sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9468: Notas de leitura (331): O Boletim Geral do Ultramar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Não é de esperar uma surpresa retumbante da leitura das revistas oficiosas, no que toca à torrente informativa em tempos de guerra da Guiné. Fica-se com a sensação que, até ao limite, se pretendeu sugerir que todos aqueles atos perpetrados por bandoleiros não careciam mais de que enérgicas respostas de policiamento. É graças à reação senegalesa que se fica a saber, por comunicados do Ministério dos Negócios Estrangeiros que há combates na região Norte, até então, quem lesse os comunicados de imprensa acreditaria que a situação só era delicada no Sul. Mas a comunicação irá mudar graças aos serviços de imagem montados no tempo de Spínola, como se verá.

Um abraço do
Mário


A guerra da Guiné no Boletim Geral do Ultramar (2)

Beja Santos

O Boletim da Agência-Geral do Ultramar era inequivocamente um órgão propagandístico da responsabilidade do Ministério do Ultramar, acolhia relatos das viagens presidenciais, reproduzia na íntegra os discursos de Salazar, as alocuções ministeriais, incluía artigos apologéticos e carreava larga informação de todas as parcelas do Império. Esta leitura de tal publicação justifica-se para entender como é que o boletim acompanhou desde 1961 a erupção dos conflitos, exclusivamente na Guiné. Nesta incursão, e na sequência do registo efetuado dos acontecimentos até aos finais de 1963, dar-se-á uma síntese dos eventos entre 1964 e 1966.

No noticiário do número referente a Janeiro/Fevereiro de 1964, informa-se que Mamadou Saliou Diallo, natural da República da Guiné, de etnia Fula, chefe do posto aduaneiro de Kandika, com a sua mulher, um filho menor e uma sobrinha, apresentou-se recentemente às autoridades portuguesas pedindo asilo no território. No número seguinte, reportado a Março/Abril, fala-se da inauguração da ponte sobre o rio Mansoa: mede cerca de 150 metros e custou 5.577 contos. O Governo da Província autorizou que a ponte fosse aberta ao trânsito. Situada sobre o rio Mansoa, e junto da vila do mesmo nome, o comprimento da ponte distribui-se por um tramo com 47 metros de vão. A sua faixa de rodagem tem 7 metros.

No número de Maio/Junho dá-se a saber que foi nomeado novo Governador da Guiné, Brigadeiro Arnaldo Schulz. No ato de posse, Peixoto Correia, o Ministro do Ultramar, começou por dizer: “Disse-se durante longos anos que a Guiné era o território de África mais bem administrado”. Adiante, esclarece-se o tipo de subversão existente: “Modificou-se o ambiente de tranquilidade que constituía exemplo. Efetivamente, desde meados de 1961, mas mais ativamente desde fins de 1962, que grupos de terroristas originários do exterior têm provocado em alguns pontos, sobretudo no Sul, incidentes de certa gravidade com o fim de aliciarem pelo terror a gente autóctone e de desarticular a estrutura administrativa e a vida económica da Província (…) O Governo decidiu reorganizar a administração e o comando das forças, concentrando na mesma entidade o desempenho das funções de governador e comandante-chefe”. E até ao final do ano o Boletim-Geral do Ultramar no que toca à Guiné remete-se ao silêncio.

Em 1965, logo no primeiro número, começam a ser reproduzidos comunicados do Ministério dos Negócios Estrangeiros a rejeitar as acusações do Senegal. Logo em 8 de Fevereiro, a delegação senegalesa junto das Nações Unidas enviou uma carta em que se relatam incidentes que teriam ocorrido junto da fronteira entre o Senegal e a Guiné “dita” portuguesa. Tratar-se-ia de ataques com tiros dispersos, arremesso de granadas e a presença de soldados portugueses em território senegalês, na região de Kolda. Na resposta portuguesa, sublinhava-se que era conhecimento das autoridades senegalesas que um grupo de cerca de 400 terroristas estrangeiros tinha violado a fronteira portuguesa e atacado a aldeia de Cambaju. A população fora compelida a proteger-se, competia ao Senegal vedar o acesso aos terroristas.

Dias depois haverá nova acusação do Senegal com teor semelhante e resposta aproximada.

