sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Esta aturada investigação de Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso (na sequência de trabalho anterior, de que aqui já se fez recensão) é indubitavelmente a obra de maior fôlego até hoje publicada, permitindo ao leitor mesmo não-iniciado acompanhar os principais factos e acontecimentos que na cena internacional e nacional se projectaram nos teatros de operações e vice-versa.
Profusamente ilustrado, assegura ao leitor o conhecimento das unidades militares envolvidas e comporta um apreciável acervo bibliográfico.
Como se compreenderá, delimitaram-se as apreciações da recensão exclusivamente a feitos e factos da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os anos da guerra colonial

Beja Santos

Editado primeiro em 16 cadernos e depois sob a forma de livro, “Os Anos da Guerra Colonial”, por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso constituem um importante levantamento de eventos de grande significado, seja na política internacional ou na política nacional, procurando estabelecer as respectivas ondas de choque na evolução dos teatros de operações (Quidnovi Editora, 2010).

Os autores dão a seguinte justificação, logo no preâmbulo: “Publicámos há 11 anos um livro em fascículos intitulado “Guerra Colonial 1961 – 1975”. 11 anos depois voltamos ao tema. Quisemos aprofundar o conhecimento dos factos, ensaiar a sua explicação e, essencialmente, saber e compreender o que se passou. A obra assenta numa cronologia de factos que procuram transmitir o essencial do que aconteceu nos vários palcos onde a guerra se travou – nos campos de batalha, nos corredores dos vários poderes, em Portugal e um pouco por todo o mundo que interferiu com as acções de Portugal e dos movimentos de libertação africanos. É sobre o saber mais e compreender melhor os anos da guerra colonial que trata esta obra”.

Tratando-se de um trabalho monumental, apela-se à compreensão do leitor para a necessidade de só relevar alguns dos principais acontecimentos que envolvem a Guiné. Logo no primeiro caderno consta o relatório do Tenente-Coronel Filipe Rodrigues, Comandante Militar da Guiné, sobre os acontecimentos do Pidjiquiti de 3 de Agosto de 1959. Talvez valha a pena equacionar o que aqui se diz com o que é referido no relatório do Comando da Defesa Marítima da Guiné e que consta dos anexos da História dos Fuzileiros de autoria do Comandante Sanches de Baêna. Não há entendimento sobre o número de mortos e feridos, a propaganda do PAIGC procurou explorar a dimensão dos incidentes, é crível que se tenham registado 7 mortos, 20 feridos e um número equivalente de detidos pelas forças policiais e que vieram a ser interrogados pela PIDE.

É no número 4 dos cadernos que se começa a falar das hostilidades desencadeadas pelo PAIGC em 23 de Janeiro de 1963. Fala-se na data de 1960 como do início das acções anticoloniais na Guiné, é um pequeno lapso, os ataques conduzidos pelo Movimento de Libertação da Guiné tiveram lugar em 1961. Procede-se a um pequeno historial dos acontecimentos e estranha-se que mesmo numa obra de divulgação histórica, a propósito das razões de Amílcar Cabral se escreva que este “Para a garantir a viabilidade da Guiné, engendrou a aliança de Estados com Cabo Verde, que possuía uma posição estratégica invejável. Infelizmente, os guinéus pensaram que a aliança era favorável a Cabo Verde, por lhe dar acesso ao interior de África, ao deserto, esqueceram-se de considerar a vantagem mútua”. Quem isto escreveu emitiu um juízo subjectivo, o historiador não tem que deplorar nem exaltar, são os políticos que respondem pelas estratégias e são os povos que as acolhem ou rejeitam, nada mais. Os acontecimentos referentes a 1963 na Guiné apontam para a sublevação e desarticulação do Sul e a criação da base do Morés, não há uma palavra para a constituição das bases do PAIGC no Leste, que tanta influência vieram a ter na região do Corubal, que ficou sob o comando de Domingos Ramos, que faleceu mais tarde em Madina do Boé.

