segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes



Leopoldina Ferreira Pontes  (a primeira, da segunda fila, do lado esquerdo) nasceu em Bissau em 4 de Novembro de 1871. Era filha de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné) e de Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau). Morreu aos 87 anos, em 26 de Maio de 1959.

Do seu primeiro casamento, com José Ledo Pontes, caboverdiano, recebeu o apelido Pontes. Das suas três ligações matrimoniais tevce diversas filhos, de que sobreviveram seis filhas. A história da sua vida é interessante na medida em que acompanha também a da vila de Bissau, mais tarde cidade e capital, e portanto do seu desenvolvimento. Segundo a pesquisa efetuada pelo António Estácio,  só em 17 de Abril de 1877 é que foi criado o concelho de Bissau, tinha a Leopoldina 5 anos. Nessa altura, a população que residia na área murada era de 573 habitantes,sendo  391 nativos, 166 caboverdianos e apenas 16 europeus. Em 1872 as ruas passam a ser iluminadas  (p. 50)... Mas só em 19 de Dezembro de 1941 - tinha já 'Nha Bijagó' 70 anos - é que a capital da Guiné é transferida de Bolama para Bissau (p. 59).

Foto: Cortesia de António Estácio (2011)




1. O António Estácio, membro da nossa Tabanca Grande, teve a gentileza de mandar pelo correio um exemplar do seu último livro, Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959) (edição de autor, 2011, 159 pp., c/ ilustrações).  Trata-se de um exemplar autografado, que passará doravante a fazer parte da biblioteca da Tabanca Grande. Infelizmente, não me foi possível estar presente no lançamento do livro, em 20 de Junho passado, em Lisboa, no Palácio da Independência, de que no entanto demos a devida notícia.

O Beja Santos, por sua vez,  já aqui fez uma primeira recensão do livro, realçando a personalidade e a influência da biografada, nestes termos:

"O que havia de incomum em Nha Bijagó? Filha de um comerciante branco e de uma Bijagó, D. Leopoldina tinha uma personalidade muito forte, era constantemente ouvida pelas autoridades locais que apreciam a sua capacidade organizadora e força mobilizadora. Era madrinha de meio mundo, uma das características de qualquer mulher influente. Viam-na a atravessar Bissau para ir à missa, se bem que severa pelava-se por organizar festas, ficaram célebres os bailes que organizava em casa. Presava a comemoração de eventos e encomendava pratos típicos quando juntava a família, como o brindge (à base de carne de pato, galinha ou porco, temperado, cozido e frito), servindo-se com mandioca ou batata cozida, o arroz é obrigatório.



"António Estácio recolhe inúmeros depoimentos, é uma ternura o enlevo que ele põe neste testemunhos que atravessam décadas e que parece pôr Bissau a falar. A cidade é uma constante neste exercício monográfico sobre D. Leopoldina: a identificação dos negociantes, a listagem da gente famosa do tempo, a visita ao património da sinhara, o conteúdo dos testamentos". (...)


2. Mensagem do António Estácio, com data de 28 de Setembro último:

Luís Graça: Estimo-te bem e reitero o meu pedido de desculpa pelo atraso no envio de um exemplar do livro referente à famosa "Nha Bijagó", de seu nome Leopoldina Ferreira Pontes.

Esta tarde enviei-o pelos Correios, devendo chegar na Quinta ou Sexta-feira.

Em anexo seguem várias fotos da concorrida sessão, levada a efeito no passado dia 20.06.2011 no edifício da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), situada em Lisboa no n.º 11 do Largo de S. Domingos.

Segue o texto do prefácio  (...). A aquisição do livro poderá ser feita na secretaria da SHIP ou diretamente com o autor, através de contacto telefónico pelos n.ºs 219229058 ou 962696155.

De momento estou a ajudar na edição de uma pequena monografia intitulada "Vinte anos de experiência e de saber (1991-2011)", elaborada por Carlos Brandão de Almeida e evocativa da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS), vulgo Universidade da Terceira Idade de Sintra (UTIS), em cuja Direção exerço as funções de Secretáio.

