domingo, 17 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8564: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (26): A minha primeira vez

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 17 de Julho de 2011:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas andanças pela Guiné. Tenho a certeza que a sua leitura despertará reacções e emoções desencontradas. Isso é precisamente o meu objectivo ao abrir um livro que é por demais íntimo.
Deste episódio e do seu desenlace último nunca me arrependi. Preparou-me para outras oportunidades bem mais difíceis que esta. Um dia, se possível, lá chegarei.
Ainda hoje, quando lembro deste desencontro sexual da minha vida na Guiné, dá para um sorriso. Afinal já sou um sexa e posso dar-me ao luxo deste tipo de indulgência.

Um abraço muito amigo para ti e para os camaradas que tiram o seu tempo para lerem estas pequenas coisinhas.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (26)

A minha primeira vez

Nos anos sessenta, a juventude açoriana, cercada por princípios de ordem moral e religiosa e ainda pela pequenez do meio onde toda a gente sabia tudo, tinha que ter muito resguardo sexual. Nas ilhas, raparigas namoradeiras ficavam quase sempre solteiras e os rapazes sujeitavam-se a nunca serem pais.
Era na tropa que muitos mancebos, saídos do seu ambiente habitual, tinham a sua primeira experiência sexual com elemento do sexo oposto. Para os que o conseguiam era o esvaziar de um sonho tantas vezes recalcado ao longo das suas vidas ainda jovens.

Como açoriano prezado que era dos meus princípios sociais e religiosos também passei por essa sede recalcada durante os anos da minha juventude. Já na tropa nem Tavira, Funchal ou Angra do Heroísmo me proporcionaram as oportunidades de saciar a sede sexual. Confesso que também não as procurei.

Foi na Guiné, mais propriamente em Teixeira Pinto, que surgiu a grande oportunidade. E que oportunidade!
Andava eu pela Mata dos Madeiros quando tive que me deslocar a Bissau para ser vacinado contra a febre-amarela e marcar a minha passagem para ir de férias aos Açores.

Por motivos alheios à minha vontade tive que desistir desta passagem. No ano de 1971 acabei por não gozar as férias a que tinha direito.

A escolta a Bissau para além de ser muito perigosa, sobretudo o troço entre os quartéis do Pelundo e Bula, era extremamente cansativa. Tínhamos que pernoitar em Teixeira Pinto encostados a uma parede qualquer ou no assento do unimog, um luxo para quem estava habituado a dormir na terra todos os dias. No regresso conforme a hora da chegada a Teixeira Pinto podíamos pernoitar ali, mas quase sempre íamos fazê-lo ao quartel do Bachile. Este ficava muito mais perto do acampamento. Isso facilitava a vida daqueles que tinham que avançar para o mato logo à chegada.

Sobre a deslocação a Bissau escrevi um aerograma à minha madrinha de guerra:

“Mata dos Madeiros, 7 de Junho de 1971
Este aerograma será para umas breves notícias. Hoje de manhã vim do mato e daqui a pouco vou para Bissau. Devo regressar depois de amanhã. Vou ao hospital civil levar a vacina contra a febre-amarela; preciso de a ter para quando for de licença. Também irei à Agência de Viagens.”

Chegados que fomos a Teixeira Pinto, enquanto aguardávamos pela hora do recolher para um merecido descanso, eu e o Fur Mil APes Manuel Lopes Daniel fomos dar uma volta pela avenida principal desta vila. Foi durante esse passeio que surgiu a ideia de irmos à procura de mulher que quisesse partir catota.

Se bem pensamos, só haveria que saber onde. Não faltaria quem nos informasse o que de melhor podíamos ter por aquelas paragens.

Beldade manjaca junto a um poilão (Edição da Confeitaria Império - Bissau)

Um dos nossos informadores apontou-nos uma casa que ficava para além de um café muito frequentado pela tropa, que ficava ao fundo da avenida e no enfiamento para Bassarel. Segundo a informação as frutas eram um pouco verdes, lindas, doces. Rematou que eram de gritos, apitos e de se chorar por mais.

Estava lançado o ambiente que nós, quais bezerros cheios de testosterona, desejávamos e precisávamos.

Tratava-se de duas irmãs jovens segundo a nossa informação. Para azar meu apenas estava uma e o Daniel tinha-se adiantado à porta. Desapareceu por ela, enquanto me preparei para aguardar.

Raios! O Daniel já de volta assim como quem entra por uma porta e sai pela outra. Nem à mão, sem menosprezo algum para esta anciã ferramenta, se conseguiria ser tão rápido. Logo compreenderia o porquê de tamanha façanha.

Ao entrar à porta deparei com uma mulher, a mãe da jovem, a cobrar o capim. Não me lembro quantos pés do dito me pediu. Na escuridão da casa era possível ver-se a um canto uma porca a amamentar bacorinhos; crianças dormiam profundamente numa cama e debaixo desta estavam cachorrinhos às turras com as mamas da mãe cadela.

A jovem, a grande razão de eu estar ali, disse-me que tinha apenas 16 anos; manjaca, negra luzidia, linda, convidativa, disposta ou obrigada à prostituição, num ambiente impressionante.

Rapariga Manjaca lavando roupa (Bassarel)

O peito encheu de ar, latejante o coração falou mais alto.

Meu Deus, eu ainda tinha princípios morais que nada conseguira destruir até então. Bem presentes estavam os conselhos maternos de afectividade e conduta social: nunca esquecer que tinha irmãs, não fazer pouco das filhas de ninguém, que os homens usavam calças por alguma razão.

Foi então que me apercebi que nada do que estava ali a viver tinha a ver com os meus sonhos tantas vezes acalentados. Voltei as costas. Ainda não seria desta vez que me iria prostituir.

Com o Daniel segui em direcção ao quartel. Cada um de nós embrenhado no pensamento da experiência acabada de viver.

No dia seguinte, muito cedo pela manhã, seguimos para Bissau. Nesta cidade fui tratar dos assuntos que ali me levaram. Para além disso, eu tive a oportunidade de visitar o meu grande amigo do Liceu Nacional da Horta, o Alf Mil Art. Eduardo Manuel da Silva Camacho, acabado de chegar à Guiné com a esposa Filomena. Como não podia deixar de ser, este casal, fresquinho da boda, andava, disseram-me eles, apanhadinho pelo clima.

Pudera, eu também andava, só que por uma razão muito diferente: a falta dele. Do clima pois claro!
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8479: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (25): Abençoada chuva que tanto tardaste

13 comentários:

Anónimo disse...

Como estive mais tempo em Teixeira Pinto, e fruto da imaturidade, enquanto vestido à civil,(fardado, não me permitia certos devaneios) a minha experiência nessa área ao fundo da Av. em Teixeira Pinto, era já um pouco avançada.Lembro-me que havia duas Amélias.A Zarolha e Açoreana. Esta última até tinha um filho,a que lhe foi dada o nome de capitão, por ser filho de um célebre Capitão do CAOP. Era um habitual jogador de pócker e ao que consta perdeu uns cobres, numa sala do tal café, ao fundo da Av.
Tenho saudades de Teixeira Pinto, pois para mim e em geral para o meu Grupo de Combate, para além de muita porrada na Coboiana e Ponta Matar, também, foi o período da minha vida, cujas folgas foram aproveitadas a 100%.Quando me aventurava por esses territórios, era igual ao Fontinha das Operações. Só depois de concluídas e de fazer «ronco» é que regressava!...

Aquele abraço.

Jorge Fontinha

Anónimo disse...

Lanço aqui um repto aos camarigos e porque não debater o tema "amor..perdão,sexo em tempo de guerra".
Já é tempo de mandar os tabús "ás malvas"

C.Martins

Luís Graça disse...

Meus caros: Obrigado ao José da Câmara pela ferscura e desassombro do seu poste...

Ao nosso artilheiro de Gadamael (e hoje médico) C. Martins (que tem um pé dentro e um pé da nossa Tabanca Grande):

O desafio já foi lançado várias vezes... Temos por aí diversos escritos sobre "o sexo em tempo de guerra", em poesia e em em prosa...

Por exemplo:

9 de Maio de 2009
Guiné 63/74 - P4306: Blogpoesia (46): O sexo em tempo de guerra (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/05/guine-6374-p4306-blogpoesia-46-o-sexo.html

O descritor "sexo" tem mais de vinte referências:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/sexo


O nosso camarada Vitor Junqueiro, hoje médico (como tu), escreveu sobre este tema um dos textos de antologia do nosso blogue (... mas que já correu muita tinta, neste caso "baites")...

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/01/guin-6374-p1475-chacun-sa-putain-ou.html

Anónimo disse...

Meus Caríssimos Camaradas.Excelentíssimo Senhor Editor do Blogue. O que é isso do..."sexo"? Um grande abraco desde a...SUÉCIA!!!

Juvenal Amado disse...

Meu caro J. Câmara

Como tu também eu era de uma pequena vila pequena onde os devaneios amorosos mais avançados tinham consequências, que nos levavam rapidamente ao altar.
Um local denominado Espinheira era a solução para as nossas mais prementes necessidades em matéria de sexo.
Na Guiné também me aconteceu ir para... e o facto de haver filhos a dormir na mesma dependência que na verdade era a única, também me inibiu de tal forma que saí como entrei.
Na altura fiquei preocupado com o meu desempenho e guardei para mim a estória.
A vida acabou por fazer esmorecer a importância que na altura e só a tua estória me fez reviver esse episódio.

Um abraço

Anónimo disse...

Não, nunca falei aqui de Sexo..

Que amnésia...oh! Tabanca!

Abraço.

Jorge Cabral

Anónimo disse...

Há muita amnésia... "consciente" sobre esta questão.
Aí vai um artigo na revista Análise Social. Pela bibliografia indicada no artigo, parece que não há muita investigação sobre a temática, no caso da Guerra do Ultramar, mas o Luís melhor saberá:

http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/68/RCCS68-043-063-Helena%20Neves.pdf

Um abraço,
Carlos Cordeiro

Luís Graça disse...

Quem se atreve a falar de sexo em tempo de guerra depois do Alfero Cabral ter escrito aqui uma das suas mellhores "short stories" (ou contos curtíssimos) sobre o Pilão ?

Tenho saudades do Alfero Cabral, agora que ele se jubilou (da escrita, do ensino, da academia, mas não da barra e, espero,que também não da farra...).

Mereece releitura, esse "curtíssimo"...

1. Estórias cabralianas (*) > Pilão: os 10 Quartos (**)
por Jorge Cabral


De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?

Para sempre ficou marcada na memória a cena dessa noite. No chão a ressonar e de pistola à cinta, um grande fuzileiro e, encostado a ele, todo enrolado em panos, um bebé. Na cama, ela, semi-adormecida, ordenando uma actuação silenciosa...

Esta a minha última imagem da Guerra e da Guiné, a qual merecia, penso, um Postal Ilustrado. Naquele dia comprara para os meus sobrinhos um pijama chinês e uma boneca. Pois não é que lá deixei o respectivo embrulho ?!...

Em Julho de 2004, fui a Bissau e muito estranhou o Senhor Reitor, que eu quisesse visitar o Cupilon. Mas quis. E visitei. E lá permaneci a olhar as mulheres e os homens. Qual delas terá brincado com a boneca? Qual deles terá usado o pijama? Ter-me-ei mesmo esquecido do embrulho? Ou, sem total consciência, ofereci na altura duas prendas ao Futuro?

Jorge Cabral

Sobre o Pilão (que era ponto de visita obrigatório no roteiro de Bissai...) temos "apenas" 10... referências. Todos lá fomos, mas poucos escrevem sobre essas operações (em geral nocturnas e pacíficas...) ao Pilão, Cupilão, ou Cupilom...

Como vês, é pouco... O sexo (e a morte) continua a ser um tabu na nossa civilização judaico-cristã, meu caro Belo.

Luis Faria disse...

Caro amigo Câmara

Abordaste um assunto talvez com interesse bastante, mas ao mesmo tempo com muitas susceptibilidades nas possiveis várias abordagens, por força subjectivas,ao tempo,julgo.
O tema poderá "animar"estas páginas,mas...!
Um abraço
Luis Faria

Hélder Valério disse...

Caro camarada José da Câmara

Louvo aqui a tua coragem na divulgação desta história. Excelente!
E necessária.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro amigo José Câmara.
Faço minhas as palavras do Hélder Valério.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Caro camarada J.Belo
vou explicar o que é o sesso,perdão o sexo.
explicarei ..era uma vez uma flor e uma abelha ..a abelha..não.
Recomeçarei.. a Afrodite era a deusa do amor..perdão do sesso..sexo..e era muito libidinosa daí o termo ..afrodisíaco..bem.. continuemos..o que é que eu queria explicar...esqueci-me..peço desculpa..talvez aí na Suécia..terra de moças loi..ras mas não burras..
Um alfa bravo

C.Martins

Anónimo disse...

Caro Amigo e Camarada C.Martins. Fiquei ainda,se possível,mais "baralhado",mas creio que,praticando,lá acabarei por chegar...um dia!?.Comeco(só agora!)a compreender o que é que as tais loiras(lindas!lindas!lindas!),e...muito dadas...têm INSINUADO(!) durante estes 36 anos que por aqui tenho andado a...ver abelhas,colher flores,e a ler as obras (täo escandalosamente pornográficas dos Clássicos Gregos..(Vá de retro satanás!) Um grande abraco amigo.