quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9398: Documentos (15): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 47. Sobre a emboscada do 9 de maio de 1974 na estrada Jugudul-Bambadinca, vd. aqui o poste do Jorge Canhão.

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 48





Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 49. Segundo o nosso camarada José Zeferino, a violenta emboscada no itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole, junto à ponte do Rio Jagarajá, em 15 de maio de 1974, terá sido a última emboscada do PAIGC, com mortos (2) do nosso lado, na zona leste. QA 18 e a 26 de maio, ainda haverá duas emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem, na zona oeste (de acordo com o presente relatório).




Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 50




 Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 51... Referência a Bobo Queta, ou Bobo Keita, do PAIGC,  que comandava  então a zona leste.



1. Continuamos a publicar páginas, digitalizadas,  do relatório da 2ª rep/CTIG, que nos foram foi gentilmente enviadas pelo Luís Gonçalves Vaz [, foto à esquerda], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM  Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do estado-maior do CTIG (1973/74), entretanto falecido em 2001 (*).
Excertos do "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG”, Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74... Reprodução das páginas 47-51 (Síntese da atividade de guerrilha, por zona (oeste, lestte e sul) > 1. Ações de guerrilha do PAIGC depois do 25 de abril de 1974; 2. Outras ações)... Neste período o aquartelamento das NT mais flagelado foi Jemberém, no Cantanhez: 7 vezes (a 1, 2, 6, 9, 13, 24 e 27 de maio de 1974).




Como já foi dito anteriormente, o relatório tem 74 páginas, é datado de 28 de Fevereiro de 1975 (data da sua publicação ?), não está numerado (seria um exemplar para o CEM?), mas é um original pelo aspecto, e está assinado pelo Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela (que o Luís Vaz soube, entretanto, ter agora o posto de major general, reformado).

O relatório contem as seguintes indicações: "SECRETO [carimbo a vermelho]. Exemplar nº [em branco] . CL/QG/CTIG. 2ª Repartição. Lisboa. 2810hFev75... Relatório da 2ª Rep CC/FAG (Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74)"..



Imagens: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.


2. Continuamos, por outro lado,  a publicar excertos que o Luís Vaz teve a gentileza de adaptar e transcrever:

(...) Análise da atividade de guerrilha:

Avaliado pelo quantitativo de ações,  a atividade de guerrilha da iniciativa do PAIGC em 1973  aumentou cerca de 35% em relação ao ano anterior. Por sua vez em 1974, no final de Abril, aquele quantitativo era 50% superior ao total registado nos primeiros quatro meses de 1973.


A ação do PAIGC vinha sendo caracterizada por um aumento significativo das ações de fogo, em detrimento das ações de terrorismo (raptos e roubos), orientando-se este, cada vez mais, para ações de terrorismo seletivo e sabotagens.


Pág. 13 do relatório: Síntese da atividade do PAIGC (ações de fogo, ações de terrorismo e outras): Ano de 1972, ano de 1973, ano de 1973 até 30Abr73, ano de 1974 até 30Abr874.... 

Fonte: Relatório da 2ª Rep /CCGAF [1975]



Era notória a evolução no sentido do abandono progressivo da atividade de guerrilha dispersa em superfície, em proveito das ações maciças contra objetivos definidos, obrigando a grandes balanceamentos de meios, por vezes, envolvendo elementos de todo o Teatro de Operações.


Estas características eram indicadores seguros do aumento de agressividade das FARP e da sua maior capacidade ofensiva, potencial e eficiência.








Em reforço da conclusão precedente, menciona-se o aparecimento de novas armas durante o período considerado (Míssil Strela e viaturas blindadas) e um maior emprego de outras (Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 85 mm, Canhão 130 e minas especiais).


Finalmente, a situação militar revelou nítido agravamento a partir de Dezembro de 1973, em especial nas Zonas Sul e Leste do Território [, como se pode ver nas páginas - de 47 a 51 - reproduzidas acima].

