quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8703: Blogoterapia (187): Devaneios literários? (José Marcelino Martins)

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos este texto humorado, muito próprio para a época que atravessamos. Saibamos, já agora, ler as entrelinhas;

Meu caro Carlos VI (nhal)
Desculpa ter levado tanto tempo a "arranjar" esta promoção, porque 6 é + que 5.

Segue um devaneio literário ou "textos cruzados" em vez de "palavras cruzadas".
Se tiver algum interesse, publica. Se não tiver, não vale a pena arquivar ou devolver.

Com um grande abraço para todos,
José Martins


DEVANEIOS LITERÁRIOS?

O Signatário, cidadão português, no uso das suas faculdades cívicas e, nomeada e objectivamente mentais, profere e regista, o seguinte depoimento, para conhecimento da EVA (esta é a sigla da entidade que trata da recolha de órgãos), e tem por base, filosófica, um escrito de Tzu Yeh, que diz: “Mede cada minuto do teu tempo. Os dias voam. Em breve, tu também envelhecerás.”

Assim, com o avançar da idade, há que acautelar certas situações, evitando a outros um trabalho que acabaria por redundar em nada.

No aspecto financeiro está tudo já previsto: os parcos bens pessoais são propriedade conjunta com o cônjuge. Tenho um casamento com “comunhão geral de bens”, pelo que não posso dispor deles livremente, dado ser apenas co-proprietário.

No aspecto físico, determina a lei, que o Estado pode dispor do meu corpo, nomeadamente para a “recolha de órgãos”, susceptíveis de serem transplantados (Lei nº 22/2007., de 29 de Junho).


Comecemos pelos cinco sentidos:


Paladar
Não é um sentido muito representativo, representando, apenas, uma taxa de rentabilidade de 1%, mas não deixa de ser interessante como é que se pode saber como está o sabor? Essa é a questão: saber! Não foram devaneios gastronómicos que levaram a esta situação, se bem que os houve, lá isso é verdade. Mas o estado geral da saúde, levou à adopção de dietas extremas, que ao saber tirou sabor, pelo que está “fora de combate”.

Olfacto
Com uma rentabilidade, um pouco maior apesar de um “aumento de 3,5 vezes em relação ao anterior, está desvirtuado pelo intenso uso que lhe foi imposto. As situações a que foi sujeito, fê-lo orientar-se para situações específicas. Os cheiros, muitos e variados e com mudanças tão repentinas, que agora parece que lhe cheira sempre ao mesmo – esturro!

Audição
Este é outro dos sentidos que foi muito afectado, apesar de representar 11% da rentabilidade total dos sentidos. Por vezes muito barulho, outras vezes, um silêncio ensurdecedor. Muitas promessas sonantes, de encher o ouvido, mas esvaziadas de sentido ou possibilidade de o terem. Enquanto aumenta o nível dos decibéis, baixa o nível do rendimento auditivo, quase ao “zero”.

Visão
Aqui está o que maior rentabilidade devia apresentar, 83%, mas neste caso está com a produtividade baixa! Muito perscrutou ao longo dos anos. Como os olhos não estavam, nem estão, adestrados para cada um olhar em direcção diversa, na ambição de tudo captar parecem uns cata-ventos, tentando reter imagens para, mais tarde, as classificar e memorizar. Já só com ajuda de óculos, ou “bengala óptica”consegue “enxergar”.

Tacto
Representando a modesta posição de penúltimo na escala e com uma rentabilidade de 1,5 %, este é o tal, sentido, que cada vez é mais necessário, não apenas a mim, mas a toda a gente, Parece, “pelo andar da carruagem”, que é um produto que vai rareando cada vez mais. Aí está a minha preocupação: que o Estado saiba que o meu vai refinando e aperfeiçoando (para vencer é preciso, cada vez mais, tacto), pelo que tudo invisto nele, não só para que não falte, mas para que a cotação suba, o que não é despiciente. Mas este “sentido” não vai vivendo, vai “sobrevivendo”.

Analisados os sentidos, passemos aos membros:


Cabeça
É neste pedaço do corpo, na imagem desprovido de “embalagem”, muito esférico de forma, onde se alojam 80% dos meus sentidos. Não quer dizer que, pelo sitio onde se aloja uma percentagem tão grande dos sentidos, e ser tão minúsculo em relação ao tamanho total do corpo, esteja a “pressionar e/ou comprimir” os sentidos que me pertencem. É pequena e com muito uso, Mas pelo que vejo à minha volta, pelo que passou e está passando, ainda está muito bem “arrumada”.

