segunda-feira, 18 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (55): O tio Quim Quim (Felismina Costa)



1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 18 de Julho de 2011:

Caro Editor e Amigo Carlos Vinhal, muito Boa-noite!
Recordando o passado, veio-me à memória esta pequena história de gente da minha aldeia, que a saudade aviva, e que tem o condão, de me fazer regredir à minha infância e juventude.

A foto anexa, é a casa de meus avós maternos, donde guardo as melhores recordações da infância e que envio apenas para colorir a história, ligando-a a esse tempo distante, onde cada habitante era parte integrante do clã.

Se entender publicar... o meu obrigada.
Felismina Costa


O tio Quim Quim

Felismina Costa

Lendo há tempos uma história do nosso amigo Juvenal Amado, O homem que certo dia teve três mães, trouxe-me à memória lembranças de gentes e factos da minha pequena Aldeia, e prometi a mim própria contar um dia uma história, também ela verdadeira, a que “Baco” não é alheio, cujo protagonista recordo nitidamente, mesmo com uma certa saudade, porque nos meios pequenos, estabelece-se entre os conterrâneos uma amizade muito próxima à dos laços familiares, até porque acabam todos por ter entre si, distantes, mas reconhecidos laços de sangue. Não seria este o caso, mas era com certeza uma pessoa que prezava e respeitava.

Já faleceu há muito e espero que ninguém se sinta ofendido com o que vou contar, que é apenas um apontamento, uma referência do próprio, ao seu “estado normal”.

O Tio Quim Quim, era um respeitado pedreiro da terra, chefe de uma digna família.
Recordo a esposa claramente, e os filhos.
Recordo a casa limpa, extremamente limpa, o jeito calmo e algo triste da esposa.
Recordo do citado, o seu jeito pacato, contudo revelando inteligência e comportamento social impecável.

Acontece porém, que o tio Quim Quim, não permitia que outros bebessem a sua parte e todos os dias, quando terminava o seu dia de trabalho, era ainda tempo de agasalhar as taças, que generosamente o inebriavam.

Como tão boa gente no tempo, os homens tinham apenas a taberna como forma de distracção, sobretudo nos meios rurais, e era ali, ouvindo as histórias do dia e do mundo, lidas no jornal diário, e as histórias tristes dos habitantes da terra, onde o pão para os filhos dependia única e simplesmente da sorte de ser escolhido para trabalhar uns dias para as grandes casas agrícolas, que de copo em copo, a vertical ia a pouco e pouco oscilando para caracterizar o estado.

Consciente de que todos os dias atingia uma cota razoável no estado de torpor, provocado pelo excesso etílico, respondia invariavelmente ao cumprimento normal de qualquer conterrâneo que o cumprimentasse dizendo: - Olá Ti Quim Quim, como vai isso?

Assumindo a realidade, respondia tranquilo, abanando a cabeça: - Não tem melhoras nenhumas!

Eu era adolescente ao tempo que isto se contava, mas sempre que recordo este assumir de um estado, que muitos negam, pese embora a evidência, provoca em mim uma gargalhada salutar, pela frontalidade, pela dignidade de assumir sem alardes, talvez mesmo contrito, uma realidade de que não se orgulhava, mas que era a sua.

Esta é uma personagem que povoa a minha memória, que recordo frequentemente, e que me arranca sempre um sorriso franco.
Que me faz regredir no tempo, que me leva à minha aldeia, à minha gente, que me faz recordar caminhos, vozes, pessoas, afectos.
E eu acabo também por ficar embriagada de lembranças felizes.

Felismina Costa
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8451: Blogpoesia (151): De manhã, sentindo o tempo (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8534: Estórias avulsas (113): Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO (Jorge Lobo)

4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Amiga Felismina

Olhei e vi uma casa Alentejana.
É linda não é? Não pergunto a si Felismina pois sei a resposta. Pergunto aos não Alentejanos.

Depois o Ti Quim Quim tem muito saber.
Suavizam, estas letras, outras, de gente que andou por aonde não devia.

o Juvenal talvez tenha razão.Talvez.

Eu prefiro ver a casa no Alentejo, as flores e o sentir as gentes,de cá. mas recordo o lá...

Obrigado e um Ab do T.

Hélder Valério disse...

Olá Felismina

É na verdade um retrato aparentemente 'datado'.
Hoje, as formas e os meios são outros, mas o resultado é semelhante. Encontrei na história do Quim Quim semelhanças do que se passava na minha aldeia natal, no Cartaxo, e que também já tinha reencontrado no retrato que o Brás faz nas 'Vindimas no Capim', relativamente à vida nas povoações à volta de Alenquer.

Abraço
Hélder S.

Juvenal Amado disse...

Felismina
Também eu vejo uma casa da aldeia onde vivi depois de casar, com as suas figuras mais ao menos pitorescas.
Fazendo um exame de memória passo em revista as pessoas e as suas alcunhas, muitas delas herdadas de avós que já se foram à muitos anos.
Assim relembro os que moravam na minha rua onde não havia uma única família que não fosse conhecida pela sua alcunha. A Emília «Policia» que morava ao dos José «Gato» que morava em frente do Raul «Passarinho» que por sua vez tinha como vizinho o Celestino « Macaco» mais a Emília « Pischineira» e mais o Luís «Devagarinho» que por sua vez era casado com Maria dos « Perna Curta» etc etc...

Enfim coisas do nosso povo comum em toda a parte, neste rectângulo à beira Mar plantado.

Um abraço

Anónimo disse...

É verdade Juvenal!

Recordando as pessoas, recordamos as alcunhas que quase todas tinham.

Só na rua dos meus avós tínhamos o " Perdigão" o tio "Jacinto do Monte" o tio "João Manhoso" a "Bruxa da Lagoa" O tio João que era Oleiro e que fazia panelas e malta lhe atribuía a alcunha correspondente... não imagina o que por lá havia de alcunhas!

Quanta saudade desses tempos, dessas gentes...
quanta saudade da minha infância!..

Um abraço, meu amigo

Felismina Costa