sábado, 16 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)



1. O nosso Camarada Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pilav - BA12 -, Bissalanca, 1972/73, régulo da Tabanca dos Melros, enviou-nos em 14 de Abril a seguinte mensagem.
Camaradas,
Falando do nosso destacamento em Nova Lamego, para além de contar as minhas experiências, também fazer algumas considerações “em jeito”de comentário ao poste P7807 do nosso Tenente [António Martins] de Matos, publicado na Tabanca Grande.


Malta da FAP na BA 12 em Bissalanca

Já foi referido que por um período de 1 semana, eram destacados meios aéreos para N. Lamego, que consistiam em uma DO, um Héli e um Hélicanhão, com três pilotos, dois mecânicos e um atirador do canhão (não sei se foi sempre assim e desde quando).
Curiosamente na minha caderneta de voo (é o único auxílio da minha memória) constatei que, quase em fim de comissão, fiz duas semanas seguidas, não me recordando minimamente das razões para tal.
Tudo isto para que houvesse proximidade às Tropas no terreno e evitar as demoras de uma deslocação da Base.
Só era destacado um piloto, quando já tivesse alguma experiência do TO da Guiné e quase sempre um miliciano, pois os do quadro, mais velhos (não necessariamente mais experientes no Ultramar) tinham quase sempre família e residiam na cidade, não sendo escalados, salvo excepções.
Se a memória não falha, um dos pilotos teria que ser sempre um oficial (faria parte das NEP), mesmo que não fosse mais antigo e experiente no TO.
A FA estaria assim à altura, com oficialato, para dignas relações com as FT e respectiva colaboração sendo de véspera programado toda a actividade aérea, excepto para as evacuações por motivos óbvios.
A excepção eram as evacuações, pela manhãzinha, porque de véspera já não era possível. O meu primeiro contacto com o Leste, ainda muito pira, foi numa viagem a Pirada e ia correndo tudo muito mal (ver no blogue especialistas da BA12, o poste 1040, de 14 de Junho de 2009).
Eu de DO, para além de evacuações, deslocava-me onde fosse necessário e por indicações das chefias das FT em sintonia com as regras acordadas para a colaboração com a FA.
Nessas viagens, habitualmente eram visitadas as Companhias no mato a partir da sede do Batalhão pelo Comandante respectivo e, para além deste, transportávamos víveres frescos, carga geral e o sempre apreciado correio, para além de outros militares em deslocação.
As viagens eram sempre de curta duração e mesmo acumuladas dificilmente esgotavam as horas disponíveis.
Quando tínhamos evacuações é que se fazia muitas horas de pilotagem, pois cheguei no mesmo dia a ir duas vezes a Bissau e tudo somado a perfazer 5 horas seguidas.
Claro que à noite, porque estávamos soltos, se calhar nos excedíamos do normal. A manhã podia começar com o pequeno-almoço na varanda do Mounir, quase em frente dos nossos alojamentos, onde se começava com ovos mexidos e salada de tomate, acompanhado com chá frio e café com mezinha.
Por vezes tínhamos sobremesa com fruta fresca e chocolate (onde é que já ouvi isto?) nos fundos do estabelecimento do nosso amigo (só nos recomendava que lavássemos com sabão no fim).
Também aqui ele cozinhava, eventualmente, alguma caça que o canhão abatia para os esfomeados.

Insiro esta foto esclarecedora (soldado condutor do Exército, Olímpio, eu, Direitinho, Vítor Afonso e Cardoso de cócoras. Falta o mecânico da DO, podia ser o Falcão, Pascoal ou outro).

Nunca me preocupei com o excesso de horas para além do pré definido, eu gostava muito de voar, com 20/21 anos tudo é possível, e percebia que o meio aéreo era importante para as tropas no terreno.
Nunca me senti usado com excesso de horas, pois em todos os momentos éramos comandantes da aeronave e tínhamos regras bem definidas para cumprir se o quisesse, e tinha o manche na mão (faca e queijo).

Nunca me senti um rapazito, sim um rapazinho que tendo feito 20 anos a 5 Março 72, embarquei a 6 Abril. Tinha contudo uma formação de cerca de ano e meio de cursos e tirocínios, rigorosamente igual à dos oficiais do mesmo curso, base para evolução adquirida na permanência na Guiné. Tinha mais-valia a experiência e capacidade de cada um, que propriamente o posto.

