sábado, 31 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9294: Blogoterapia (195): Ano Novo de 1970 em Empada (José Teixeira)

Guiné > Região de Quínara > Empada > Outubro de 1973 > A povoação de Empada e, ao fundo, o Rio Empada vistos pela câmara fotográfica do Alf Mil António Graça de Abreu (CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2011:

Caros amigos editores
Voltei ao “meu diário” e recolhi este “grito” escrito no dia 1 de Janeiro de 1970.


Ano novo de 1970 – Empada

A felicidade é o supremo desejo de todos os homens. A História não é mais que uma longa e louca aventura dos homens à busca da felicidade.

O homem, na ânsia de atingir a felicidade, esmaga o seu irmão.

A moral diz-nos que a felicidade se constrói com a vida na medida em que nos mentalizamos da nossa missão como seres humanos. Viver a vida em comunidade e agirmos em conformidade. No entanto esquecem-se rapidamente estes princípios morais. Os governantes, responsáveis pelo bem estar do seu povo, guerreiam, ensanguentam, matam. Destroem para atingiram os seus fins. Alegam que buscam a felicidade para o povo, que é preciso sacrificar uns para que outros vivam felizes, enquanto eles vivem nos seus palácios de egoísmo.

Ah! Esses que se arvoram em condutores do povo, que conduzem as guerras dos seus palácios de vidro, se vivessem no seu sangue, no seu corpo, no seu espírito o que se passa nas frentes de batalha!
Se sentissem o sofrimento de tantos que num último esforço, tentam agarrar a vida, no meio de atrozes dores.
Se sentissem a dor os que têm de abandonar tudo o que é seu e fugir, na esperança de escaparem à morte.
Se sentissem a dor daqueles que vêm os seus entes queridos, os seus amigos, ali à sua frente, mortos por uma granada traiçoeira, quando ainda há escassos segundos viviam felizes.
Se sentissem o que é ficar sem uma perna, um braço, ficar inutilizado para a vida e quantas vezes rejeitado pelos seus, como quem deita fora o que já não presta.
Se sentissem o que sente o jovem a quem lhe roubaram os melhores anos da sua vida, a quem atrasaram a sua construção como homem.

O ingrato de tudo isto, é que alegam que se trata de uma causa justa.
O Inimigo também afirma que luta por uma causa justa e que esta justifica a vida e o esforço de todos.
De que lado estará Deus, se ambas as frentes lutam por uma causa justa ?
Dizem que estão dentro da razão e mandam os outros para a frente. Eles não vão. Lá longe traçam os planos, jogam com as vidas, indiferentes ao sofrimento. . .

A eterna busca da felicidade . . .

Pobre homem cego, que procuras a felicidade e julgas que a consegues, esmagando os outros, servindo-te do teu poder. Esqueces-te que a felicidade, não é mais que a construção de ti mesmo, procurando atingir o HOMEM perfeito.

O grande drama do homem é o ser limitado nos seus meios naturais e infinitos nos seus desejos. Procura então por meios anti-humanos conseguir os seus desejos.

Zé Teixeira
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9213: O meu Natal no mato (34): Empada, 24 de Dezembro de 1969, em tempo de guerra (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9227: Blogoterapia (194): Como é bom não termos dúvidas (Juvenal Amado)

7 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Duas citações, na introdução ao meu "Diário da Guiné, 72/74":


É a guerra aquele monstro que se sustenta de fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta.

Padre António Vieira (1608-1697)

A paz é o intervalo entre as guerras.

Lu Xun (1881-1936)



Abraço,

António Graça de Abreu

admor disse...

Parabéns ao António Graça de Abreu quer pela enormíssima onda que conseguiu sacar do rio Empada na fotografia, bem como o excerto do texto do Padre António Vieira que muito bem escolheu,assim como o pensamento de Lu Xun.
Parabéns também ao ´Zé Teixeira pelo texto que publicou.
Um Bom Ano Novo para vocês e todos os restantes camarigos.
Um grande abraço.
Adriano Moreira

manuelmaia disse...

Caro Zé Teixeira,

Está aqui estampada a verdade,nua e crua sobre os fazedores de guerras e da dor que fazem nos outros.
Essa gentalha política que dispõe da vida do semelhante e que utiliza a tropa como seu instrumento gerador de sofrimento.
Oxalá se erradicasse esse pensamento dessa corja que desconhece o lado terrível que corresponde à transformação das suas loucuras na maqueta dos seus capatazes da guerra,( "heróis" carregados de medalhas que evitam o próprio envolvimento e para lá mandam os sacrificados a quem alcunham de bandos...)
Recebe um enorme abraço por todo o trabalho que tens feito em prol daquela gente da Guiné, e fundamentalmente pelo enorme ser humano que és.
manuelmaia

Zé Teixeira disse...

Ao re-ler este pequeno texto que escrevi no dia 1 de 0jsneiro de 1970 em Empada, ou seja em pleno ambiente de guerra, olho para mim e questiono-me:
- Onde estava o jovem apolítico que partiu para a Guiné cerca de ano e meio antes ?
- Que caminhada fiz nesse espaço de tempo que me levou a esta reflexão ?
- Os porquês deste grito de revolta ?

Zé Teixeira

José Eduardo Alves disse...

hoje é facil pelo menos perguntar porquê? na altura de assentar praça fui falar com um senhor que me podia librar da tropa, coisa que eu mais odiava, e ele disse-me se tens razão para isso vamos lá, se não isso é anti patriota, e eu virei-lhe as costas e até será que este Sr. tinha razâo, mas o tempo deu-me razão a mim mas vou dizer uma coisa quando fui á inspeção tentei baixar ao Hospital militar quando assentei praça tentei baixar ao Hospital militar nunca fiz um crosse nunca consegui, derespeitei sempre as hierarquias militares tive um comandante de companhia na Guiné que me comprendeu e foi meu amigo, sou amigo dos Guineenses e de toda gente de Africa porque são cobaias e utilizados pelo continente um abraço boas entradas no 2012

Anónimo disse...

Vou partilhar no meu facebook.
Temos de divulgar estes temas.
Quem melhor para falar da guerra, e desinsentiva-la, que nós que nela combatemos?

Abraços fraternos.

José Marcelino Martins disse...

O comentário anterior (08,01) é meu!