segunda-feira, 11 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8539: Dando a mão à palmatória (28): Na melhor nódoa cai o pano... ou: Não basta à mulher de César ser séria, é preciso parecê-lo (Luís Graça)

1. Na véspera de  sair de Lisboa, a caminho do Norte, onde me esperava uma alegre, bonita e comovente festa de família, envolvendo mais de 120 pessoas, publiquei no passado dia 7 o poste P8524 (*), com excertos de um artigo sobre o nosso camarada António Camilo, um dos veteranos das viagens de solidariedade, Portugal/Guiné-Bissau, por terra.


A acompanhar esses excertos, reproduzidos com a devida vénia, da revista Visão, de 3/2/2011, inseri também uma selecção de fotos do Camilo, tiradas numa das suas últimas viagens ao sul da Guiné-Bissau, e mais exactamente a Guileje, em 2010. Entre essas fotos, e sem qualquer legenda específica (ou simples explicação), figurava uma placa [, imagem à esquerda,] com os seguintes dizeres, em quatro parágrafos:


“Após o assassinato de Amílcar Cabral a 20 de Janeiro de 1973, em Conakry, o PAIGC lança uma grande ofensiva militar e política – precisamente designada Operação Amílcar Cabral ou Abel Djassi – que visou demonstrar a sua capacidade de iniciativa em toda a extensão do território da Guiné-Bissau e, ao mesmo tempo, consolidar as condições para a proclamação unilateral da Independência, que viria a ocorrer a 23 de Setembro desse mesmo ano, em Madina de Boé.

“Essa operação obtém uma inequívoca vitória em Guiledje, com a ocupação do respectivo quartel, entretanto abandonado pela tropa portuguesa.

“Dez anos após o início da acção armada contra o colonialismo português e mesmo após ter sido assassinado o principal inspirador e organizador da Luta de Libertação, a queda de Guiledje foi determinante para o futuro da Guiné-Bissau e não deixou de ter consequências no que veio a ser, o movimento militar vitorioso contra o regime de Marcelo Caetano”.



E a placa, que figura no Núcleo Museológico Memória de Guiledje (**), sito no antigo quartel das NT, em Guileje, desde a sua inauguração em 20 de Janeiro de 2010, termina assim (4º parágrafo):


“Memória de Guiledje pretende promover na Região de Guiledje, no Cantanhez, o resgaste da memória colectiva e individual de quantos aqui combateram e viveram”.


2. O poste foi editado por mim, Luís Graça. No dia seguinte, o Carlos Vinhal, o nosso dedicado, incansável e sempre discreto co-editor que está 24 horas por dia de serviço ao blogue, teceu - com toda a legitimidade, e de acordo com as normas em vigor entre nós - , comentários sobre essa foto (e mais concretamente sobre o conteúdo dos três primeiros parágrafos da placa). Fê-lo a título pessoal, como simples leitor e membro do blogue. O comentário começava com a frase: “Confesso que não me lembro de alguma vez ter visto esta placa publicada no nosso Blogue” (…).  Depois de discorrer sobre questões factuais e de interpretação historiográfica, terminava, dando a sua opinião:


“Não será dar importância a mais a Guiledje? Agora sei por que nunca vi espanhóis nas comemorações da Restauração de 1640, os representantes da monarquia nas comemorações do 5 de Outubro de 1910 e dos ministros de Marcelo Caetano nas comemorações do 25 de Abril. Cada um com a sua verdade”.


Em suma, o meu querido camarigo Carlos Vinhal (CV) considerava a placa como uma peça de propaganda. E nesse sentido haveriam de se pronunciar nesse dia também os camaradas Joaquim Mexia Alves (JMA) e Torcato Mendonça  (TM), a título pessoal, insurgindo-se, nomeadamente o JMA,  contra o facto de haver referência explícita do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné a esta "iniciativa" da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento.


(...)  Já por aqui tinha passado e não tinha dado conta da placa e dos seus 'dizeres' Obrigado ao Carlos por nos ter chamado a atenção.