Estimava-se que,  em 1973/74, o potencial humano do PAIGC tenha atingido cerca de 7 500 combatentes, 4 500 integrados no Exército Popular e 3 000 nas Forças Armadas Locais. Além disso, os elementos disponíveis permitiam estimar que no princípio de 1974, se encontravam em instrução no CIPM de Kambera (dita Madina do Boé) cerca de 300 elementos por trimestre e que nos CI (centros de instrução) dos países de Leste da Europa e Cuba permaneciam 500 elementos dos seus quadros em diversos graus de preparação.

Durante a ofensiva de Maio/Junho de 73 e 1º trimestre de 1974, foi referenciado a presença de elementos estranhos ao PAIGC, provavelmente mercenários, de tez clara, não se conseguindo avaliar o seu efetivo nem determinar a sua nacionalidade (+).
A evolução do material inimigo continuava a processar-se em ritmo crescente e, ao longo do período, foram detetadas novas armas na posse do PAIGC e maior quantidade de outras já existentes de entre as quais se destacam: Míssil SA-7 STRELA (Soviético), Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 130 mm e viaturas Blindadas BRDM-2.
Quanto a meios aéreos, apesar de várias notícias o referirem com insistência, o PAIGC ainda não dispunha de Aviação para apoio aéreo eficaz. Sabia-se da existência de Aviões ligeiros na República da Guiné e era referenciado grande número de sobrevoos suspeitos, nomeadamente com MIG-17 [ foto à esquerda,]  e helicópteros.
Admitia-se, entretanto que a situação evoluísse, e que o PAIGC pudesse vir a dispor de alguns aviões (cedidos pela República da Guiné-Conacri). Sabe-se,  de fonte segura, que estavam na Rússia, para frequentar um curso de pilotagem (desconhece-se o tipo de avião), 28 recrutas do PAIGC.


Neste contexto, em Abril de 1974, face ao aumento do potencial militar do PAIGC, ao recrudescimento da guerrilha que se verificava desde Abril de 1973, a alguns êxitos espectaculares da mesma (abandono de Guileje, no Sul, e Copá, no Leste) e ao alastramento de atos de sabotagem ou terrorismo aos principais centros Urbanos, incluindo Bissau onde o próprio QG/CTIG não foi poupado (++), o anterior sentimento de proteção pela força existente no seio da população que se acolhia junto das nossas tropas estava muito afetado. Para isso muito contribuía a redução das evacuações por meios aéreos, originada pelo aparecimento dos mísseis Strela, e a fraca dissuasão obtida pela artilharia das nossas tropas face aos frequentes ataques com Foguetão 122mm [, foto acima, de Nuno Rubim].

Começaram a ser frequentes os pedidos, formulados por diversas povoações, solicitando melhor proteção e que as guarnições fossem dotadas de armamento mais eficaz, em especial artilharia de maior alcance que o Foguetão 122 mm. (...)
 
Continua


Adaptado por: Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro nº 530)
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Notas de Luís Gonçalves Vaz:

(+) Vd nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 7 de Janeiro de 1974:

 "(...) Soubemos hoje à noite, que em Canquelifá, foram mortos em combate, 6 Cubanos (?) e mais 6 Africanos do IN. Uma equipa fotográfica do Batalhão Fotocine seguiu de madrugada para lá, a fim de obter imagens" (...)."].

(++) Ver nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 22 de Fevereiro de 1974:

   " (...) Cerca das 19h e 10 min, quando me encontrava na gabinete do brigadeiro Comandante Militar, com este e com o Brigadeiro 2º Comandante, rebentou um explosivo colocado na casa de banho que a destruiu, assim como algumas das dependências contíguas. A forte deslocação do ar rebentou a porta e os vidros que foram projectados em frente, onde se encontrava o Brigadeiro 2º Comandante, de pé, e que caiu na direcção onde eu me encontrava sentado. O Brigadeiro Comandante Militar sentado na minha frente ainda sofreu. O 2º Comandante foi levado para o Hospital de Bissau, visto sangrar bastante de uma ferida na parte posterior da cabeça. Eu tive leves arranhões, de que me tratei no posto de saúde da CCS.. Estavam também presentes, no Gabinete Central, o Major Ferreira da Costa e o Tenente Abrantes ….Ninguém ficou ferido gravemente. Foi um verdadeiro milagre!" (...)