De um modo geral, as sucessivas sínteses militares que precedem os diferentes anos da guerra destacam os factos mais salientes. Pegando, a título exemplificativo, em 1972, encontramos em Janeiro a captura pelas forças portuguesas de duas rampas de foguetões na região de Aldeia Formosa, em Abril uma delegação da ONU visitou zonas libertadas da Guiné, em Abril duas bombas explodiram em Bissau, mês em que Spínola enviou uma carta a Caetano e onde se menciona que “não ganharemos esta guerra pela força das armas”; e no mês seguinte Spínola encontrou-se com Senghor em Cap Skiring, mas Caetano determinou que esta política de contactos não devia continuar (os analistas consideram que estes pontos de vista irredutíveis constituíram uma viragem no relacionamento entre Caetano e Spínola; em Julho começam as referências ao fornecimento de mísseis terra-ar ao PAIGC e em Outubro a Assembleia Geral da ONU passou a reconhecer o PAIGC como o legítimo representante da Guiné-Bissau. Os autores procedem a uma memória sobre a africanização da guerra e a constituição das forças especiais africanas na Guiné.

No volume dedicado ao fim do Império, é igualmente importante o que Josep Sánches Cervelló escreve quanto ao 25 de Abril na Guiné: “Em Bissau, quatro dias depois do golpe de Estado, um grupo de militares redigiu uma carta dirigida ao general Spínola, na qual lhe pediam o cessar-fogo imediato, a entrega do poder ao PAIGC e a imediata repatriação dos soldados. O MFA assinalou que se recolheram mais de 300 assinaturas em 24 horas, algumas de oficiais superiores. No princípio de Maio, o batalhão de artilharia 6520 recusou-se a partir para Cadique para render um Batalhão com 16 meses em zona de combate e mais de 50 % de baixas. A decisão foi assumida por todos, excepto pelo Comandante. Depois de dias de negociação, acabaram por cumprir a ordem, depois de conseguirem a destituição do Comandante e o compromisso de que em Cadique se procuraria o cessar-fogo com o PAIGC. Estes protestos estenderam-se a todas as unidades sem excepção (…) Enquanto se desenrolavam estes acontecimentos, a guerra ainda não tinha terminado oficialmente. Desde o 25 de Abril até finais de Maio houve acções bélicas que provocaram 84 baixas portuguesas e mais de 60 entre a população que lhes era afecta. Quando, no princípio de Maio, o Tenente-Coronel Fabião chegou ao território como novo representante do Governo, e depois de comprovar "in situ" a degradação da situação militar, passou a colaborar estreitamente com o MFA local”.

Em jeito de síntese, Carlos de Matos Gomes analisa o conceito de combater pela Pátria e comenta que “A Guerra Colonial, do ponto de vista dos movimentos independentistas, tem dois tempos, o da guerra, na qual obtiveram o inegável sucesso de desgastarem as forças portuguesas a ponto de estas terem optado pela sua auto-regeneração através da sublevação contra a hierarquia, e o da descolonização e da pós-descolonização. A descolonização foi rápida a destruir a herança colonial. O período posterior está ainda hoje enredado na contradição entre o real, que é construir e administrar um Estado-Nação e a utopia de criar uma Nação africana com um povo africano dirigida por uma nova aristocracia constituída pelos sobreviventes vitoriosos das várias guerras anteriormente travadas”. Aniceto Afonso falando da história e da memória da guerra colonial recorda que o Movimento dos Capitães nasceu da necessidade de acabar com a guerra, desenvolveu-se em torno dos quadros médios do Exército, sendo eles os mais sacrificados estavam em melhores condições para se aperceberem da irracionalidade da guerra e eram os únicos capazes de se envolverem num movimento que levasse à queda do regime. Este trabalho sobre os anos da Guerra Colonial, refere este autor, não seria possível sem a abertura dos arquivos militares.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8830: Notas de leitura (278): Tarrafo, de Armor Pires Mota: censura e autocensura, em tempo de guerra. Cotejando as edições de 1965 e 1970 (Parte I) (Luís Graça)

Sem comentários: