terça-feira, 3 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8208: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (37): 3 de Maio de 1966, o dia D de desembarque em Lisboa




1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Acabei de escrever um texto que tem a ver com o regresso da minha CCAÇ 675.

Saímos de Bissau a 28 de Abril e chegámos a Lisboa em 3 de Maio de 1966.

Gostava de ver no nosso blogue esta "postagem" no próximo dia 3 de Maio de 2011, 3ª Feira.

Por ironia do destino tenho uma intervenção cirúrgica marcada para esse dia a um sacana de um joelho… com 71 anos.


3 de Maio de 1966

Esta memória que agora recupero tem 45 anos!

Tem a ver com a minha chegada a Lisboa depois de cumprir 2 anos de serviço militar na Guiné.
O desembarque aconteceu em 3 de Maio de 1966.

Dos 5 dias da viagem de regresso quase nada recordo.
O que recordo como mais marcante foi o momento em que entrei dentro do «UÍGE» ainda no Cais de Bissau.
Nesses tempos entre o Cais e o navio havia umas boas dezenas de metros a percorrer, distância que era feita numa pequena lancha a motor. Terei sido dos últimos a embarcar às voltas com um caixote que trazia com coisas pessoais (as minhas papeladas e uns panos guineenses compradas no mercado de Bissau no dia da partida).

O caixote era grande, difícil de transportar e, devido à ondulação, quase me caiu à água quando finalmente consegui agarrar a escada do portaló, que nos permitia subir a bordo do navio.
Lembro-me do grande alívio que senti quando finalmente entrei no navio e «pisei» terreno seguro.

Depois… segue-se um vazio na minha cabeça que, não é total, porque tenho fotografias desses tempos.

Quando tempos depois organizei o meu álbum de fotografias coloquei na mesma página uma foto à partida e uma foto do regresso. Foi impressionante constatar como dois anos tinham mudado tanto os traços fisionómicos da nossa gente. Miúdos à partida e homens feitos na viagem de regresso.

E não regressaram todos. Faltaram o Soldado Ap Met Augusto Gonçalves (morto em 29.Julho.1964), o Fur Mil Atirador Álvaro Mesquita (morto em 28.Dezembro.1964) e o Soldado Atirador João Nunes do Nascimento (morto em30.Julho.1965).

Devido a ferimentos graves também nos tinham precedido na viagem de regresso oito militares evacuados, em datas diferentes, para o Hospital Militar Principal, de Lisboa: o 1º.Cabo Craveiro e os soldados Bessa, João Santos, António Filipe, João Alexandre, Carlos Coelho, Severino Dias e o “Caldas” (Joaquim Lopes Henriques).

Cinco dias depois da partida de Bissau, menos bem alimentados do que na viagem de ida mas sem “livro de reclamações”… foi tempo de arrumar as ideias. Já a pensar mais como civis do que como militares fazíamos contas à vida.


No dia 3 de Maio de 1966 Lisboa estava à vista e… a ponte sobre o Tejo já estava concluída!

O «UÍGE» aproximava-se lentamente dos cais, apinhado de multidão mantida a alguma distância por elementos da P.M.

Lembro-me de algumas assobiadelas com que os polícias militares foram contemplados pela malta que chegava.

Os PêEmes… só existem mesmo para chatear a malta!

DO NAVIO PARA O CAIS…

Ali estava eu, com as mãos apoiadas na amurada do navio, que finalmente acostava ao Cais de Alcântara.
Tinha esperado por aquele momento dois anos, dois longos anos.

E… não sentia nada do que tinha esperado!

Vamos lá entender o Mundo, as pessoas… se eu próprio me custava a entender!

Estava no final de uma longa «viagem à guerra», já tinha descortinado entre a multidão do Cais os que me tinham ido esperar e… nada. Ou melhor dizendo… muito pouco.
Afinal o que se passava comigo!?

Ainda hoje, a quarenta e tal anos de distância, tenho dificuldade de explicar o que se passou!
Sei que estava parado, quase apático, sem vontade de correr para a saída!

Terei sido dos últimos da minha Companhia a desembarcar.

Cheguei junto dos meus e recordo especialmente o abraço da minha mãe.

Mãe é mãe e sabia que tinha sido Ela a pessoa que mais tinha sofrido com a minha ausência de dois anos.

Para melhor a abraçar pousei no chão um pequeno saco de bagagem que trazia ao ombro. Neste saco transportava a máquina fotográfica e os últimos «souvenirs» de Bissau.

Quando acabou o abraço e me baixei para apanhar o saco ele já não estava lá…

Um amigo do alheio tinha-se aproveitado da confusão e tinha-o levado por engano…

Acalmei rapidamente as preocupações da minha mãe. Afinal eu ainda lá estava. Vazio, confuso mas…fisicamente presente.

Quanto ao ladrão isso que queria apenas dizer que… tinha regressado de novo à civilização!

Olhei mais uma vez para o mar.

Até sempre… Guiné!

Quarenta e cinco anos depois tenho o privilégio de todos os dias poder recordar lugares, rever amigos, reler irmãos sob o frondoso, fraterno e sagrado poilão da nossa Tabanca Grande...

São esses os meus “créditos” 45 anos depois do regresso da Guerra do Ultramar, ou Colonial ou da Independência…

Com uma paz diferente da que tinha DO NAVIO PARA O CAIS… em 3 de Maio de 1966.

Um abraço fraternal de Alcobaça,
JERO
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

20 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7826: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (36): Ida ao dentista em Farim (JERO)

5 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro Jero

Em primeiro lugar que corra muito bem a operação!

Mas, oh homem, nós já não temos idade para sermos Eusébios!!!

Essa sensação que descreves, também a senti, mas à partida no Niassa.

Fiquei estático sem nada sentir! Estranho, muito estranho!


Gostei de te ler.

Grande abraço

Torcato Mendonca disse...

Meu Caro Jovem Jero

Que a facadita no joelho tenha decorrido bem.
Convalescença rápida, natural num homem de força e sorriso aberto.

Um Abração do T.

Carlos Vinhal disse...

Caro Eduardo
A esta hora o teu joelho já foi operado. Que tenha corrido tudo pelo melhor.
Não é ironia, caro amigo, mas tu tens um com 71 anos e eu tenho dois com 126. Vale-me que nunca me doem os dois no mesmo dia.
Votos sinceros de rápidas e definitivas melhoras.
Carlos

Hélder Valério disse...

Caríssimo JERO

Gosto bastante destas tuas reflexões pois acabam por revelar 'traços' bastante comuns ao que eu penso da maioria das situações.

Gosto desse teu 'contraponto' entre as imagens da ida e as da vinda. É um bom exercício.
E também daquela tua atitude 'inexplicável' (será?) de de ficares expectante naquele momento final (sabemos agora que não era o 'momento final', em relação à Guiné, mas naquela altura não podíamos imaginar o que estamos a fazer hoje).
Acho que também eu me interroguei sobre como seria o meu comportamento quando 'fechasse a porta' da guerra e entrasse na nova 'batalha da vida. E isso me dava alguma nostalgia sobre o que estava quase a acabar (para mim) e sobre o qual já conhecia as regras do jogo...

Enfim, outras histórias.

Abraço
Hélder S.

Unknown disse...

Também eu e que saudades da mocidade que nos foi fugindo.
abraço
Fernando Moreira
Ex-fur.lulº. Cartª. 676