quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9522: Memória dos lugares (177): Um topónimo com uma grafia (Tabassi) e uma fonia (Tabassai) (José Manuel Matos Dinis)

Localização de Tabassi na Carta de Pirada


1. Esclarecimento do nosso querido amigo e camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), sobre uma dúvida nossa (do Cherno Baldé e dos editores) a respeito do topónimo Tabassi (ou Tabassai) - uma tabanca que fica(va) a sudoeste de Bajocunda, na estrada Pirada-Bajocunda  (*)

Meus Caros Luís e Cherno,


A verdade é que se trata de uma mesma aldeia, situada a meio caminho da estrada que liga Pirada a Bajocunda. Verbalmente sempre ouvi designá-la pela fonia Tabassai, mas nas cartas geográficas normalmente consta Tabassi. A pronúncia Tabassai era usual entre os naturais, e generalizadamente utilizada. Nos meus escritos uso-a indistintamente. (**)

Um abraço para dividirem.
JD

2. Comentário do editor:

E se for erro (tipográfico) da carta ? É possível... O José Manuel Dinis usa Tabassi ou Tabassai. Dois camaradas nossos, e escritores, Manuel Barão da Cunha (em Tempo Africano) e Armor Pires Mota (em Estranha Noiva de Guerra),  que conheceram a região, usam o topónimo Tabassai, de acordo com notas bibliográficas de Beja Santos:


Vd. poste P6847

(.,..) Depois emergimos em Tabassai, na região de Pirada, estamos ainda em 1970. Tabassai fica sensivelmente a meia distância entre Pirada e Bajocunda, pertence ao regulado da Pachana. Voltando atrás, em 1965, é provável que Barão da Cunha rememore acontecimentos que viveu, descreve usos e costumes, temos novos reencontros, há mesmo uma ida ao Morés, temos de novo os comportamentos de heróis anónimos na permanente elegia de Barão da Cunha (...).

Vd. poste P6727

(...) A paixão entre Mariama e Elias desperta. Passa-se pela região de Lala Samba, os jagudis voltam a atacar o finado, arrancam-lhe os olhos, metade de uma orelha, o nariz. Aos tombos, chegam a Cumbijã Sare, lavam o que resta do Perdiz. A trama ganha novos contornos com a chegada de dois guerrilheiros, depois chegam à tabanca de Sambuiá onde um velho, de nome Mamadú Keta, antigo alferes de segunda linha, irá oferecer um cachimbo ao Bravo Elias. Ali se falará do futebolista Eusébio e numa xícara da Vista Alegre. Depois de terem ladeado Tabassai, dá-se o reencontro com a tropa. Mas a via-sacra ainda não terminou, aliás nunca se saberá qual o seu ponto culminante. Segue-se um ataque a Mansabá, uma descrição como nunca encontrei na literatura da guerra colonial: o vigor da encenação, os sons, as imagens de sofrimento, as águas-fortes das correrias e dos rodopios. No durante o ataque os dois jovens guerrilheiros do Morés matam Mariama. O apocalipse prossegue, Bravo Elias consegue olhar com os olhos enxutos todo este mundo devastado em que até o pássaro John pia assustado, era um fio de voz que doía. E assim termina este romance incomparável: “Então, resolvi erguer-me de onde estava, aéreo e pardacento, e, cambaleando muito, fui à procura de John por cima de um mundo de destroços”. (...)

Eis o texto de apresentação, à Tabanca Grande, do próprio José Matos Dinis, enviado por mail de 21/8/2008:

(...) Caro Luís Graça e amigos:

Chamo-me José Dinis, integrei a CCaç 2679 no CTIG, durante os anos de 1970/71, como Fur Mil,companhia que, inicialmente, desempenhou funções de intervenção no Sector Leste, baseada em Piche, onde estava o BART 2857, tendo passado ao regime de quadrícula em Bajocunda, em Agosto/70, substituindo a CART 2438, sendo dependente do COT 1.

Integrei o 2ª. pelotão, que comandei durante cerca de 18 meses, após atransferência compulsiva do meu grande amigo, o Alf Mil Eduardo Guerra. O grupo ficou conhecido por Foxtrot, e ganhou nomeada pela sua grande disponibilidade, entrega e arrojo. Ao nível da companhia, regista o maior número de louvores e o menor número de 'porradas'.

Em Piche fui dinamizador da estação de rádio ali criada, embora com a antena horizontal próxima do telhado de zinco para 'abafar' as emissões,  em virtude da falta de autorização para o efeito. Em Bajocunda criei a jornal Jagudi, que expandia textos de diversos camaradas, bem como, por vezes, transcrevia artigos de orgãos da comunicação social. O jagudi ganhou alguma notoriedade porque era lido pelo João Paulo Dinis no Pifas.

