sábado, 2 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8038: Notas de leitura (224): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2011:

Queridos amigos,

Os relatórios do então Teixeira Pinto são uma preciosidade para o entendimento das mentalidades e da concepção imperial do tempo. Não se pode compreender a pacificação sem este conjunto de operações sob a batuta de um militar galvânico, valoroso e susceptível de entusiasmar as tropas irregulares, surpreendendo os seus relatórios pela minúcia como pede louvores e condecorações relatando factos e situações de inatacável heroísmo e valentia.

Um abraço do
Mário


João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné
por Beja Santos

Trata-se de um livro fundamental para entender as campanhas desenvolvidas por Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, e como estas alteraram o poder colonial português numa região em permanente perturbação e sublevação étnica. A edição desta obra é da Agência Geral das Colónias, 1936, a publicação foi determinada pelo próprio Ministro das Colónias.

Escreve-se no prefácio o seu filho, igualmente oficial e de nome João Teixeira Pinto:

Tudo o que aqui ficar dito, desejo que não seja considerado como o elogio de uma glória individual, mas como a afirmação de uma força e de uma superioridade natural da Raça e da Nação que realizou a ocupação da Guiné, usando de meios aparentemente tão frágeis que por outra Nação seriam considerados como absolutamente insuficientes e improfícuos (…) Em 1912 a nossa colónia da Guiné voltara a ser uma simples ocupação de praças-fortes, essas mesmas ameaçadas das consequências de uma nova revolta mais completa ou mais violenta (…) O que eu desejo fazer ressaltar é apenas a forma, bem portuguesa, como pôde ser realizada esta obra de ocupação militar e de pacificação, sem o mais leve dispêndio de dinheiros da metrópole e sem qualquer expedição de tropas metropolitanas. São publicados alguns documentos que revelam este facto notável de campanhas coloniais cujas despesas foram pagas com a simples pacificação do território – no imediato ingresso de impostos indígenas. Em todas as campanhas, ao lado do chefe e de um punhado de brancos, alguns dos quais ressaltam dos relatórios como verdadeiros heróis que merecem do seu país, batem-se os auxiliares indígenas. O que resulta de mais extraordinário desta ocupação militar da Guiné realizada por João Teixeira Pinto é que na obra de guerra como na obra de pacificação ela foi uma constante obra de captação do indígena (…) O prestígio que sobre os auxiliares escolhidos ele adquire chega a tomar aspectos de sobrenatural. Através dos relatórios das campanhas vêm-se surgir figuras de um heroísmo lendário. Entre eles ressalta a figura de Abdul Injai que merece ficar na história da expansão portuguesa como um herói (…) A falta de espírito colonial que certos governos e a falta de continuidade governativa não deixaram que o pacificador da Guiné fosse também o realizador da obra construtiva de que a Guiné necessitava e que para ele seria mais fácil do que para qualquer outro, porque o prestígio do seu nome entre os indígenas lhe facilitava toda a acção assimiladora e administrativa a realizar”.


Segue-se a nota de assentos onde ressalta, no essencial: desembarca em Bolama em Setembro de 1912, nomeado chefe do Estado-Maior da Província; no ano seguinte faz parte, como comandante, da coluna para estabelecimento de postos militares na região de Mansoa e Oio; faz parte como comandante da coluna de operações de Cacheu de 23 de Dezembro de 1913 a 14 de Abril de 1914; faz parte como comandante da coluna de operações aos Balantas de 15 de Abril a 2 de Julho de 1914, percorre regiões como Binar, Encheia e Bissorã; regressa à Guiné em Janeiro de 1915 e foi comandante da coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados na ilha de Bissau, participa na fortaleza de Bissau, toma Intim e Antula, Cumura e Prabis e Biombo. Recebeu inúmeros louvores e as mais altas condecorações.

