sexta-feira, 15 de abril de 2011

Guiné 63/74 – P8104: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (12): Gente jovem e a memória da guerra dos seus avós…

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex-Fur Mil da CCAÇ 675 - Binta -, 1964/66, com data de 12 de Abril.


Camaradas,


Depois de longa ausência, eis-me a dar provas de vida... Remeto um texto alusivo a uma "conversa" que tive recentemente com 120 alunos de uma Escola de Alcobaça.

Felizmente que os velhotes ex-combatentes já vão sendo convidados pelas direcções de algumas escolas. Aconteceu comigo e não desperdicei a oportunidade de transmitir à gente jovem algo da história recente de Portugal, que teve a ver alguns dos familiares mais velhos... No que me diz respeito foi uma experiência gratificante que gostaria de partilhar com a "Tabanca Grande".


GENTE JOVEM E A MEMÓRIA DA GUERRA DOS SEUS AVÓS…



O Prof. Luís Tavares apresentou-me. «O José Eduardo esteve na Guerra Colonial, já escreveu um “Diário” e um livro sobre os seus tempos da Guiné e aceitou o convite da nossa Escola para falar sobre o assunto," dentro do programa de actividades do “Acontece D. Pedro I”.  Vai, em jeito de conversa, falar uns minutos e depois responderá às vossas perguntas. Ponham os vossos telemóveis em silêncio e… vamos ouvir».

O auditório estava cheio. Olhei para o relógio. Eram 10h05. Comecei a falar para 120 alunos dos 9ºs. A, B, C, D e E, com idades compreendidas entre os 14 e 18.
Ensaiei um “quadrado” entre os jovens que se sentavam na parte central do auditório. Houve risota e alguma confusão mas aceitaram bem a minha proposta.
Disse-lhes que mais tarde iriam perceber o porquê daquela “cena”. Tinha decidido centrar a minha “palestra” em dois temas e em dois tempos baseados na minha experiência de dois anos de Guiné.  Os temas escolhidos: o “baptismo de fogo” e a recuperação de populações. Os dois tempos: o da guerra e o da paz. Mostrei-lhes a capa do meu livro de memórias.
“Golpes de mão’s.”- Uma mão suja de sangue – do tempo da guerra – e uma mão suja de terra - do tempo da paz -. Evocando o trabalho na terra, o regresso das populações e as sementeiras da paz.

Seguiu-se a projecção de um “power point” com especial incidência na primeira operação militar –a do “baptismo de fogo” – que incluiu a “cena” do “quadrado” para perceberam como nos deslocávamos no mato e como poderíamos ripostar ao fogo do inimigo... sem nos matarmos uns aos outros.