É por estas e por outras que deve haver um cuidado extremo nesta acções de solidariedade e apoio, pois de repente, quanto a mim, estamos a ser solidários com algo que é no mínimo 'inverdadeiro' e conduz a conclusões erradas. Esta placa é para mim um 'insulto', pois está carregada de mentiras, e de falsas conclusões.

Afirmo aqui, peremptoriamente, que não dou o meu apoio, enquanto membro da Tabanca Grande, Luís Graça & Camaradas da Guiné, e rejeito liminarmente esta acção no Guileje, muito especialmente esta placa lá colocada. (...)


A escassas horas de partir para o norte, e tendo-me apercebido do “desconforto”  que iria provocar a foto em causa, decidi como editor do poste retirá-la, pura e simplesmente. E com ela os comentários daqueles três meus amigos e camaradas (CV, JMA e TM), que eu muito prezo. Dei-lhes de imediato conhecimento nestes termos: “Queridos camarigos: Agradeço os vossos reparos... Havia uma foto, a mais, desnecessária... Tomei a liberdade de a retirar bem como os vossos comentários... A verdade é que eu não posso [nem quero...] 'alterar a realidade' com o Photoshop... Mas quero que o blogue continue a ser um lugar de encontro, e que esse lugar seja confortável, para todos... Vou até Candoz, tenho lá a minha outra tropa, 120 pessoas”…


Convém aqui lembrar que a génese e o desenvolvimento da nossa Tabanca Grande  se mantêm (e só são possíveis) na base numa relação de transparência, confiança e lealdade que tem já mais de 7 anos, entre os responsáveis do blogue e os demais membros. Como em qualquer organização, seja ela física ou virtual, da empresa ao clube de futebol, da unidade militar de elite a um simples blogue colectivo como este (que, caso raro, até tem um sistema de comentários, livre, sem moderação prévia)...

As reacções de outros leitores habituais e membros do blogue não se fizeram esperar: uns pensaram tratar-se de “anomalia técnica”, outros falaram logo abertamente em “censura”… O coitado do Carlos Vinhal, com quem tenho uma relação de trabalho transparente e leal, só dizia: "Estranho que o meu comentário, fundamentado, não insultuoso, devidamente assinado, tenha sido removido sem me ser dado conhecimento prévio"...


E, como em todas as boas ocasiões propícias ao "alvoroço do povo", não faltou até quem pedissse a cabeça do "responsável"... Pois, o responsável, está aqui, sou eu, e só não dei a cara, publicamente, mais cedo, por estar fora de Lisboa, por ter outros afazeres, impedimentos e limitações (incluindo de acesso à Net)...

Logo no dia 8, 6ª feira, ao partir para o Norte, ao fim da tarde, eu dei  conta, de imediato,  de que, face ao acontecido, tinha sido pior a emenda que o soneto… (Refiro-me a à retirada da foto da polémica placa e  dos 3 comentários a ela referentes)... Na realidade, tomei consciência de que tinha usado e abusado da minha prerrogativa como fundador, administrador e editor... E não adianta desfazer-me em mil e uma desculpas e conversas... Não basta à mulher de César ser séria, é preciso parecê-la...

 É verdade que a pressa (e o stress que a pressa origina) é muitas vezes inimiga da razão e do bom senso... Ou ainda: no melhor pano cai a nódoa... (Fazendo um trocadilho para explicar o título deste poste: na melhor nódoa, cai o pano... Isto quer dizer que a nódoa e o pano estão intrinsecamente ligados, formam um sistema, que não podemos dissociá-los, que em última análise não existe o pano sem a nódoa nem a nódoa é perceptível sem o pano...).


