segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8916: Memória dos lugares (156): Ilha Roxa, Arquipélago dos Bijagós, Fevereiro de 1974 (António Graça de Abreu)



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha Roxa (a leste da Ilha de Bubaque) > Fevereiro de 1974 > Um lugar "paradisíaco" em tempo de guerra que ali não havia... mas onde no entanto não havia arroz (ia-se comprá-lo a Bubaque, quando havia), o que na altura era sinónimo de fome... Vemos aqui o António Graça de Abreu, disfarçado de turista... Fotos enviadas em 18 de Julho passado, com a simples legenda "São [as fotos] da ilha Roxa, Bijagós, na paragem da LDG Cufar-Bissau"...


No seu Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz Editores,  2007, pp. 194-197), escreveu o nosso querido amigo e camarada António Graça de Abreu a seguinte nota (de que se transcreve apenas um excerto, com a devida vénia ao autor e à editora): 

Bissau, 16 Fevereiro de 1974

Estou em Bissau para tratar dos dentes. E vim por mar, em LDG.

Quarta-feira à tarde cancelaram o Nordatlas. Quase à mesma hora partia,   rio Cumbijã abaixo rumo a Bissau, a LDG "Alfange" (...). Resolvi-me pela viagem marítima e não me arrependo da decisão. 

Éramos quase trezentos homens empilhados numa grande barcaça, a dormir onde calhava, a comer rações de combate, a jogar às cartas, a contar as nossas vidas. No voo de quarenta minutos no Nord não se aprende nada, nas vinte e seis horas de viagem na LDG descobri mais um pedacinho do mundo.

Largámos de Cufar às três da tarde, começámos a descer o rio, tocámos Cadique, Cafal, Cafine onde entrou mais tropa. Depois o mar,com o navio sempre a navegar. Foi ancorar já noite cerrada perto da ilha Roxa, no arquipélago dos Bijagós (...).

Quando o dia amanheceu, tive uma sensacional surpresa.  A ilha Roxa encontrava-se ali diante de nós, a pouco mais de um quilómetro de distância, com areais, enseadas e palmeiras. A maré estava vazia, a água do mar era azul e limpa. Íamos permanecer ancorados  junto à ilha até cerca do meio dia (...).

Por isso, logo de manhã, o comandante da LDG e o imediato preparam um bote de borracha, as canas de pesca e saíram para o mar (....). Entretanto, os fuzileiros de Cafal que viajavam no bote como segurança, prepararam um bote para irem a terra, usufruir as delícias da praia.  Pedi-lhes boleia - a vantagem de ser alferes! - e parti à descoberta daquele enorme pedaço de chão encalhado no meio do mar da Guiné. (...)

(...) Mas a ilha era habitada, os fuzileiros já haviam entrado numa povoação  cha
mada Anhorei (...). Deve ser raríssimo desembarcarem meia dúzia de brancos naquela ilha e fomod recebidos de modo afável e aberto. Esta gente não foi tocada pela guerra - nos Bijagós não há operações militares -  e não guarda ressentimentos para com os portugueses. (...)
Sozinho, regressei à praia.Com umas lindas cuecas vermelhas - porque não trouxe fato de banho -, tomei um gostoso banho de mar e fiz umas corridas ao longo da praia. (...).

... Quem quiser saber o resto da história dessa manhã inesperada, em que como o autor fez um novo amigo, bijagó, de seu nome Cunha Nhorei, faça o favor de comprar o livro. (LG)

19 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Ir a Bissau tratar dos dentes...pois compreendemos o desenfianço.
De cuecas e gordinho pelas praias dos Bijagós. Tudo disfarce de um homem de Informações.

Compreendemos e aí vai um AB do T.
Que lata!

Luís Graça disse...

E quem diria que estas imagens foram obtidas de "slides" com 37 aninhos de poeiras e humidades em cima!...

Parabéns ao fotógrafo... Não tendo sido o próprio, o nosso "Robison Crusoe", só pdoe ter sido um qualquier "Sexta-feira"... Um, fuzileiro ? O "impertinente" do bijagó Cunha ?...

Enfim, "petite histoire" a contar pelo nosso António que, como bom tuga, é homem de (a)ventura(s)... Refiro-me a esta "pequena história, a da autoria da foto, que por acaso não vem no livro...

Mantenhas para todos/as.

Anónimo disse...

Como se dizia naquele tempo,e por aqueles lados:"Vai p'ró mato malandro"! É claro que são só invejas de um nabíssimo Atirador de Infantaria em Destacamento isolado na mata...pacífica,e que nem sequer tinha asas para voar...alto. Muitos e muitos abraços, à esquerda e à direita (geográficas!).

Anónimo disse...

À Pergunta de Luís Graça,e até melhor esclarecimento por parte do Tarzan em cuecas,creio que o fotógrafo terá sido...ou OUTRA beleza local...ou algum Excelentíssimo Senhor Oficial de Relacöes Públicas do Com.Chefe numa da tal "Por uma Guiné Melhor".E mais muitos abraços amigos.