Um exemplo: louvado pelos actos heróicos praticados como comandante de diminuta força de tropas regulares apoiada por uma pequena força de auxiliares que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, obrigou o gentiu a aceitar a nossa autoridade e ao pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e actos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá, fez quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio, desarmando e recebendo o imposto de palhota, submetendo os povos rebeldes da Guiné.


Os relatórios daquele tempo primavam por uma linguagem informal, faziam ressaltar a categoria cultural do seu autor e até os seus dotes literários. Teixeira Pinto assim procede com a operação do Oio. Começa por ir a Bafatá conversar com o administrador Vasco de Calvet de Magalhães, em Bolama prepara uma expedição, assentando-se que se deveria estabelecer um posto em Porto Mansoa e fechar o cerco à região do Oio. Disfarçou-se de inspector comercial e percorreu em Janeiro de 1913 toda a região entre Mansoa e Farim, atravessando o Oio. Apercebe-se que ao Norte de Morés tem muita população hostil, socorre-se de lanchas-canhoneiras para me intimidar as populações rebeldes. Ao pormenor, descreve os factos das diferentes incursões, é um relatório cheio de vivacidade, organizado como um diário, há voltas e reviravoltas, castigos exemplares, tabancas incendiadas, exaltação de comportamentos tanto das tropas regulares como o serviço dos irregulares.

Aqui se pode ler: não há maior suplício que o da sede mais foi suportado por todos sem mais o mais pequeno murmúrio”. Há imensos cuidados com os feridos, as matas são densas, os rebeldes expelem fogo em sortidas e depois desaparecem, a disparidade de armamento nunca é escondida. A capitulação é mencionada como o corolário lógico do esforço inaudito: “Prendi o grande xerife do Oio que era acusado por toda a gente como um grande investigador da revolta, tendo feito por várias vezes sacrifícios de crianças, e Talicô, régulo de Gendum, que gozava de grande influência, sendo um dos que dirigiu os massacres que tivemos anteriormente… Faltava ainda submeter os Balantas do Oio ao norte de Bissorã, mandei para ali o chefe Alpha Mamadu Seilu e da maneira como correu esse serviço dá o tenente Lima conta no seu relatório com uma apreciação minha. A 16, chamei todos os chefes das tabancas e disse-lhes que tinham de entregar o imposto de palhota pelos três últimos anos conforme V. Ex.ª me tinha indicado. E assim termina: “V. Ex.ª desculpar-me-á o mal alinhavado deste relatório que é singelo mas verdadeiro”.

Calvet Magalhães também faz o seu relatório e lança-se logo com uma preciosidade da forma: Sem pretender imitar o grande pregador, direi também “que bem tosca pode ser uma pedra, mas a paciência e perícia de um estatuário consegue transformá-la numa obra de arte, num objecto de valor. E continua: Porque essa obra, quando nela se empregue todo o esforço individual, toda a boa vontade para produzir alguma coisa de útil, não há contrariedades, não há revezes, nem dissabores, nem momentos de desalento e desespero que possam fazer vacilar e acobardar, e que num momento de hesitação se atire para o abismo e perca vãmente tudo quanto já se tinha feito. Está batido o Oio? Quantos pasmam? Quantos ainda duvidam? Tão terrível era a ideia que faziam desse horrível fantasma. E o administrador de Bafatá vai esmiuçando os pormenores, foi destruindo tabancas dos Oincas, acompanhas o transporte das munições e das armas, tudo tintim por tintim e assim termina: “. Ex.ª disse-me que após a guerra viria a esta localidade para combinar a forma da anexação dos territórios, porém eu neste pequeno território nada digo neste sentido nem dou a minha opinião sobre este assunto, o que só farei se V. Ex.ª entender que me deve ouvir.
Segue-se o relatório referente às operações na região de Cacheu. (**)

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8017: Notas de leitura (222): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. também, poste de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8022: Notas de leitura (223): Spínola, o anti-general, de Eduardo Freitas da Costa (José Manuel Matos Dinis)

1 comentário:

Anónimo disse...

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