A Zona de Acção do Sector L4 - Piche -, onde fizemos intervenção, apresenta uma superfície plana de cerca de dois mil quilómetros quadrados, com a altitude média de sessenta metros, e uma cobertura vegetal dispersa, por vezes de savana, adensando-se nas proximidades dos rios.Tinha como limites a fronteira com o Senegal, entre os marcos 50 e 58, a norte, o R Corubal, até à Confluência do R Seli, o R Beli, até à confluência  com o R Juba, o R Juba, o R Camidina, o R Cambajã, Cambajã (excl.), Canjamo (excl.),Sinchã Bebe (excl.),o R Délebel, o R Bidigr,o R Nhangurem, o R Chimanar, o R Rapael, o Nácia, o Bial, o R Corri, o R Nungajá, e o marco 63, regiões fronteiras à Guiné-Conakri.

A Zona de Acção de Bajocunda apresenta características idênticas às do Sector L4  e estendia-se de Tabassi a Copã. Nestas regiões não havia instalações IN,  quer de carácter permanente, como provisório. A actividade do IN consubstanciou-se em acções contra a população (para roubar e intimidar), à implantação de engenhos explosivos em estradas e outras vias de acesso a povoações e a flagelações contra aquartelamentos das NT e aldeias em autodefesa. A única emboscada concretizada não vitimizou o pessoal da companhia.

A densidade populacional era elevada, tendo em conta a fertilidade do terreno e o clima relativamente favorável a fixação. Havia representantes de diversas raças: Fulas, em maioria absoluta, Futa-Fulas, Fulas-Forros, Fulas-Pretos, Mandingas, Panjandincas e Bambarancas.

O Fula não aceita outra relegião para além do islamismo. Também era notória a sua preferência pela língua árabe, mesmo deturpada. O português, como língua falada, não era da sua preferência. Os fulas, ardentes propagandistas do islão, propagavam a escolaridade em árabe. A população manifestava-se algo colaborante, mas assumia uma posição neutra em relação ao IN, de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros.

A nossa missão era a de garantir a segurança nas regiões, através de patrulhamentos de prevenção às infiltrações do IN, assegurar a liberdade de movimentos nos itinerários, montagem de emboscadas, diurnas e noturnas, em supostos lugares de passagem ou penetração do IN, apoios e contactos com as populações, relativamente a acções de indole psicológica ou sanitária.

A actividade do IN surpreendeu-me por alguma passividade e, para isso, tenho a minha interpretação; Em 1969, após o nosso abandono da região do Boé, e como estruturação do IN para o objectivo da independência, alguns dos seus quadros terão rumado aos países que lhes davam formação, pelo que essa mobilização - que não posso garantir, mas parece ter acontecido - reflectiu-se na abrandamento da guerra, que se acentuou a partir dos finais de 1972.

Para esta caracterização apoiei-me na história da companhia. Afinal, uma boa parte das companhias dispersas pelo território do CTIG tiveram funções semelhantes, mas nomeá-las tem a intenção de recordar ou reportar algumas das tarefas do quotidiano, alguma caracterização antropológica, alguma sensibilidade sobre o relacionamento das partes envolvidas. Lanço o repto a outros mais capazes, de divulgarem os conhecimentos que tenham relativamente a estas matérias, com o óbvio fim de ajudar à melhor compreensão de factores endógenos, que influenciaram on desenrolar dos acontecimentos.

Pronto, fiz a minha apresentação, e peço que me considerem como membro da Tabanca Grande. Quero despedir-me com um abraço aos amigos.

Cascais, 2008.08.21
  _____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis) 

3 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caro José Dinis e prezados Editores,

Eu presumo que houve um erro de grafia pois a fonia "Tabassai" é a mais conhecida. A palavra ou a juncao das palavras (Taba e Say)é seguramente de origem mandinga como é o caso de quase todas as localidades da zona norte e leste (p.ex. Farim, Kaabu, Bafata, Badjucunda, Kuntuba, Fadjunkito, Paunca, Tabato, etc. De uma forma geral, todos os toponimos que comecam com o prefixo "Can/kan/Gan", "Ba/Fa", "Man" e os que terminam com o sufixo "to/ta", "do/din", "cama/cunda"; conquistadas pelos fulas na segunda metade do sec. XVIII.

Mudando de assunto, foi com alguma curiosidade que li as notas de apresentacao do José Dinis relativamente a sua zona de atuacao durante a sua comissao na Guiné e sobre o conhecimento que pretendia ter sobre as populacoes locais, fulas na sua maioria, penso que, certamente, ja teve tempo e oportunidade para mudar de opiniao em alguns aspectos.

