segunda-feira, 11 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8542: Notas de leitura (255): Guia Político dos Palop, por Fernando Marques da Costa e Natália Falé (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Este guia teve em consideração os factos ocorridos com o desmembramento da URSS, refere os primeiros sinais da liberalização política e económica. Tem dislates históricos graves, incompreensíveis e nalguns casos indignos. É uma leitura útil nalguns aspectos, mas que requer muitas outras complementares para se perceber o puro desvairo das nacionalizações sem atender ao que se passava no mundo e sobretudo às fragilidades de um país paupérrimo que acabava de sair de uma guerra sanguinolenta. Vale pelo que vale, é um texto profundamente datado, uma curiosidade.

Um abraço do
Mário


Um olhar sobre a Guiné-Bissau em 1992

Beja Santos

“Guia político dos PALOP” por Fernando Marques da Costa e Natália Falé (Editorial Fragmentos, 1992), é um estudo dos PALOP logo após o colapso da União Soviética. Recorde-se que ao tempo Angola e Moçambique viviam em guerra civil, com as suas economias destroçadas, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe mostravam-se incapazes de encontrar viabilidade para as suas economias e melhorar os indicadores do desenvolvimento e mesmo Cabo Verde em melhor situação, graças à remessas dos emigrantes, continuava governada por um regime autoritário. É facto que S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde encetaram, de forma exemplar, processos de transição democrática. Como recorda um dos autores, “A Guiné-Bissau, apesar da ausência de guerra civil, tem ainda um calendário mitigado de reformas”.

Este guia é apresentado como material de base de utilidade para todos aqueles que têm de lidar com a nova realidade política dos PALOP. Vejamos o que os autores nos propõem, no enfoque da Guiné-Bissau. Lamentavelmente, o seu resumo histórico está recheado de dislates: O PAIGC não foi criado em 1956 mas em 1959; em 1972, as Forças Armadas Portuguesas não estavam confinadas a Bissau e as escassas áreas costeiras; tem sabor apocalíptico dizer que “Os cerca de 40 000 militares portugueses a lutar na Guiné começaram a registar pesadas baixas em 1973 e até à eclosão da revolução em Portugal.

Encontra-se mais acerto nas notas referentes ao país independente: a postura de não alinhamento; as consequências do golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980; a sucessão de golpes e contragolpes em que terão estado envolvidos Nino Viera, Vitor Saúde Maria, Paulo Correia e Bartolomeu Pereira.

O quadro económico aparece esquematicamente apresentado e merece leitura: tudo foi nacionalizado e rapidamente emergiu mercado paralelo, as vendas da Casa Gouveia passaram para os Armazéns do Povo e a compra da produção agrícola passou para as mãos da SOCOMIN, cedo este sistema altamente centralizado descambou numa desgraça e a economia paralela floresceu. Como se escreve: “Os principais agentes económicos desta economia paralela eram os djilas que atravessavam as fronteiras do país com facilidade, desviando parte da produção agrícola dos canais oficiais. Os djilas importavam bens de consumo e de equipamento, clandestinamente, para responder à procura que não era satisfeita pelos Armazéns do Povo. Para comprar estes bens no Senegal ou na Guiné-Conacri necessitavam de divisas que obtinham com a venda de produtos agrícolas transportados (ilegalmente) para fora do país. Tratava-se pois de um sistema de contrabando nas duas direcções. Do ponto de vista dos produtores agrícolas era preferível vender aos djilas, que ofereciam preços muito mais favoráveis, que à SOCOMIN. Para dar um exemplo específico, os djilas pagavam três vezes o preço oficial por óleo de palma no Cacheu em 1984. Não lhes era difícil vender estes produtos nos mercados estrangeiros, obtendo assim as divisas com as quais podiam comprar bens para vender na Guiné-Bissau. A actividade dos djilas era lucrativa devido aos preços elevados dos produtos que vendiam, aproveitando a irregularidade e imprevisibilidade de oferta dos Armazéns do Povo (…) A centralização da economia levou por vezes a situações verdadeiramente absurdas, como é o caso de um posto de venda dos Armazéns do Povo em Bubaque, nos Bijagós, que durante a época de Natal de 1983 estava cheio de bens importados que não puderam ser vendidos até Janeiro por não ter chegado de Bissau a lista de preços afixada pela administração”.

O Banco Mundial fez inúmeras recomendações para a exploração de recursos naturais: pescas, floresta, bauxite, fosfatos. Esta exploração processou-se em muitos casos de forma descontrolada, para benefício de alguns políticos e, regra geral, saldou-se no agravamento dos problemas ambientais.

O manual refere o projecto do Código de Investimento, alude à lei sobre as pescas, apresenta o quadro elementar da Constituição da República e a lei quadros dos partidos políticos, aprovada em 1991. Na época, o associativismo político comportava as seguintes forças partidárias: FCG – Fórum Cívico Guineense, FD – Fórum Democrático, FD – Frente Democrática, FDS – Frente Democrática Social (liderada por Rafael Barbosa e de onde saíram como dissidentes Aristides Menezes, Vitor Saúde Maria e Cumba Ialá), grupo da Carta dos 121, GRCDD - Grupo de Reflexão para a Convergência Democrática e o Desenvolvimento, MUDe – Movimento para a Unidade e a Democracia, PAIGC, PRS – Partido da Renovação Social, liderado por Cumba Ialá, PS – Partido Socialista, PUSD – Partido Unido Social Democrata, RGB/BAFATÁ, conhecida por a Resistência da Guiné-Bissau, então liderada por Domingos Fernandes Gomes.

Obviamente que se trata de um texto datado, tinha como destinatários todos aqueles que pretendiam seja investir ou fazer negócios seja acompanhar a evolução política após a ruptura com o mundo do comunismo soviético.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8523: Notas de leitura (254): História da África Lusófona, por Armelle Enders (Mário Beja Santos)

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