Confesso que saí de Lisboa, 6ª feira à tarde,  com um enorme desconforto psicológico, sabendo que  o meu comportamento iria ser objecto de justíssimas críticas e, mais, que rapidamente corria o risco de ser julgado em praça pública... Com limitações (técnicas) no acesso à Internet, ainda consegui mandar, na madrugada do dia 9, sábado, a seguinte mensagem ao Carlos:


Carlos:  Aqui tens a foto do Camilo [, a foto da placa de Guileje]... Se entenderes dever ser reposta, com os comentários do JMA e do Torcato, além do teu, estás à vontade...  Não sei que explicação dar.... Temos que encontrar uma solução airosa... A simples reposição, discreta, era o mais víável ... Não quero alimentar polémicas, em público... nem muito menos discutir questões que são nossas, internas...

Hoje é dia de festa, de anos, para alguns camaradas nossos, incluindo o meu especial camarigo Joaquim Peixoto [, que fazia anos, a par do Estorninho nesse dia, e a quem aproveito, dois dias depois,  para dar a ambos os meus sinceros parabéns,]  e eu também a tenho a casa cheia, 120 pessoas. 



No quero magoar ninguém nem ser magoado... O blogue serve para nos unir e não para nos desunir... Só cheguei [, a Candoz,] à uma e meia da noite, não deu para fazer nada... E hoje, como deves imaginar, não tenho condições para isso... Saberás encontrar uma solução inteligente, em que ninguém perca a face, a começar pelo autor da foto e os editores...Além disso, estou limitado pela Net. Um abraço de amizade e camaradagem. Luís " (...).


Telefonei ainda, nessa manhã de sábado,  para o telemóvel do Carlos, e tomei a decisão de, hoje, 2ª segunda, após o meu regresso a Lisboa, dar a explicação devida (mas quiçá tardia...) a todos os leitores e sobretudo aos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte, formalmente, da Tabanca Grande, e que são a razão de ser, ao fim e ao cabo, deste blogue e do grande investimento, em inteligência e em afecto,  que todos temos feito nele ao longo de mais de sete anos de existência...


O que aconteceu aconteceu, e foi lamentável. Não tenho qualquer pejo em reconhecer o meu erro, e dar a mão à palmatória (***), como já aqui aconteceu várias vezes ao longo destes anos. A foto em causa foi resposta bem como os comentários com ela relacionados, da autoria dos nossos camarigos Carlos Vinhal, Joaquim Mexia Alves e Torcato Mendonça (*). A eles, antes de mais, devo uma palavra de reparação, pelas emoções negativas que este caso lhes poderá ter causado. A mim causou-me, e quase que me ia estragando o fim de semana (Felizmente, que aqueles outros que eu amo, não têm a culpa do que aqui se passa,  as nossas naturais divergências e às vezes até picardias, que se é certo dão pica à vida, ou como dizem os ingleses, são o "spice of life", também podem às vezes ser "distressantes"...). 


O mesmo em relação ao nosso "fotógrafo", o Camilo, cuja idoneidade, sinceridade,  boa fé e grandeza (de corpo e alma) não poderão ser postas em causa, pelo que eu gostaria que ele fosse poupado em qualquer futuros comentários sobre o eventual "pomo da discórdia" (a dita foto da dita placa, que eu também estou a ver pela primeira vez)...


Amigos e camaradas (que espero poder continuar a estimar e sobretudo a merecer): Os conflitos têm sempre um lado positivo, o de ajudar a prevenir conflitos mais graves. Naturalmente,  têm custos emocionais... A sua resolução implica dispêndio de tempo e de energia, dois preciosos recursos que são  roubados a outras tarefas. Mais importante ainda, nada fica como dantes, contrariamente ao ditado popular, "Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"... Sete anos depois da criação, acidental, deste blogue, temos que ter mais cuidado quando falamos em nome dele, isto é, em nome do blogue onde não se fala nem se quer falar a uma só voz... No entanto, o que se passou neste fim de semana foi uma lição de vitalidade e liberdade. O nosso blogue está vivo e recomenda-se... A notícia da sua morte só pode ter sido um exagero... LG
______________


Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 7 de Julho de 2011 >Guiné 63/74 - P8524: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (30): António Camilo, na véspera da sua 15ª viagem de regresso àquela terra verde e vermelha, foi objecto de artigo do semanário Visão (3 de Fevereiro de 2011)

