segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 12
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

8 – CABEÇA RAPADA

Sentado, saboreava a sombra e um cigarro, num fim de tarde na Tabanca de Mansambo, fascinado com a perícia dos movimentos que volteavam e batiam uma faca, de cabo metálico, na palma da mão esquerda de um “artista barbeiro”.
Parou. Colocou com cuidado a faca sobre um banco e, só então retirou o pano molhado, que se mantivera por bastante tempo, sobre a cabeça do cliente. Trocaram breves palavras em Fula. Eu observava o ritual.

A faca começou, então, a rapar a cabeça em movimentos certeiros, lentos e hábeis.
Fiz uma ou duas fotos. Nunca vira uma cabeça ser tão rápida e habilmente rapada.
O barbeiro disse algo ao cliente, já rapado e ambos Picadores em Mansambo. Olhou-me e sorria enquanto passava o pano molhado sobre a cabeça rapada.
Tirei do fio de cabedal uma faca igual e disse:
- Afia-a como essa.
Rimos todos.

Vida nas Tabancas > O barbeiro

Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não.
Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti.
Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações.

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:
- Dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada;
- Mostrar que as populações estavam com as NT;
- Fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares e uma logística enorme: - viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido á resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança.

No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou. Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Operação "Cabeça Rapada"

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio/69 a Sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxilio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Só em meados de Agosto veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando.

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a Tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9521: Nós da memória (Torcato Mendonça) (11): Vida nas Tabancas - Culturas - Fotos falantes IV

5 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Camarada Torcato
A simplicidade do tema é na realidade um grande aglutinador das nossas lembranças.
Tambem participei em proteções a grandes grupos de capinadores na região de Bissorã.E apareciam civis aos magotes,pois pudera ,o dia era pago pelo Estado Português.embora que em géneros(arroz).
Na realidade a capinagem dava segurança quando estava-mos no quartel e quando regressava-mos.Mas quando tinha-mos que sair em patrulhamentos que era quase sempre ao caír da noite eu só me achava seguro depois de nos embrenharmos no mato.
Bom um abraço Henrique Cerqueira

Rui Silva disse...

Continuas-me a surpreender com as tuas fotos. Porque elas falam de facto, são eloquentes. Aliás para mim uma foto vale tanto quando nos diz qualquer coisa, isto é, que tenham conteúdo. E elas têm.
Boa máquina e bom olho no visor também.
Fiz algumas operações de capinagem na estrada Olossato-Farim (K3) e lembro-me bem de um arrepio.
Depois de já andarmos ali há uns dias, vi, pelo reflexo do sol, um finíssimo fio de metal esticado entre dois arbusos. Numa ponta, bem disfarçada por um arbusto, uma granada defensiva: um presente do IN.
A sorte uma vez mais a acompanhar-nos.
Um abraço para ti T.
Rui Silva

jdeferraz disse...

Camarada e Companheiro Torcato...
cronologicamente posso estar equivocado mas se bem me lembro eu estive com o meu GC montando seguranca nas desmatas a que te referes disso nao tenho duvida por outro lado na noite anterior ao nosso embarque do Xime para Bissau e antes da companhia que nos rendeu chegar o IN atacou como to dizes Amdalai e o Cap. Vaz ordenou-me que levasse o meu grupo ao alvorecer ate la e ajudasse na auto defesa. Lembro-me bem que no caminho fomos emboscados na famosa ponte quebramos o contacto e la chegamos como o IN se tinha retirado passado umas horas regressamos ao Xime e quando eu vinha a entrar o arame farpado o Cap. Vaz diz-me para levar um grupo dos "Periquitos" de regresso a Amdalai caso o IN viesse a atacar de novo, e la voltamos para Amedalai a "velhice" e os novatos, nunca me lembro de ver tanto medo em tantas caras. Falei com o Alferes Periquito e disse-lhe. Meu alferes o "PessoalBalanta" tem que levar o seu grupo ate Amedalai nao quero ver ninguem que nao esteja ligado a vista porque se caimos numa emboscada nao quero muito pessoal na zona de morte mais ainda em caso de emboscada nao quero que os seus homens abram fogo que fiquem muito quietinhos e deixem a minha malta trabalhar nao tenho intensoes de perder ninguem no ultimo dia da minha malta ou da sua. e arranquei arame fora chegamos a Amedalai sem novidade deixamos os periquitos e regressamos ao Xime embarcamos e Bissau connosco. boa recordacao. UM forte Abraco-ZE.



















































































xime

Torcato Mendonca disse...

Ainda não tenho a certeza. Estará isto a funcionar? Experimento...
Ab T.

Torcato Mendonca disse...

ou as forma de comentar mudou ou??? pifou algo nesta máquina infernal.