Membros
Os inferiores, por pertencerem a um andarilho inveterado, parecem usados e que já deram a volta, ao conta-quilómetros, várias vezes. Estão fracos e cansados. Porém, não têm enxertos e/ou reforços metálicos para lhe aumentarem a dureza. Estão como “vieram da fábrica” e as mossas que possam apresentar, são resultado do regular desgaste de utilização. Não, apesar do desgaste, ainda não estão a preço de saldo, mas que estão fraquinhos, estão! Tão fracos se apresentam, às vezes, que têm necessidade de enviarem um SMS aos vizinhos de cima, os superiores, para darem uma “ajudinha” no equilíbrio e colaborarem no suporte do corpo, esse sim, talvez muito diferente do que era na origem. Porém vão servindo, não desprezando, contudo, que algum Doutor, em futuro próximo ou não, recomende a “terceiro apoio”, na forma de bengala ou “canadiana” (ainda hei-de descobrir por que raio lhe chamam este nome, em vez da “muleta”, que tanto dava para toureiros como para coxos).

Os superiores, por se chamarem assim, têm ares de mais importantes. É no seu extremo que se encontra a mão, que, em condições normais, terá os cinco “dedos da ordem”. É curioso notar que têm uma linguagem própria e muito identificativa. É usada por “toda a gente”. A gente “malcriada” usa essa “linguagem” descaradamente, enquanto a outra, uma pequena percentagem que é “educada”, usa a mesmíssima linguagem, mas com as “mãos nos bolsos ou atrás das costas”. É uma questão de estilo ou estatuto. É aqui, nas mãos, mais concretamente na ponta dos dedos, que se concentra um dos sentidos mais importantes, apesar de lhe atribuírem pouca importância: o TACTO. Dizem os cientistas que há “algo ainda não explicado” que liga a ponta dos dedos à ponta da língua, pelo que, quando “falta o tacto” há “bronca pela certa”. Vamos lá saber porquê.


Tronco
Por ser a maior parte, ficou, o tronco, para o fim deste tema sobre o corpo. É, digamos, como que o “sótão da avozinha”, onde há de tudo, até ratos, metaforicamente falando, porque se ouve com frequência dizer que “tenho um ratinho no estômago. Onde é que fica o estômago? No tronco do corpo, necessariamente. Neste “armazém” como também pode ser designado, é onde se “arruma tudo” o que é necessário para que o corpo viva.

Para que não se torne fastidioso, referiremos alguns órgãos, mas sem grande ênfase técnica. Isto porque qualquer pessoa, da minha idade, aprendeu na Escola Primária, nas lições de ciências e com direito a reguadas ou ponteiradas se, na descrição junto ao “mapa” dependurado na ardósia, havia esquecimentos e/ou erros. Os alunos da actualidade se não sabem, foi porque o ministério resolveu “facilitar-lhes a vida” e deixar estas questões para quem queira ser médico. Se alguém se esqueceu, não será grave, porque se esqueceu ou não tem ou não precisa de saber.

A faringe e a laringe são órgãos para serem tocados e tratados pelos otorrinolaringologistas, que têm que ser excelentes alunos. Sei que a primeira lição é dada com bastante calma, para que aprendam, na perfeição, a especialidade que estão a tirar e o possam transmitir à família e aos amigos. O apêndice não tem importância nenhuma, pois que é um órgão que é retirado com frequência e os “amputados”, que antes se sentiam incomodados, passam a sentir alívio. Para abreviar, o estômago, o fígado, o rim e os intestinos, são como que os operários de uma fábrica, com “linha montagem modelar”, onde cada um vai tratando do que tem a fazer e no fim “manda expedir o produto”. Falta falar do pulmão que é, grosso modo, como que o produtor do “ar forçado” no sistema interno, ventilando e produzindo o oxigénio.

Ora aqui está, pensa o subscritor, uma viagem “utilíssima” através do corpo humano e, especialmente ao seu interior. Não é exaustiva, porque o cansaço também não permite devaneios e muito menos correrias, para poupar tempo.
Ah! - Faltou falar de qualquer coisa. É sempre assim. Fala-se de tudo e todos, menos de quem trabalha. E o coração? Não tem cabimento nesta síntese para poupar trabalho aos especialistas, não falar deste órgão, aliás o órgão preferido dos cardiologistas.

Na imagem não está realçado, mas é um órgão que se encontra permanentemente na prisão. Está alojado no troco, na parte superior, pelo que as costelas o envolvem, não sei se para o proteger se para o aprisionar. O coração está sempre “preso” a qualquer coisa. Começa no berço, instintivamente, com o amor que nos “prende” a nosso pais e, de tal forma intensa que é para toda a vida e, mesmo para além da morte: é o amor filial. Depois, alguns anos mais tarde, vem o amor, juntamente com a atracão física que, na maior parte das vezes, leva ao casamento ou à nova “forma actual” do mesmo. Descambará, mais ano menos ano, para o amor paternal, que, num misto de orgulho e preocupação, vai crescendo e transformando tudo à nossa volta, e reproduzindo-se em “novos filhos” que são os “filhos dos filhos”.

