sábado, 26 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9100: Memórias de Gabú (José Saúde) (15): Lavadeiras: duquesas do quartel


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.





LAVADEIRAS: DUQUESAS DO QUARTEL, AS SUAS PRESENÇAS CATIVAVAM


“Furrié pricisa de lavadera!”. Era comum ouvirmos este apelo de jovens africanas que pretendiam exercer uma função da qual recebiam, obviamente, proveitos monetários. Os “apelos” sucediam-se. Havia quem cedesse aos pedidos das bajudas, outros mantinham-se fiéis aos seus princípios, isto é, à jovem que desde a primeira hora assumiu esse compromisso.

O Quartel era fustigado com grupos de bajudas sempre prontas para arranjarem novos “patrões”. O lavar a roupa pressupunha mais alguns “pesos” no orçamento familiar. E as moças, airosas, não se faziam rogadas e toca a cativar a malta. Conheci muito boa gente que mudava de lavadeira como mudava de camisa.

Havia quem tentasse colher frutos de outra ordem da sua lavadeira. A bajuda, enraizada nos seus princípios morais mantinha-se fiel aos valores herdados da sua etnia e recusava de pronto eventuais pedidos desmedidos de jovens entregues ao marasmo físico que o rodeava. O seu estatuto de macho impunha-lhe anseios e o sexo emergia naturalmente à flor da pele. Compreendia-se que assim fosse!

Havia dias em que as presenças das lavadeiras no quartel se assemelhavam aos alcatruzes da nora. Com trouxas à cabeça, umas para abaixo outras para a cima, percorriam todas as instalações deixando roupas lavadas e levando novos pacotes de sujas.

Numa análise profícua ao cumprimento do seu dever, as lavadeiras eram mulheres afáveis e que espelhavam sorrisos dóceis para jovens militares entregues aos desprimores da guerra.

A fonte do Alecrim, junto a Gabú, era espécie de Aldeia da Roupa Branca, um filme português do antigamente onde Beatriz Costa assumia o papel principal do enredo. Em Gabú, melhor, na fonte do Alecrim, o branco dava lugar ao verde. Predominavam os camuflados, alguns com muitas histórias para contar.

Também tive uma lavadeira! Era da praxe. Da parte que me toca nunca tive nada a apontar. Pagava o serviço e a roupa vinha sempre impecável. No entanto havia outros camaradas que muito reclamavam. A mudança era impreterível, diziam.

As transversais trocas de opiniões tornavam-se importantes. Quem nada tinha a apontar elogiava os dotes da “sua lavadeira”. Motivo que levava o camarada do lado a avançar para a proposta à “Binta” que, entretanto, se tornara conhecida.

Diziam que, além dum corpo fantástico, era uma lavadeira afamada. As solicitações eram muitas mas a “Binta” ficava-se pelo “patrão” a quem muito cedo dedicou uma particular atenção. A futa-fula – com duas cicatrizes no rosto, ao lado dos olhos, que indicavam a sua verdadeira descendência racial - era uma mulher alta, de nádegas perfeitas, bem posta e todo o seu corpo parecia desenhado com traços de um pintor de renome internacional. Pablo Picasso desenvolveria certamente os seus imensos dotes numa tela em que a Binta, a nossa Binta, seria, com certeza, a rainha de um trono num legado quiçá inimaginável.

A proposta para a lavadeira era do tipo: “jogo do gato e do rato”. Havia os felizardos que desde a primeira hora assumiram compromissos com as suas lavadeiras e cumpriram religiosamente o seu dever ao longo da sua comissão na Guiné!





Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523


Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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2 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Olá Camarada José Saúde:
É engraçado o teu tema sobre as nossas lavadeiras na Guiné.
Pois na realidade todos nós tivemos a "nossa "lavadeira" e todas elas de uma forma ou de outra fizeram parte das nossas vidas na Guiné.
Enquanto estive no Biambe tive uma que se chamava Iuda ,mas quando transitei para Bissorã passei a ter outra que se chamava AMÉLIA.Era impecável e alem disso muito esclarecida quanto ao que se passava na Guiné. Posteriormente quando a minha mulher(NI)foi viver comigo ela continuou como nossa Lavadeira até final da comissão acabou mesmo por se tornar muito confidente com a minha mulher,pois tinham longas conversas.
Francamente ,tenho mesmo muito gratas recordações da AMÉLIA assim como a NI.
Foram mesmo umas pessoas que ao fim do dia traziam alguma alegria ao pessoal,pois que havia sempre alguma bregerisse nas conversas.E até se aprendia muito com os seus usos e costumes.Tanto que um dia a NI estava cheia de dor de dentes e a nossa Amélia lá arranjou umas mesinhas que atenuou as dores.
Bom camarada Saúde um abraço e vai escrevendo ,pois tenho seguido sempre os teus escritos.
Como tal recebe um abraço-
Henrique Cerqueira

antonio barbosa disse...

Boa noite Companheiro Saude

Revejo-me no que acabas de publicar eu durante a minha estadia em CABUCA
só tive uma lavadeira, erdada do anterior Alferes do 1º grupo ca CCAv 3404, era a LENA extremamente
dedicada e eficaz era casada com um soldado do pelotão de milicia e tia
do meu protegido João Ussumane Sane

Continua com a tua saga sobre o GABU
pois tens agradado

Um grande abraço
ANTONIO BARBOSA