sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9498: Notas de leitura (334): O Ultramar Português, o que se dizia sobre a Guiné e se oferecia na Feira Popular em 1945 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
É para dizer que há horas felizes, andava eu remexer num daqueles caixotes com papéis avulsos e apareceu-me este manjar dos deuses, nunca me passaria pela cabeça que se promovia o império na Feira Popular, por lá andei em catraio, não me recordo destas operações de dinamização cultural. O mapa da Guiné é a todos os títulos surpreendente, e nenhum de nós acredite que a Agência Geral das Colónias não pudesse ir buscar informação hodierna. A verdade é que o mapa tem o seu quê de exótico. E para quem está esquecido o nome da capital era mesmo aquele, S. José de Bissau.

Um abraço do
Mário


O que se escrevia sobre a Guiné e se oferecia na Feira Popular, em 1945

Beja Santos

A Feira Popular apareceu em 1943, em Palhavã, por ali esteve muitos e bons anos. A Agência Geral das Colónias tinha um pavilhão nesta feira onde, em 1945 se distribuía uma brochura de 40 páginas aos visitantes. Tive muita sorte de a encontrar nas minhas deambulações pela Feira da Ladra. Duas coisas me impressionam: o que se diz sobre o império colonial e a revelação de um mapa da Guiné para nós totalmente impensável, cerca de duas décadas depois, quando nós por lá andámos.

Na apresentação da brochura diz-se: “Lisboa é o centro de toda a vida nacional de onde partem as forças orientadoras das atividades de cerca de 11 milhões de portugueses, brancos, mestiços, pretos e amarelos, que trabalham para honrar a nação e deixá-la mais feliz aos que hão de vir a receber a nossa herança”. Na apresentação do território guineense referem-se as etnias (fulas, balantas, manjacos, papéis, mandingas, brames, banhús ou mancanhas, felupes, nalús, baiotes, biafadas e cassangas e logo se adverte: “Mas não pensem que a gente destas raças deixa de ser portuguesa. Depois de se apaziguar em rebeldias, - devido ao valor de Teixeira Pinto -, provocadas mais por divergências de raças e até por intrigas de estranhos, toda a população nativa da Guiné está perfeitamente assimilada e, mercê dos trabalhos progressivos de fomento de e de boa educação realizados nos últimos 15 anos, todos ali são excelentes portugueses e a Guiné é boa terra de Portugal. Quem desembarca na Guiné portuguesa, vê nos edifícios modernos, na vida local e no aspeto prazenteiro de todos que os maus tempos do clima doentio pertencem ao passado, porquanto a metódica atividade dos governadores tem sabido e podido dar combate à doença pelo emprego de processo de higiene pública, que as brigadas de saúde e as missões científicas aconselham e dirigem, já alguém disse que a Guiné Portuguesa é um jardim encravado na costa ocidental francesa”. E os autores da brochura despediam-se assim de quem vinha à Feira Popular: “O nosso Império é o resultado do esforço secular de muitos, conjugado com a cooperação dos nativos, chamados ao nosso convívio. O indígena, bem orientado e bem educado, sabe ser e mostra, sempre querer continuar a ser português. O progresso do Império não pode fazer-se desordenadamente, em obras de acaso, porque o progresso é movimento numa direção definida. Ora, a nossa direção está de há muito traçada, desde a primeira hora: levar a toda a parte, através de sacrifícios, de trabalhos duros, de lutas constantes com os elementos adversos, a civilização cristã. Aqueles que queiram ir para o Ultramar, não com o sonho mentiroso de riquezas fáceis e fantásticas, mas para trabalhar honradamente, metodicamente, fazer colonização natural e normal, precisam preparar-se (convém repetir) para esse combate pacífico e pacificador, onde há também heróis e onde não deixa de haver vencidos: os que não souberem vencer-se a si próprios, os seus vícios, a rotina, a falta de confiança nas suas possibilidades e a falta de fé na juventude de Portugal”.


O mapa da Guiné é muito mais do que uma curiosidade. O que aqui se mostra é pouco mais do que a Guiné dos presídios e praças, do século XIX. No Leste, nem uma só uma menção a populações fronteiriças, não se fala no Boé nem no Gabu; Geba tem mais importância que Bafatá; Sambel Nhantá neste tempo já não existia; e toda a região do Corubal é pura omissão, como o Xime; a região Centro-Norte não refere Mansoa, nem Bula nem Bissorã nem Mansabá, eram vilas com algum desenvolvimento neste tempo; não há uma referência à cidade de Bolama no arquipélago dos Bijagós; no Sul, fala-se de Bolola certamente por influência do passado, não existem nem Catió, nem Fulacunda, Bedanda, Gadamael. É facto que é no tempo de Sarmento Rodrigues, portanto logo a seguir a esta brochura, que se dão passos seguros para o levantamento topográfico moderno, mas o que aqui vem é um descaro cultural, a Agência Geral das Colónias bem podia ter solicitado um mapa do tempo, este seguramente que não era.

Documento bom para refletir sobre a farronca e linguagem altaneira de uma certa proposta imperial em contraste com o pindérico e o anacronismo cultural do produto apresentado.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9477: Notas de leitura (333): Maria Helena Vilhena Rodrigues, mulher de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...
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