Embora esteja de acordo com ele sobre as suas observacoes em relacao ao apego dos fulas a religiao muculmana, que nao tem, nem hoje nem ontem, nada de reprovavel em si a nao ser do ponto de vista etnocentrico de quem quer impor a sua ordem e sua logica das coisas, que na altura se chamava "colonialismo" .

Infelizmente, nao concordo com ele quando diz que "as populacoes manifestavam colaboracao mas assumiam uma posicao neutral em relacao ao IN, de maneira a, agradando a uns, nao desagradar aos outros".

Caro José Dinis, o comportamento das populacoes camponesas em todos os teatros de guerra é quase sempre a mesma, ou seja de quase neutralidade com o conflito em si.Isto é valido tanto em africa como em Asia ou América-latina, o grande Che Guevara também observou e escreveu sobre o mesmo assunto.

Nao obstante, a posicao das populacoes fulas durante a guerra era muito clara, tao clara que ficou escrito nos anais da historia do PAIGC, de Cabral e da Guiné; tao clara que, logo depois da independencia, a primeira medida que tomaram foi cortar a cabeca, aniquilar as chefias tradicionais e militares que lideraram a oposicao e tomaram o partido da alianca com os portugueses.

Durante a guerra, eu vivi sempre na charneira entre a populacao nativa e os militares portugueses e sempre pressenti esta desconfianca latente da tropa em relacao as populacoes, e quase sempre, de forma absolutamente injustificada.

Os fulas, a semelhanca dos portugueses, foram ingénuos e nao conseguiram fazer a leitura correcta do sentido da historia e pagaram por isso. No caso especifico dos fulas pode-se mesmo dizer que vao pagar, ainda, por muito mais tempo, incluindo varias geracoes, por uma alianca onde nem sequer tinham o crédito que mereciam pela sua fidelidade.

Um grande abraco a todos,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Concordo com Cherno!

Penso que conheci bem os Fulas!A sua lealdade aos Portugueses era
incondicional.Claro que continuam a pagar por essa opção..
Já quanto aos Mandingas a história é outra..

Abraço.
J.Cabral

Anónimo disse...

Caro Cherno, Camaradas,

Muito obrigado pelo teu comentário esclarecedor em duas vertentes.
A primeira parte tem a ver com agrafia oponómica de Tabassi, geralmente expressa nas cartas geográficas por Tabassi.
Concordo com a tua ilação sobre um erro gráfico nas cartas (serão só as de origem portuguesa?) , hipótese que já me tinha colocado, e por essa razão tem-se perpetuado. Assim, talvez se deva chamar a atenção, não só para o Instituto Geográfico e Cadastral, como para o Departamento congénere do Exércto, e a autoridade da Guiné.

Quanto à segunda parte do teu comentário, apesar da tradicional colaboração, ou pretensa protecção dos Fulas em relação à antiga autoridade portuguesa, tive essa experiência por via de diferentes contactos, mas também me lembro de termos sentido alguma dificuldade em relação a alguns elementos da população, apesar de, no geral, serem de grande alegria e afabilidade as relações da tropa com a população.
Por acaso, reporto-me a Tabassai, para referir que for transformada em aldeia em auto-defesa e, para o efeito, recebeu algumas armas G-3, praticamente novas. Todavia, apercebi-me de que as armas não eram vistas. Nunca observei algum popular com a sua arma. E tive até uma chatice com o chefe da tabanca, porque, mostrando-se solicito em busca dos elementos da auto-defesa, nunca encontrou algum, nem armas. Um dia, que tínhamos aprazado para o efeito,mostrou-se desdenhoso comigo, pelo que lhe retirei duas granadas que, na ocasião, ostentava à cinta. Dei conhecimento do facto ao capitão e desinteressei-me do caso. Sei que desautorizei uma autoridade, mas constava que as armas tinham levado sumiço, e contavam com a tradicional displicência dos portugueses.

Seria de considerar, neste caso, pelo menos, uma atitude de diplomacia na aceitação das armas para a prática da auto-defesa, que nunca se concretizou enquanto lá estive.

Também sei que havia tropa que roubava bens à população, pelo que admito que houvesse diferentes estados de espírito nas relações da população com os portugueses.

Além disso, havia aldeias mescladas de raças, ou condicionadas por factores assistenciais ou de ordem económica e social, mais ou menos determinantes de emoções que condicionavam as relações.

Mas registo a informação que prestaste, e afirmo a minha repugnância pelos actos de vingança gratuita que incidiram sobre famílias tão sofridas.

Um grande abraço
JD