Anónimo disse...

Eu viajei de Cacine até Bissau em LDG, sem paragem na ilha Roxa, durante toda a noite.
Como era um grande "marinheiro" vomitei a ração de combate borda-fora.
Quando o comandante abandonou a casa do leme, passei a ser o piloto automático, porque sempre que a agulha se desviava ligeiramente do rumo traçado,imediatamente chamava a atenção ao marinheiro para corrigir e quando este começou a fechar as pálpebras levava cotoveladas.
Devo ter sido a maior "melga" que o marinheiro encontrou na vida.
Acho que chegamos sãos e salvos a Bissau graças a mim.
Também penso que foi devido à minha preocupação em vir sempre no rumo certo que hoje tenho dificuldades em dormir..estou a pensar em pedir uma indemnização à Marinha..só que com esta crise.. não sei se será possível.
Tenho inveja destes sortudos.

C.Martins

Torcato Mendonca disse...

Eu embarco no sono com facilidade...o pior é aí pelas quatro ou cinco horas o abrir a pestana.
Está tudo logo a funcionar e em frente marche. Outras vezes baixo a pestana e o morfeu me acompanha até a música começar,horas depois, a entrar pelo ouvido direito...o esquerdo... foi-se (sem martelo)mas ainda trabalha.
Só enjoei uma vez. "Almareei" mas não deu para vomitar, ao largo do reino dos Algarves...mar manso.
O nosso Camarigo do Sangue,Suor e Água Pura...com ou sem cuecas de Tarzan,estava em forma e ainda bem, ainda bem
Ab T

antonio graça de abreu disse...

Que surpresa abrir o blogue e ver-me de cueca vermelha (parece fato de banho mas é cueca!)a passear pela ilha Roxa...
O meu ego inchou.

Mas para onde foi o poste da revista da Força Aérea. Tiraram-no porquê?
Tinha comentários bem interessantes e curiosos.
Acho que deve ser reposto.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Cueca vermelha todo o "alfero" tinha uma, para dar um mergulho na praia que estivesse mais à mão.
É como agora.."shorts" toda a "canalha" tem, e para os mostrar andam com as calças ao "fundo do cu", perdão glúteos.
Por acaso não me lembro de ter tido cuecas vermelhas,sim porque a cor do meu Benfica não era para ser conspurcada com as partes da "horta" e afins.
Cá para mim o Graça de Abreu deve ser "lagarto"..peço perdão aos "dragões"..porque nesse tempo havia poucos..só se fossem do norte..carago.
Tá bem.. podem bater no "lampião" à vontade.

C.Martins

Anónimo disse...

Caríssimo Graça de Abreu! Quanto ao poste da Revista da Forca Aérea não terá sido um dos tais...Strella?

Anónimo disse...

Camarada Torcato

Essa da música nos ouvidos..são acufénos..bonito nome..eh..eh,que são bem chatos..por sinal.
Mesmo sem martelo a coisa funciona com a bigorna e o estribo..mal, mas funciona, e até sem os três ainda continua a funcionar, desde que a cóclea e o nervo auditivo estejam bem..a porra é quando já nada disto funciona e então passa-se a surdo.
Calma, que hoje já há alternativas terapêuticas "cirurgia".

C.Martins

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

Bem.... o mínimo que se pode dizer é que o 'nosso' Alferes não tinha problemas de nutrição...
Aquelas angústias de estar no mato, com as propaladas dificuldades, não causaram 'mossa' e ainda hoje se vê que não deixaram sequelas.
Depois, o banhinho na Ilha Roxa, fará parte das recordações agradáveis e não é o 'calção de banho' vermelho que fará afrouxar um portuense sportinguista.

Agora apenas quero deixar uma nota sobre o pretexto da viagem/passeio. A ida ao dentista.

Acontece que quando fui enviado na minha missão para Piche amigos vários me indicaram que isso não era mau de todo, porque podia solicitar "ida ao dentista" o que correspondia a deslocação a Bissau comportando, entre ida e volta e estadia, qualquer coisa como 1 a 2 semanas longe do mato...

Se assim me disseram, assim pensei mas quando chegou a ocasião que me pareceu propícia as contas sairam-me furadas pois passou a haver esse serviço em Nova Lamego.

Quer dizer, para Bissau ia de DO ou coisa assim, para Nova Lamego eram pelo menos mais duas colunas.
Resumindo, não fui ao dentista!
Quero dizer, não fui à Ilha Roxa!
Também não tinha calções vermelhos...

Abraços
Hélder S.

Luís Graça disse...

1. Vocês são mas é uma cambada de "invejosos"!... Eu, só passado muitos anos, é que soube onde ficavam os Bijagós... Tive que ir consultar o mapa... E em Dezembro de 2009 "viajei até lá", por interposta pessoa, o meu "alter ego", neste caso o meu filho, João Graça, que passou um fim de semana em Bubaque e Rubane, ilhas vizinhas da Roxa...