É curioso anotar como Salazar, no seu discurso “37 anos ao serviço da Nação” irá referir em concreto acontecimentos na região, procurando pô-los em benefício da sua política, dizendo: “Da República da Guiné afluem aos nossos mercados junto das fronteiras e aos postos médicos gentes que parecem precisar de géneros e cuidados, muito mais importantes para as populações que as armas fornecidas pelo seu governo aos terroristas que, excetuando o fruto das pilhagens, não podia tirar das suas depredações qualquer outro proveito. Das mesmas terras que chegam populações com os seus gados e outros haveres para fixar-se no nosso território da Guiné, sem que levantemos o escândalo dos refugiados que evitam a opressão e a crueldade dos governantes”.

Em Maio, renovam-se as acusações do Senegal. No número de Maio/Junho, somos informados que o jornalista inglês George Martelli, enviado especial do Daily Telegraph, referindo-se às declarações feitas em Londres pelo líder do PAIGC, em que se sugeria que aquele movimento controlava 40 % do território da Província, observou: “Amílcar Cabral ou não sabe o que diz ou é um destacado mentiroso”. Na secção de noticiário dá-se a saber que Mamadu Sambu, régulo de Empada, tinha ganho o prémio Governador da Guiné, e por essa altura dera-se a inauguração da Casa do Estivador, em Bissau.

Em Junho, dá-se uma notícia detalhada com fotografia de João Bacar Jaló, régulo de Catió, considerado um denodado combatente. Silva Cunha, o novo Ministro do Ultramar, entregou-lhe a Espada de Alferes. Incompreensivelmente, cai um novo manto de silêncio sobre a Guiné.

1966 irá ser também um ano parco de notícias. Ficamos a saber, no número de Março/Abril, que 16 deputados à Assembleia Nacional visitaram a Guiné. Deslocaram-se sobretudo dentro de Bissau onde viram o aparecimento de novas infraestruturas e equipamentos, viajaram até Bubaque, Bolama, Nova Lamego, Bafatá, Ilhéu do Rei, percorreram a península de Bissau, caso de Bor e Cumura. Nesse ano, Rui Patrício, então Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino, visitará a Guiné, ou seja Bissau, Nova Lamego e Bafatá.

Que interesse podemos atribuir à natureza informativa deste Boletim Geral do Ultramar? Era uma publicação estritamente oficiosa mas dá para o estudioso poder ler entrelinhas: será o caso das incursões em território senegalês, fica confirmado, pela natureza dos comunicados, que 1965 é o ano de viragem, Senghor finalmente apoia os ataques dentro da Guiné a partir das bases do PAIGC no Senegal. Não há comentários ao evoluir da guerra, só notícias sobre progresso. Há duas secções que devem ser consultadas no Boletim: as que se referem à leitura dos jornais e as dos comentários aos livros. A Guiné tem pouca coisa, de vez em quando há referências a artigos de O Arauto, as recensões de livros são insignificantes. Schulz deixa passar uma imagem muito ligeira, fala-se dos atos do governador, não há uma só palavra sobre os trabalhos do Comandante-Chefe. Vale a pena comparar a displicência com que Schulz tratou a sua imagem e o modo vibrante como vai ser noticiado todo o trabalho do seu sucessor. Os historiadores e investigadores doutras áreas também não podem descurar outra publicação propagandística, mas com outro cariz, a revista “Ultramar”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9449: Notas de leitura (330): O Boletim Geral do Ultramar (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Penso que nunca o governo de Lisboa, nem os chefes de posto nem a PIDE souberam usar as desavenças do Senegal no que diz respeito a Casamance.

Os Casamancinos tinham uma relação com a Guiné-Bissau muito forte.

Relacionamento linguístico (crioulo) e penso que familiar e étnico.

Não sei se depois de 1998 continua esse relacionamento.

Em Koldá e outros lugares fronteiriços quando os jovens viam uma viatura com a matrícula de Bissau os jovens faziam uma recepção muito especial misturando crioulo e português rodeavam-nos e exteriorizavam uma simpatia muito grande.

Claro que à noite esses jovens faziam guerrilha armada contra a tropa sengalesa.

Como não sou de estratégias militares nem políticas nunca percebi o que pretendiam se era uma independência ou uma ligação a Bissau.

Os serviços secretos conseguiram em Angola usar as desavenças dos vizinhos para darem tareia na FNLA e nos outros, na fronteira do Leste.

Lendo estas coisas antigas como este Boletim, e nos pusermos a pensar na ginástica que fizemos aqueles anos...

Será que o Salazar, saberia distinguir um fula de um Balanta ou flupe ou mandinga?

Antº Rosinha