E depois o tempo de perguntas e respostas. As habituais deste escalão etário. O medo, a morte, as armas, que língua falávamos com as gentes da Guiné, o correio, as madrinhas de guerra, a saudade, os meninos, o que aconteceu depois da guerra…
Mesmo a acabar a pergunta inesperada:
- Se pudesse voltar atrás iria de novo para a guerra?
Com a sua carga de ingenuidade a pergunta surpreendeu-me. Foi feita por uma jovem de 16 anos.
Para ganhar tempo fui-lhe dizendo que era uma pergunta pouco habitual. Que nunca me tinha sido colocada.
Estava de pé no palco do auditório frente a uma plateia que esgotava os 120 lugares.  Repeti diversas vezes a questão em voz alta e,  olhando para a miúda aproximei-me dela, apetecendo dizer-lhe:
- Que raio de pergunta?
Mas não o fiz.
Ia arrumando as ideias e finalmente respondi-lhe:
- Não se pode voltar atrás no tempo mas... se me tivesse sido possível, não teria ido. Mas se não tivesse ido,  não estaria aqui a partilhar estas memórias.  Nem teria conhecido os meus irmãos da “CCaç.675”…
E pela cabeça iam-me passando imagens e nomes. Em catadupas. Como rajadas de metralhadora. Da “675” revia o Capitão Tomé Pinto, o Tavares, o Santos, o médico, o Moreira, o Mesquita, o Cravino, o Figueiredo, o” Rato”, o “Campo de Ourique” ,o “Caldas”, o “Almeirim”… E da “Tabanca Grande”, o Luís Graça, o Vasco da Gama, o Mexia Alves, o José Belo, o Miguel Pessoa e a Giselda, o Jorge Cabral, o Carlos Vinhal, o M.R., o J.D. e tantos outros.
- Portanto…,  jovem,  a resposta à tua pergunta é que… à distância no tempo tenho mais coisas boas do que más. Tendo em atenção um rápido balanço das memórias que me passaram pela cabeça, vou-te responder que sim.  Valeu a pena ter ido à guerra… porque tive a sorte de voltar. Mas sou um homem de paz. E o que mais me marcou foi o que de bom fizemos depois do regresso das populações. Que nesses tempos longínquos teriam tido mais… do que têm hoje.
Olhei para o relógio. Marcava 11.25. Fiquei espantado. Como o tempo tinha passado depressa!
Ia jurar que tinha começado a falar há 10 minutos! Alguns miúdos vieram ao palco despedir-se de mim. Antes a “malta” tinha aplaudido. Foram simpáticos. Teriam saído dali a saber alguma coisa da”guerra colonial”, como tinha dito o Prof. Luís Tavares, ou da “guerra do ultramar”,  como tinha dito o velhote da barba branca!?
Alguma coisa lhes deve ter ficado. Digo eu. Que sou um optimista e acredito nos jovens. Assim também eles encontram na vida laços, inquebráveis, solidários, mesmo que nascidos de vivências e fadários. Porque esses nos unem… p’ra toda a vida.

Um grande abraço abraço de Alcobaça,

JERO
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

14 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro amigo Jero,

"Valeu a pena ter ido à guerra… porque tive a sorte de voltar. Mas sou um homem de paz. E o que mais me marcou foi o que de bom fizemos depois do regresso das populações. Que nesses tempos longínquos teriam tido mais… do que têm hoje."

E essa é a grande verdade que muitas vezes temos dificuldade em reconhecer.

Um grande abraço amigo,
José Câmara

Anónimo disse...

Grande Jero, são necessárias muito mais sementes como aquela que tu acabas de lançar com a palestra, pois estando os semeadores perto do fim da linha, quanto mais vozes da nossa geração forem ouvidas pela malta nova maiores serão as possibilidades que os combatentes têm em ser recordados no futuro por seres humanos e pensantes, ao contrário do desprezo que as entidades oficiais de ontem e de hoje nos devotam.

Quanto ao brilho da pergunta, não encontraria melhor resposta da que foi dada "o tempo não pode voltar atrás".

Um abraço ao Jero do amigo certo,

Vasco A. R. da Gama

Anónimo disse...

Grande Jero,
São dez e trinta e picos, para averbar a minha preguicite em tempo de férias definitivas. O dia está soalheiro, e a temperatura promete calores quase guineenses. Ao abrir o computador constatei a bela descrição da tua palestra aos estudantes de Alcobaça. Boa iniciativa do professor, a que correspondeste com generosidade e competência. O Vasco, sobretudo, já acentuou o aspecto da ligação inter-gerações, a humanidade dos jovens que foram convocados para a guerra, e tu, certamente, terás dado as respostas certas à ignominia de todas as guerras, onde quem participa, poucos interesses pode comungar com os que nas retaguardas delas tiram proveito.
Que bom seria haver seguidores em semelhantes iniciativas. Parabéns.
Um grande abraço
JD

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caríssimo Jero

Se eu soubesse tinha-me feito "pequenino" e teria ido ouvir a tua palestra.

É mesmo verdade que a idade dá bom senso e experiência para responder a perguntas dificeis, sem dúvida!

Não te "desenrrascas-te", ensinas-te, o que é bem diferente e é construtivo.

Curiosamente o meu filho mais novo, André, que tem 12 anos, fez este ano um trabalho na escola sobre a Guerra de África.

Como é o único que tem um pai suficientemente velho para ter estado na guerra, propos-me fazer-me uma entrevista.

Aproveitei para repor alguma verdade, nas "inverdades" que hoje se vão ensinando por alguns, mas sobretudo dei a tónica de que a guerra não serve a ninguém.

O curioso é que os colegas dele começaram a olhar para mim com um misto de respeito e admiração.

Que as nossas experiências sirvam para construir, muito mais do que dividir.

Se encontrar a tal "entrevista" enviá-la-ei aos nossos editores.

Um grande e camarigo abraço, meu caro Jero

Anónimo disse...

Caro Jero:
Mais uma vez conseguiste arrancar-me algumas lágrimas para “regar” os teus escritos e dificultar-me a leitura.
Um abraço,
A.Brandão

Anónimo disse...

Amigo,
São muito boas estas iniciativas de alguns professores e/ou escolas.
Em algumas escolas de Guimarães também se têm feito para além de exposições sobre o tema “A Guerra do Ultramar”, algumas sessões de esclarecimento sobre a mesma, dadas por pessoas que estiveram no Ultramar.
Em Março, no Salão Nobre do Museu Alberto Sampaio, assisti a uma Palestra sobre “Os Morros de Nóqui” dada pelo Ex-Alferes Miliciano, Manuel da Silva Alves, foi muito interessante. Também havia gente jovem na assistência
Abraço amigo e parabéns
Filomena

Luís Graça disse...

Meu caro Jero (falo aqui a titulo pessoal, não como editor do bloge):

O que gosto em ti é da autenticidade, da tua autenticidade… És um homem coerente e estás bem na tua pele.

Deixa-me dizer-te quanto apreciei o teu gesto, ao aceitar “dar a cara” pelos antigos combatentes da guerra do ultramar, para uns, colonial, para outros… Se estivesses na Guiné-Bissau, e tivesses combatido do outro lado, iriam pedir-te para falares como “antigo combatente da liberdade da pátria” (sic)…

Como portugês, nascido no Estado Novo, deste um exemplo de patriotismo, de saudável patriotismo, não de serôdio patriotismo. E esse é um valor que nos cabe transmitir às gerações seguintes, e sobretudo aos putos de hoje…

Tenho pena de não ter assistido, não à tua “aula” (não estavas lá como professor), mas ao teu “depoimento” como actor e testemunha privilegiada… Se eu fosse o Prof Luís Tavares, que te convidou, eu diria, ao apresentar-te (e se calhar foi isso que ele disse):
- Meninos e meninos, é um, privilégio (com i...) para a nossa escola ter aqui este senhor que combateu na guerra do Ultramar, e que foi um grande português, tendo sabido fazer a guerra e preparar a paz…

Quanto à tramada (e inevitável) pergunta da miúda (o que farias, se pudesses voltar ao princípio,ir ou não ir…), deste a resposta mais inteligente, e a menos “politicamente correcta”… - Não e sim, o que não é nim…

É uma pergunta que não tem “resposta certa”, porque os seres humanos não decidem em abstracto, mas sim em situação, em situações concretas… Somos animais de "racionalidade limitada" (diz o Herbert Simon, que foi Prémio Nobel... da Economia, se não me engano por volta de 1968).

E as circunstâncias, históricas, em que tivemos de ir para a Guiné “em defesa da Pátria”, tu e eu, todos nós, são irrepetíveis…

É uma pergunta tramada, porque é a resposta é do foro mais íntimo… "Não tinhas de responder", mas tiveste a "coragem de responder"...Não podemos defraudar e decepcionar os putos, que são curiosos e “bebem o nosso exemplo”, como figuras de referência que somos, os mais velhos (ou devíamos ser)… A única coisa que eles não aceitam é a gente mentir-lhes…

E a tentação aqui é dar uma resposta “estereotipada”, “politicamente correcta, à esquerda ou à direita”, "propagandística", "ideológica", ou até "socialmente desejável" (conforme o auditório)…

Eu não saberia responder melhor do que tu, quando muito era capaz de devolver a pergunta à miúda (não tão miúda quanto isso, com 16 anos):
- E tu, agora que as mulheres podem seguir a carreiras das armas, nas nossas forças armadas, se estivesses no meu lugar, o que farias ?

Muitas vezes, como pais, educadores, professores, não nos compete dar respostas, ou todas as respostas, mas ajudar a fazer boas perguntas… Ajudar a pensar, a saber pensar.. E foi isso que tu fizeste. Com inteligência emocional.