Talvez para o ano proceda à reedição do meu livro de memórias do tempo de Liceu de em Bissau, o antigo "Liceu Honório Barreto", que frequentei de 1958 a 1964. Intitulado "Passadas" (o título é em crioulo da Guiné e significa "o que aconteceu" ou "o que se passou", tendo a sua 1ª edição sido feita em Macau no ano de 1992 e numa edição de autor.

Espero ter respondido a tudo. Despeço-me com um abração e faço votos de uma rápida recuperação.

Com amizade, consideração e estima

António J. Estácio


3. Hoje reproduzimos, com a devida autorização do António Estácio, o prefácio que foi escrito por Eduardo Fernandes, seu amigo e condiscípulo do Liceu Honório Barreto, em Bissau, e actual comentador da RDP África


Prefácio (pp. 5-7) 

Mais um trabalho que António Júlio Estácio dá à estampa, tendo como objecto uma figura marcante da sociedade guineense, desta feita “Nha Bijagó”, nome pelo qual ficou conhecida Leopoldina Ferreira.

Quem foi esta senhora e o que fez ela para merecer figurar em obra impressa? Isso é o que o leitor irá descobrir ao longo de mais de centena e meia de páginas deste livro que o autor intitulou “Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959).

A própria escolha do título já é em si reveladora da razão que motivou António Júlio Estácio a biografá-la! “Nha Bijagó” foi,  de facto, uma respeitada personalidade do seu tempo,  socialmente bastante influente e uma verdadeira matriarca. Abastada, mas sóbria, mulher de rígidos princípios éticos, foi, de certo modo, um modelo para os seus concidadãos.

Ao ler este livro não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX.

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos, nomeadamente os europeus.

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras.

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.

“Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959), é o resultado de um longo trabalho de pesquisa que António Júlio Estácio desenvolveu ao longo de vários anos, com uma enorme dedicação e até paixão, mas sempre com rigor e respeito pela verdade dos factos, a que já nos habituou. Compulsou milhares de documentos, não apenas relacionadas com Leopoldina Ferreira, mas também relativos aos principais acontecimentos que tiveram lugar no período coevo da biografada. Registou dezenas de depoimentos e deslocou-se propositadamente à Guiné-Bissau [, em 2006], para “in loco” recolher mais informações, de modo a poder complementar, confirmar ou infirmar os elementos já recolhidos. E o resultado de todo esse esforço, é este livro!

Não estamos perante uma biografia no sentido clássico do termo, isto é, um género literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas de forma mais ou menos objectiva, e muitas vezes romanceada. António Júlio Estácio, preferiu manter-se “neutro” interferindo o mínimo possível na narrativa dos depoentes, limitando-se a clarificar aqui e acolá alguns aspectos contraditórios ou menos precisos e desse modo fornecer ao leitor um retrato tão fiel quanto possível dessa grande senhora que foi a “Nha Bijagó” feito através dos testemunhos daqueles que a conheceram e que com ela privaram, e ainda de documentos oficiais que atestam aspectos relevantes da sua vida.

Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, adminis-trativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro!

O autor quis,  desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colonia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”. Por esse motivo, este trabalho biográfico, para além de nos dar a conhecer a vida de uma grande mulher guineense que foi a “Nha Bijagó”, fornece-nos importantes informações do mundo em que ela viveu! Através dos diversos depoimentos sobre a “Nha Bijagó” recolhidos pelo autor, ficamos a conhecer não apenas os aspectos essenciais da sua vida, mas também um pouco da vida social na então colónia da Guiné e muito particularmente em Bissau, na primeira metade do século XX.

Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer!
 

Eduardo J. R. Fernandes

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8847: Notas de leitura (280): As Mulheres nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre (Felismina Costa) 2. O Estácio mandou-me, em 28 de Setembro passado, a seguinte mensagem que reproduzo:

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