É por isso que, umas vezes “trabalha nas calmas” e outras acelera e “cavalga no nosso peito” sendo quase impossível ser domado, sem o recurso “químicos”. Tudo isto é o resultado do amor. Os especialistas sabem as causas destas metamorfoses e, na medida do possível, vão conseguindo manter estas “máquinas em perfeito estado de funcionamento”, recorrendo, se tal for necessário, à substituição de peças.

Mas cuidado, meus senhores.

Quando vos cair nas mãos o coração de um “velho soldado”, tratem-no com cuidado. É que é mais frágil, está mais cansado, e está muito mais carregado de amor.

Tem um “grande amor pela Pátria e pelos camaradas/companheiros”, que é um sentimento que, dentro de pouco tempo, nem no “sótão da avozinha” se conseguirá encontrar. É “um bem” em vias de extinção.

Tudo o que aqui foi descrito é só para evitar que, com “carcaças velhas”, se perca tempo. São exactamente isso “carcaças velhas”, pelo que não têm qualquer valia. Mas nessa carcaça, se bate ou bateu o coração dum soldado, tratem-no com carinho. Não precisam de incensa-lo. Não precisam de o mergulhar em conservantes.

Dissecai-o. Auscultai-o. Estudai-o e mantenham-no vivo, se poderem.

Mostrai-o aos vossos alunos, mostrai-o aos vindouros, hoje, amanhã e sempre.

Provavelmente, nós já não estaremos, e é necessário transmitir, ao futuro, o que é o Amor pela Pátria.

Assino, por mim e, se me é permitido, por todos e cada um de todos os Combatentes!

José Marcelino Martins
22 de Agosto de 2011

©Fotos “gentilmente cedidas” pela Wikipédia.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8683: Efemérides (55): Dia da Infantaria em 14 de Agosto de 1961 (José Martins)

Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8697: Blogoterapia (186): Imagens que nunca se apagarão (José Carlos Gabriel)

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada José Martins

Gostei muito da tua lição de anatomia descritiva.
Se nos meus tempos de estudante os meus professores de anatomia tivessem o teu espírito de humor teria sido muito mais fácil aprender, melhor decorar,os dois tratados de anatomia.
Temos um osso na cabeça(salvo seja),denominado esfenóide,que nos ponha a "cabeça em água",a este mafarrico basta dar-lhe duas voltas que ficamos sem saber qual é a face anterior, posterior, ou o "raio que o parta", servia para os respectivos profs. ou assistentes gozarem com o maralhal.
Na altura duvidava e ainda hoje duvido que eles próprios soubessem,depois das voltinhas "tá claro" mas do alto da sua douta autoridade, nós concordávamos..que remédio.
Ah..o termo "canadianas" é assim designado porque as muletas começaram a ser fabricadas no Canadá..não sei é se eles se inspiraram nos "skys"

C.Martins

Sotnaspa disse...

Camarada José Martins,

Gostei deste teu poste, muito bem arrumado e estudado ao permenor, aliás, como sempre o fazes.
Os rapazinhos que tiverem que estudar estes esqueletos, vão ter muito trabalho, as mazelas fisicas são tantas que irão pensar que a nossa anatomia não é deste planeta e, se pudessem estudar as mazelas mentais de tão mal tratados que fomos (somos), então aí vão ter a confirmação que além de não pertencermos ao planeta terra também não somos desta galaxia.

Um alfa bravo

ASantos
SPM 2558

Anónimo disse...

José Martins,

Desculpa a comparação, mas parecia estar a ler o material disponível no armazém de um dos antigos Ferros Velhos ali mesmo ao pé de nós ou de Sacavém. Atualmente são
empresas de reciclagem, com uma diferença, dantes pagavas para comprar e agora pagas para reciclarem e depois compras mais caro por ser produto reciclado. Será que estás já a apostar na mais valia depois de reciclado?
Bom isto é apenas um comentário, não digo se gostei, parece-me não ser necessário.
Um abraço,
BSardinha

Anónimo disse...

Mais uma muito boa "malha" do Camarigo José Martins.
Obrigado por me teres feito rir com agrado.
Abraços do

Joaquim Sabido
Évora

Anónimo disse...

Amigo,
Que bom seria ter tido acesso a este documento em 2006. Teria poupado uns "euritos", muitos, na compra de livros de Atonomia Descritiva.
Parabéns pela boa disposição facultada.
Abraço
Filomena