Parabéns, Jero, estou orgulhoso por te ter como camarada e como amigo, independentemente das razões por que tu e eu fomos parar à Guiné… Fdelizmente sobrevivemos os dois para nos podermos conhecer pessoalmente, quarenta anos depois... e estarmos agora aqui sentados, virtualmente, sob o frondoso, fraterno e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande...

Luís Graça

PS - E agora tomava mesmo contigo, de bom grado, uma bica, acompanhada por um doce conventual, numa das magníficas esplanadas de Alcobaça, frente ao "teu" monumental mosteiro... no intervalo da leitura, chata, de mais um relatório académico, coisas do meu ofício que seguramente não dão a mesma "pica" do que falar, para uma plateia de miúdos do 9º ano, sobre uma "experiência única e irrepetível", para jovens como tu e eu, que foi a "experiência da guerra da Guiné", com tudo o que "bom e mau" isso representou... (Não sendo "contabilista", nunca fiz, nem nunca farei, e muito menos saberia fazer, o "deve e haver" dessa época da minha vida)...

Luís Graça disse...

Jero: Tens a tua caixa de caixa de correio "entupida até ao tecto"... Vê o que se passa... LG

António Martins Matos disse...

Sem palavras, só uma lágrima ao canto do olho.+

Juvenal Amado disse...

Aquelas crianças talvez nunca tenham que combater.
Hoje alguns pensarão o que nos levou aquela guerra, pois dela só ficaram as nossas estórias,a nossa amizade, que até à nossa família já enfastiam.
«Lá está ele a falar da mesma coisa»
Mas talvez tu tenhas dado um pequeno passo para que nunca se esqueça, o que nos levou ainda meninos pouco mais velhos que os jovens que se sentaram para te ouvir, a pegar numa arma sofrer, com o calor , com a sede, matar e morrer naquelas terras distantes, que na 4ª classe tínhamos que conhecer de lés a lés embora no mapa.
Era bom dizer no fim, que o conhecimento dos factos impedirá que os nossos jovens tenham que também pegar em armas. A História nunca nos garantirá que a situação não se repita e às vezes, é necessário combater para atingir a Paz.
Também gostaria de ter assistido à tua palestra.

Jero de Fátima num dia cheio de Sol recebe um abraço deste alcobacense que não se resigna a esquecer a sua terra.

Anónimo disse...

Caro JERO
Sinceramente Gostei.
Mais palavras para quê ?
Mantenhas
Luís Borrega

Luís Graça disse...

Jero, adorei essa de "fazer prova de vida"... Fino humor de caserna... Vou adoptá-la para contar o número de "tabanqueiros" vivos, saudáveis e proactivos...

Anónimo disse...

Caro José Eduardo!

Gostei de saber, que as escolas já manifestam interesse em dar a conhecer aos jovens, o que foi a guerra das ex-colónias.
É preciso que a geração dos nossos netos saiba, para que perpetue a memória e analise um tempo de guerra, sem proveito para ninguém.
Aos nossos filhos pouco se falou do assunto, porque os pais e toda a família ainda muito abalados pelo recente acontecimento, evitavam naturalmente falar dele:
Mas, enquanto os avós ainda vivem, é que se deve passar o testemunho, para que eles digam que ouviram o relato dos acontecimentos aos próprios combatentes, seus avós.
Acredito, que a sua palestra é precursora de muitas que se lhe seguirão, porque é importante que os nossos jovens tenham conhecimento, para que sejam eles a relatar à geração vindoura, esse acontecimento da História contemporânea do nosso País.
E quem contará melhor, do que quem viveu e sentiu na pele, os efeitos do referido confronto?

Um Abraço

Felismina Costa

P.S Lembro-me perfeitamente do meu avó me relatar muitos acontecimentos da 1ª e 2ª Grande Guerra!

Fernando Santos LDG Montante disse...

Pois é estamos com a consciência do dever cumprido,se eu fosse desertor ou alguma coisa do genero que prejudicou de alguma forma os companheiros que estavam no terreno
teria vergonha de me candidatar a comandante supremo das F.A.