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Nota do editor:


4 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro Luis Goncalves,

Tenho acompanhado, desde o inicio, com um misto de curiosidade e de alguma incredulidade, a apresentacao das notas do Senhor seu pai, que foi, sem sombra de duvidas, um distinto oficial portugués assim como a transcricao dos documentos de arquivo do CTIG sobre a situacao militar na Guiné nos derradeiros anos de 1973/74.

Devo confessar que nao sabia que a situacao militar na Guiné fosse tao critica, e vindo de quem é, acho que nao havera muitos motivos para duvidar da sua veracidade.

A tua contribuicao foi muito valiosa para mim e penso que para a maioria dos que frequentam esta nossa Tabanca Grande.

Apreciei a tua coragem e acima de tudo a tua imparcialidade na apresentacao da situacao real da Guiné em especial na cidade capital (Bissau). Fosse qualquer outra pessoa, certamente seria acusada de propaganda pro-nacionalista.

Quero encoraja-lo a continuar no mesmo caminho.

Também eu, em 1974, teria sensivelmente a tua idade, talvez um pouco mais velho (14 anos) e vivi intensamente os acontecimentos daquele periodo e as nossas atencoes estavam centradas sobre os acontecimentos da capital.

Um abraco amigo,

Cherno Baldé

PS. Uma nota que gostaria de dirigir aos nossos estimados editores:
Tenho notado que sempre que se apresentam imagens das forcas da guerrilha (PAIGC), faz-se questao de identificar e mencionar a origem do seu material bélico (russo, chinés...) até de cigarros russos. Mas em relacao as tropas portuguesas nao tenho notado a mesma preocupacao. Havera alguma explicacao para isso? Nao acredito que todos os equipamentos fossem portugueses. sera!

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Cherno Baldé

É curioso que venhas agora dizer, trinta e sete anos depois, que não sabias que a situação, 1974, era tão crítica. Tu estavas lá, és, tal como eu, testemunha do que aconteceu em 1973/74, mas não te tinhas apercebido de que a situação era tão crítica. Verdade, verdadinha, a situação era difícil, mas não era tão crítica. Este relatório agora parece esclarecer tudo.
Mas não esclarece nada.
Foi elaborado em finais de 1974, à luz da confusão mentirosamente revolucionária, quando foi necessário justificar uma descolonização (necessária, com certeza!)mas feita às pressas,à revelia da dignidade, da justiça e da nossa História, com inenarráveis sofrimentos para os povos libertos (?) de Angola, Guiné, Timor e Moçambique.

Só isto, meu caro.

Ps. Havia prometido não mais comentários. Nunca digas nunca.
Eu acho que não disse nunca mais comento o que quer que seja.
É verdade que a vontade não é muita. Não me revejo em muita apreciação politizada que enxameia o blogue.
Anteontem, no cozido com toda aquela gente fixe da Tabanca do Centro (não se falou de guerra colonial, mas das nossas vidas por dentro de uma guerra) vários camaradas pediram-me para continuar no blogue.
Irei aparecendo.

