nas primeiras emissões de “Querida Júlia”. Com a ajuda de Pilar Dias, a apresentadora terá uma colega da TVI a seu lado, em busca de casos com grande interesse por parte do público português.
“Com a realidade a ser a protagonista do novo projecto de Júlia Pinheiro, Hernâni Carvalho acaba assim por desempenhar um papel fundamental. Ao que parece, o jornalista terá a seu cargo um espaço semelhante ao de ‘Companhia das Manhãs’, mas com casos ainda mais chocantes, com histórias de vida que não deixem ninguém indiferente. Assim, os espaços de humor serão, numa primeira fase, esquecidos. ‘O programa não terá sketches de humor’, confessou fonte de Carnaxide. Para além disso, os artistas musicais também não serão aposta para esta primeira fase de ‘Querida Júlia’: ‘Só em casos muito especiais teremos artistas a actuar em estúdio’. (…)

http://www.tvuniverso.com/sic/querida-julia-aposta-na-actualidade/

Vd. também o sítio no Facebook:

http://www.facebook.com/queridajulia

Anónimo disse...

Caro Luís Graça

Obrigado pelo 'tacho', que é um aumento de responsabilidades...

Relativamente ao assunto, pois não se deve ficar naquela posição de que 'ninguém nos liga, ninguém quer saber de nós, estamos votados ao ostracismo, etc.' mas depois também desconfiamos de tudo o que se passa, se edita, se promove.

É claro que não há nenhum mal em se 'ficar de pé atrás' relativamente a estas iniciativas, mas devemos dar o benefício da dúvida e procurar que de facto elas sejam positivas.

A Júlia Pinheiro teve um papel importante no início da SIC e foi com ela que as questões populares tiveram 'voz'. A Júlia mais recente, a da TVI, é mais 'gritante', mais próxima do que pior se tem feito em TV, pelo menos segundo a minha opinião e sob a óptica da despersonalização das pessoas, da sua alienação, mas talvez se possa ter esperanças numa coisa decente, tanto mais que do Hernâni também tenho recordações positivas.

O facto do programa ser no horário da manhã, mais visto por donas-de-casa, reformados, desempregados, etc., e constituir uma parte importante da 'guerra de audiências', pode ter de facto a tendência para o 'choradinho', para a pieguice, para o 'coitadinho'. É verdade que pode.

Mas também compete a quem lá for evitar a tentação dos '5 minutos de fama' perante as câmaras e colocar as coisas de modo correcto. Teremos que aguardar, ver, e se se vier a verificar que há 'desmandos', lá teremos que reagir...

Entretanto, e tal como escrevi anteriormente, termos que continuar a fazer a nossa parte, no que diz respeito às ceretezas do JVegar, que são de de ter que haver 'um sítio onde as histórias fiquem acessíveis para os vindouros' e, como sabes, pelo menos UM desses sítios já existe...

Abraço
Hélder S.

José Marcelino Martins disse...

Procurem na página do Diario de Noticias, que vem lá um anuncio sobre mais escritos sobre o mesmo: A NOSSA GUERRA.

Também li que o Correio da Manhã vai lançar um livro de depoimentos sobre ANGOLA, ou será a reedição dos escritos de A MINHA GUERRA?

Luís Graça disse...

Zé Brás e demais leitores deste poste: O José Vegar não desmente que seja conselheiro editorial, mas não o é da Esfera dos Livros... Li apressadamente a nota biográfica que vem no sítio da editora A Esfera dos Livros. Peço desculpa ao próprio e aos leitores a quem induzi em erro. LG

http://www.esferadoslivros.pt/autores.php?id=43

Anónimo disse...

Também é verdade que nunca fomos um país de grandes romancistas...

....E infelizmente de leitores.

Com amizade,
José Câmara

Albino Silva disse...

Sou o Albino Silva,aquele Sol. Maqueiro ali sentado e escrevendo com a G 3 a meu lado, no mato sim, e um Aerograma para umamadrinha de Guerra.
Quero dizer ao José Vegar,conselheiro editorial,Expresso, que na Guiné e sempre que pudia ia desabafando ao escrever fosse para quem fosse.
Cá, por Trauma ou nem sei quê,escrevi um Livro com a HISTORIA DA UNIDADE DO BAT. CAÇ. 2845, e ainda outro, ARMADOS PARA A PAZ.
O Problema é que como falam da Guerra Colonial na qual participei,
acabaram por ficar na Gabeta já que poucos foram para Camaradas do Batalhão,e Editados por mim.
É Claro que não são Romances, nem Ficção, mas relatam uma realidade vivida numa Guerra,e por isso sem divulgação,o que me deixa triste já que ninguém mais saberá de sua existencia.
Estão aqui na gaveta porque não tenho posses para ir mais longe,pois tenho muito para falar daquele passado triste que não se esgota nas nossas Memórias.
Albino Silva.