4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8043: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (7): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte III, o regresso a Bissau)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/04/guine-6374-p8043-notas-fotocaligraficas.html


28 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8005: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (6): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte II)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/03/guine-6374-p8005-notas-fotocaligraficas.html

12 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7931: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (5): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte I)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2011/03/guine-6374-p7931-notas-fotocaligraficas.html

2. Àparte a questão (humorística) de se saber se a cueca (vermelha do nosso alferes) era não ou regulamentar, devo dizer, da leitura do Diário da Guiné, do nosso AGA, que o autor revela(va) - como revela hoje - uma grande sensibilidade sociocultural... Por exemplo, a chamada de atenção para os problemas de desnutrição na ilha... que na altura deveria ter pouca gente...

3. Mas não há mais fotos e documentos dos Bijagós dessa época ? Ninguém fez lá turismo, "a sério" ? Um fim de semana prolongado, um "desenfianço" até Bissau ?

Aqui o AGA é apenas um "turista acidental", como eu fui nas minhas primeiras semanas de Guiné, no "oásis de Contuboel"...


Estou-lhe grato pelo envio destas fotos. (LG)

Luís Graça disse...

Um exemplo do que digo sobre a "sensibilidade sociococultural" do AGA, ex-Alf Mil do CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), turista acidental na Ilha Roxa em Fevereiro de 1974:

(...) "Apesar da leveza da paisagem, do mar, do sol, das palmeiras, coqueiros, alguns embondeiros, também se adivinha a miséria e as doenças. O tracoma espreita nos olhos de muitos bijagós e há ventres enormes, protuberantes deformando a figura gaiata das crianças" (...)

Outra passagem:

(...) este bijagó, [Cunha Nhorei,] era senhor de vasta sabedoria, maior do que a exsistente em muitas fileiras de livros que atravancam inúmeras prateleiras de incontáveis bibliotecas (...).

Um terceiro apontamento;

(...) "Da guerra [ o meu bijagó] sabia muito pouco, ouvira dizer que morria gente, era mau, nas ilhas era bom, os homens não morriam por causa da guerra. Perguntei-lhe se o miúdo, seu filho, falava português. Só bijagó. E escola ? Não há. Tentei explciar que é preciso escola para dar mais força na cabeça aos meninos e que um dia haverá escola em Anhorei" (...). (*)

... E será que haverá escola, em Anhorei, na Ilha Roxa, região de Bolama-Bijagós, hoje, passados 37 anos após este acidental "diálogo intercultural" ? Oxalá que sim!

(*) Diário das Guiné... , 2007, pp. 196-197.

Luís Graça disse...

... "sensibilidade sociocultural", queria eu dizer (e escrver)...

No fundo o que é ? Capacidade para entender (e aceitar) o "outro" que é "diferente" de mim...

A maior parte de nós tínhamos essa sensibilidade, no TO da Guiné... Se assim não fosse, como explicar essa "guineidade", esse "amor pela Guiné", de que fala o bonito Fado da Guiné, do Joaquim Mexia Alves ?

MANUELMAIA disse...

CARO GRAÇA DE ABREU,

AINDA HOUVE GENTE COM SORTE...
TENTEI VÁRIAS VEZES FUGIR DO INFERNO DO CANTANHEZ,POR UNS DIAS QUE FOSSEM,P`RA BISSAU, PRETEXTANDO CÁRIES,MAS O CAP. SEMPRE DISSE NÃO. A TAL VANTAGEM DE SER ALFERES QUE OS FURRIEIS NÃO TINHAM...
ALI,DE FACTO, DEVERIA SER O PARAÍSO.
ABRAÇO
manuelmaia

Anónimo disse...

Pois é, meus caros. Valeu bem a pena ler tudo de fio a pavio. Não há crise que resista a esta malta divertida. O Graça de Abreu foi agora a vítima. Há uns tempos foi um senhor (que, segundo me lembro, nem fez a tropa) maestro duma filarmónica e uma investigadora também. Será difícil atingirmos os recordes de então. Mas as cuecas vermelhas do Graça de Abreu ainda vão dar muito que falar.
Úm abraço a todos. Vamos nessa.
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Bolas! E eu que ando sempre a dizer que aquele "pois é" a começar um parágrafo não quer dizer nada e que é só modernice sem sentido, não é que fui começar precisamente com um "pois é".

Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Olha que não Camarada Maia

O "baldas" da Guiné era furriel..meu conterrâneo e tocava trompete..só que um dia,talvez por falta de reportório pôs-se a "tocar a entrada de touro" em cima do abrigo do capitão..lixou-se..o capitão pensou que lhe estava a chamar..isso que estão a pensar.

C.Martins

Anónimo disse...

Meu amigos,
...Mas de que estavam à espera? Que o nosso alferes não tivesse a coragem de mostrar os seus dotes de modelo em zona libertada?
José Câmara