Abraço a todos,

António Graça de Abreu

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caros Tertulianos:

O Relatório em questão, criticado por alguns e "Admirado" por outros foi em minha opinião elaborado ao longo de alguns meses no final de 1974, mas publicado oficialmente em 28 de Fevereiro de 75. É fruto já da união do Comando-Chefe com o QG/CTIG, que se uniu desde 17 de Agosto de 74, que oficialmente se constitui um Quartel General unificado para o C. C. (Comando Chefe) e CTIG . Publicado em Ordem de Serviço do Comando Chefe. Se ele "sofreu alguma pressão" do "Clima revolucionário" da altura? talvez,é natural, "fruta da época"... mas não ao ponto de ser "Desvirtuada" a situação Militar dos anos de 73/74, para perceber isso, basta ler a transcrição do documento enviado para Lisboa pelo Comandante Chefe (Antes da Revolução), em que alertava do facto o Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), a 20 de Abril de 1974 (vésperas do Golpe Militar de 25 de Abril) por uma Nota que concluía nos seguintes termos:

“O facto de ter sido confirmada parte das notícias atrás mencionadas pela utilização de viaturas blindadas no ataque a BEDANDA, confere certa verosimilhança às restantes notícias que referem a existência de Novas Armas Antiaéreas ou outras, pelo que aquela utilização e o conjunto de circunstâncias descritas na presente nota, nomeadamente a análise das fotografias juntas, são motivo de grande preocupação para este Comando-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das Forças Armadas da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das Guarnições Militares que porventura sejam atacadas, quer às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos. “

Se é mentira, basta investigar no Arquivo Histórico-Militar ou Arquivo Histórico-Ultramarino! Mas uma coisa é certa, A Comissão Liquidatária para o CTIG, era constituída por oficiais com muita experiência, competência e espírito de Missão, nem todos viraram "políticos", e um deles foi o Coronel de Cavalaria Henrique Gonçalves Vaz, último CEM/CTIG que só terminou a sua Missão da Guiné na Comissão Liquidatária em Lisboa, em Dezembro de 1976, altura em que “tinha arrefecido o verão quente de 75”…..mas que o FIM foi Inglório, ha isso foi.......

Saudações a todos vós, os da Tabanca e para os outros

L. Gonçalves Vaz

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caro Cherno Baldé:

Agradeço as suas palavras, relativamente à minha pessoa, bem como à memória do meu falecido Pai, que prezo muito! Mas se me permite, e em resposta á sua Nota, que até nem se dirigia a mim, mas sim para os Editores, eu posso-lhe adiantar o seguinte: a questão de identificar e mencionar a origem do material bélico do PAIGC (russo, chinês, ,...), relaciona-se com o facto de na altura (a partir dos anos 70)o nosso IN da altura, no TO da Guiné, o PAIGC passou a estar equipado com material militar de Topo (ao contrário do início da guerra), de origem das grandes potências militares na época, entende-me meu caro Baldé?
Enquanto nós, as Forças Armadas Portuguesas, estavam equipadas com Material de fabrico Nacional (com patentes Francesa ou Alemã), como era o caso das Berliet-Tramagal, Viaturas Chaimites, as próprias G3 (só a culatra é que vinha de fora!!), para além das velhas "Panhard" Francesas, material já obsoleto nos anos 70!!!!! e os velhinhos Fiat, material comprado em "Feiras" aos Italianos! Nenhum destes países, na altura, era uma Potência Militar como os Estados Unidos ou U. Soviética... É claro que tínhamos material BOM, mas era da NATO e não o usamos em África, a não ser esporadicamente e de pouca monta, já que a comunidade Internacional nos "monitorizava" com muita força!!!! E fez-nos falsas acusações. Não vimos Blindados M47 e M48 ou M60 na Guiné ou Angola? Um exemplo prático; a nossa Bazuca, não tinha a eficiência de um RPG 7, no clima Tropical da Guiné! os Foguetões 122mm (Katiuscas), o míssil Strella , eram de facto na altura material de ponta! e por aí fora... Penso já ter dado uma ideia, da razão de se identificar se á Chinês ou Russo, era equivalente a dizer que "era Bom material"...... ao contrário de hoje, que dizer "é material Chinês", é dizer que é fraco.....

Grande abraço:

L. G. Vaz