   
(**) Alguns postes desta série:

31 de Março de 2011 >
Guiné 63/74 - P8021: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (19): Quem ajuda a reconstruir a Casa do Comandante (Pepito)


9 de Março de 2011 >Guiné 63/74 - P7914: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (18): Mais achados 'arqueológicos' (Pepito)

25 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7670: Núcleo Museológico Memória de Guileje (17): recuperação e reconstrução da antiga messe de oficiais

 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6020: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (16): Um dia de ronco, um lugar de (re)encontros, uma janela de oportunidades (Parte I)

5 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5770: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (15): Um visita virtual (Parte II)

 5 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5769: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (14): Um visita virtual (Parte I)

4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5761: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (13): intervenção da Presidente da AD, Isabel Miranda, no dia 20 de Janeiro de 2010


(...) "O Museu 'Memória de Guiledje' é, antes de tudo, uma homenagem à geração de Cabral, a todos os que com o seu exemplo escreveram uma das mais belas páginas da nossa História. Mas é também um lugar de confluência de rios anteriormente desencontrados que hoje procuram um caminho comum.

"Encontro com os militares portugueses, aqueles que, embora em campo oposto, aprendemos a respeitar pela sua coragem e capacidade militar numa luta de longa duração e que, afinal, partilham os mesmos sentimentos de amor pela Guiné-Bissau e pelo seu povo, pela sua humildade, dignidade, valentia e determinação, os quais sempre souberam distinguir o povo português do regime colonial que a ambos oprimia .

"Hoje, em liberdade, reencontramo-nos com emoção, com vontade de juntar memórias, recordações, encontros e desencontros, voltar a caminhar juntos num caminho de respeito e progresso.

"Saudamos a presença da Srª Julia Neto, esposa do capitão José Neto que tanto amou este canto e que tanto contribuiu para que o Museu 'Memória de Guiledje' fosse um êxito. Poucos dias antes de falecer, deixou-nos o seu desejo mais profundo: 'hei-de voltar a Guiledje', disse. A sua esposa, Srª Julia Neto, está hoje entre nós para realizar esta sua última vontade. Através dela saudamos todos os militares portugueses das 12 companhias que passaram por Guiledje e que quiseram deixar um pouco das suas recordações (aerogramas, fotografias, filmes, contos e narrativas). (...).


4 de Fevereiro de 2010 >  de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5760: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (12): Cerimónia da inauguração, a 20 de Janeiro de 2010, e visita, a 29, de uma delegação cubana (Pepito)

30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5731: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (11): Inauguração da mesquita, almadjadja, com a presença do filho do Cherno Rachide e da Júlia Neto (Pepito)

(***) Último poste da série > 3 de Junho de 2011 >Guiné 63/74 - P8370: Dando a mão à palmatória (27): Silvino Manuel da Luz: troca de fotografias (Nelson Herbert / Beja Santos)

3 comentários:

Anónimo disse...

Reparada a "avaria" (chamei-lhe mecânica em vez de técnica), deixa de ter sentido chamar a atenção da sua existência, pelo que peço para retirarem o meu comentário do outro poste.
Como se costuma dizer: "p'rá frente é que é Lisboa". Aqui tenho pouca sorte porque se for de casa 300 metros em frente, vou parar ao mar.
As avarias acontecem. O que é preciso é repará-las.

Um abraço a todos,
Carlos Cordeiro

Carlos Silva disse...

Luis

Com a tua explicação fica tudo em "águas de bacalhau"
Afinal, tratou-se de assunto tabu
Fiz um comentário mais longo, mas foi ao ar e já não tenho paciência para reconstituir.
Um abraço amigo
Carlos Silva

Anónimo disse...

Tendo já encontrado esta placa "Memória do Guiledje" em algumas publicacöes internacionais ,seria interessante saber quem a escreveu,e quando.Creio ter pertencido a documento de contexto mais vasto,sendo daí "extraída".Será assim? Algum dos Camaradas ,ou leitor do blog,terá dados sobre este assunto? Um abraco.