Recentemente, eu como muitos outros, comecei a conviver, nos blogues, tabancas e tertúlias, com outros ex Combatentes de outras armas, nomeadamente do Exercito, e comecei a conhecer melhor a realidade dos apelidados “burakos”, o que na época não aconteceu pois muitas vezes nem chegava a parar o motor do avião (nas evacuações acontecia) ou permanecíamos pouco tempo, não havendo tempo para grandes convívios sendo sempre muito bem recebido, um reconhecimento da nossa colaboração, nomeadamente nas evacuações e transporte de correio.

Descarregando os sacos de correio...

Havia locais (bu...rakos) que nos recebiam duma maneira quase surreal. Lembro-me de Guileje onde nos recebiam com bebidas na pista (nada de álcool), pensava eu que um barman de casaca branca, mas o Cor. Coutinho disse-me que era uma bajuda.

Do libré tenho a certeza, não sei onde. Alguém me ajuda? Na base de Bissalanca, o SPM (Serviços Postais Militares) tinha permanentemente um camião, estrategicamente estacionado, e sempre bem fornecido, que atento às movimentações de saídas de aeronaves nos solicitava o transporte de correio em sacos para os nossos destinos.

Agora olho com mais respeito e admiração para estes combatentes de todos os “bu...rakos” da Guiné.
Fui educado, em novo, a respeitar os pais, os mais velhos, os professores e as autoridades, e na tropa os superiores.

Agora respeito mais os outros valores: competência, personalidade, honestidade, etc e não os galões, títulos, canudos e cargos imerecidos. Isto vem a propósito do malogrado T. Cor Brito, onde para além do posto, também era competente e justo.

Um dia também me atrasei no começo de uma missão, cerca de meia hora a mais de cama, não em destacamento, e na chegada da mesma fui confrontado pelo meu chefe de esquadra, capitão x, e a minha desculpa não foi aceite, mesmo tendo cumprido a missão na íntegra.

Resultou na perda de uma viagem extra, bónus, de Nord à Metrópole, que por escala e antiguidade, era concedida aos pilotos e outros, para alguns lugares disponíveis, e mesmo sendo cansativa, sempre eram alguns dias em casa. Na altura fiquei triste e tentei demover da decisão o chefe do Grupo Operacional T. C. Brito.

Andei dois dias a rondar o seu gabinete sem coragem para o abordar (Os chefes, o respeito e a timidez!). Não consegui e só mais tarde é que aceitei e compreendi que ele não iria alterar a decisão/recomendação do Capitão. Respeitava-o como homem e como chefe.

Um abraço,
Gil Moutinho
Fur Mil Pilav da BA12

Fotos: © Gil Moutinho (2011). Todos os direitos reservados
__________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 comentários:

Gil Moutinho disse...

Caros amigos/camaradas/camarigos

Quero corrigir a legendagem da primeira foto deste post,que não é em N.Lamego,mas sim na BA12.Só queria
mostrar um grupo de esfomeados,pois fazíamos horas para uma tainada de gazela e porco do mato nas brasas com
muita bebida fresca,e cá este rapazinho com dias de Guiné(apesar de muito truncado).A foto dos caçadores e esfomeados é que é na placa dos hélis em N.Lamego.

Um abraço

Gil Moutinho

José Marcelino Martins disse...

Não é demais lembrar que destes camaradas da FAP, a dedicação à causa comum.
Jamais poderei esquecer a actitude de um furriel piloto que, ao chegar a Canjadude, lhe perguntei se trazia correio, pois já estavamos há 15 dias sem qualquer correspondência de casa.
De imediato voltou a entrar na aeronave e, pouco tempo depois, regressava com o correio tão pretendido.
Esta actitude não era das normas, mas era da amizade e camaradagem que a todos ligava.
Jão não me recordo do seu nome, mas a gratidão pelo seu acto perdura, em relação a ele e a todos os outros FAP.
Se ele se lembar e vir este comment, que contacte.
Abraço camarigo.

Anónimo disse...

Ora aqui está um comentário de amigo e gratificante do José Marcelino Martins."não é demais lembrar destes camaradas da FAP, a dedicação à causa comum".Estes não nos acusam de não aparecer qdo e onde necessário, como os senhores dos galões~(bastantes) que esses sim, diziam que o pessoal do ar não saia de Bissau.E mesmo hoje do alto dos seus galões, ainda dão umas bicadas na rapaziada do ar.Um abraço para todos os camaradas que nos reconhecem apesar do nosso ar de rapazinhos na altura, mas prontod a darem tudo de si mesmos.
CGaspar