segunda-feira, 5 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9561: Caderno de notas de um Mais Velho (20): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte II)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > 1970 > Em primeiro plano, os camiões basculantes Magirus Deutz da TECNIL em operação, na construção da estrada do Xime-Bambadinca. Variante que contornava o planalto de Bambadinca, junto à bolanha, a sul, fazendo a ligação ao troço, já alcatroado (e anterior a 1969), Bambadinca-Bafatá... À esquerda, o morro onde se situava o aquartelamento, o posto administrativo, bem como outras instalações civis (capela, escola, CTT)... 

Foto de 1969/70, do ex-Fur Mil Op Esp Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).


Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada (alcatroada) Bambadinca - Xime > Chegada ao Xime, em 9 de Março de 1974, da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74), para embarque em LDG, caminho de Bissau. A esta companhia pertencia o nosso camarada Luís Dias. O Xime era a porta de entrada em (e de saída de) a zona leste... As estradas de Bafatá- Nova Lamego, Bambadinca –Xime, e Nova Lamego-Piche-Ponte Caium foram obras da TECNIL durante a guerra colonial. No final da guerra, estava também em construção a estrada Jugudul-Bambadinca (em junho de 1974, estavam alcatroados cerca de 25 km)... Não tenho a certeza, mas esta empreitada devia estar também a cargo da TECNIL, a principal empresa de obras públicas da Guiné antes... e depois da independência.

 A TECNIL era também um das grandes empresas de obras públicas em Angola, antes da independência... No meu tempo (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971), o único troço que estava construído, quando cheguei ao leste, era estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (desconheço o ano em que foi construída bem como a empresa construtora)... (LG)

Foto: © Luís Dias (2008). Todos os direitos reservados


Guiné-Bissau > Bissau > 1984 > Porto: Projecto da TECNIL, de construção do novo cais... 

Foto: © António Rosinha (2006). Todos os direitos reservados.



 Angola > CART 3514, Panteras Negras, 1972/74 >  Picada de Ninda, Moxico, Lestte de Angola,  1973 > Frente de trabalho da TECNIL... 

"Estavamos em meados de setembro do ano de 73, tinha chegado há poucos dias da metrópole onde passei umas curtas férias, o tempo no leste estava bastante ameno de dia e gelado de noite, próprio da estação do cacimbo no planalto dos Bundas, tínhamos rodado do mato para a 'Pousada',  na Colina do Nengo, onde nessa altura havia muito serviço de colunas, no apoio e protecção à TECNIL. Em fins de julho uma Berliett da nossa Companhia acionou uma mina A/C no troço em construção, entre os rios Luce e Luati e em agosto no troço do Mucoio um autotanque da TECNIL foi destruído também por uma mina anticarro, o que levou a empresa a pedir segurança matinal às suas viaturas até ao local da obra. Saíamos do Nengo de madrugada, bem agasalhados e enfiados no poncho, percorríamos 40 kms até Gago Coutinho, onde chegávamos uma hora antes do nascer do sol; no regresso escoltávamos o 'comboio' de viaturas civis até à frente de trabalho, já muito para além do rio Luati, na picada do Ninda" (...).


Foto (e legenda): CART 3514, Panteras Negras, Angola, 1972/74 > 7 de fevereiro de 2012 > António Carvalho > Estórias de Angola... (Reproduzido com a devida vénia).


1. Continuação de notas do caderno do António Rosinha (*)...



Assunto: TECNIL (2ª parte): (In)adaptação de uma empresa da velha Guiné colonial para a nova Guiné,  independente e comunista.


Esta empresa e seus idosos administradores aguentaram sem declarar falência durante 7 anos. De 74 a 1981.

Era difícil passar de «patrão» a «camarada»,  de um dia para outro, não era fácil. Os trabalhadores faziam reivindicações perante a empresa, mas estava tudo tão mau, socialmente, que tudo o que pudessem exigir nem tinha significado económico porque ou era mais um quilo de arroz  ou um litro de óleo.

Como não era fácil para certos ministros e o próprio Luís Cabral administrar e sustentar aquela «familiaridade/camaradagem» adquirida,  principalmente pelo uso e  abuso por parte principalmente dos «camaradas» do Partido.  É que o fim de Luís  Cabral e seu governo apenas antecedeu uns meses o fim da TECNIL (**).

Pessoalmente considero o desaparecimento de Luís e da TECNIL,  o desaparecimento de duas imagens muito fortes de uma fraca  portugalidade que vai desaparecendo cada vez mais da Guiné.

Se a Guiné-Bissau foi uma terra em que os povos viviam em 1974 com os seus usos e costumes  de há 500 anos, apenas com uma pequena introdução de  hábitos cristãos e muçulmanos, de um momento para o outro vieram ateus, comunistas, maoístas, capitalistas, socialista, idealistas, mais cristãos e muçulmanos, com as mais variadas ideias para fazer o que Portugal não fez em 500 anos, «ajudar e ensinar os guineenses».

Exceptuando a TECNIL, mais duas ou três pequenas empresas e uns pequenos comerciantes,  pouco ficou de decisivo nas mãos de gente da era colonial, após a independência. Ao contrário das ex-colónias inglesas e francesas, em que os velhos cólon continuaram a «ensinar» os seus povos, no caso da Guiné, avançaram as "Nações Unidas"  em força. Eu já tinha visto isso no Congo Belga,  no tempo de Hammarskjöld [1905-1961, sueco, o segundo secretário-geral das Nações Unidas].

A TECNIL funcionava quase como a empresa oficial das Obras Públicas.  Luís Cabral entregou-lhe por concurso público as 3 maiores obras com financiamentos de doadores europeus uns e árabes outros: (i) prolongamento e modernização do aeroporto; (ii) Avenida Bissau-aeroporto (ex-Unidade Guiné-Caboverde);  e (iii) Liceu no Bairro da Ajuda, este em sociedade com Soares da Costa. 

Podia dizer-se que era o mundo inteiro a ensinar "este povo", como diziam em várias línguas, e a TECNIL, Soares da Costa e e dois ou três ministros a cortar árvores para exportar, a única actividade produtiva,  a sério.

Como não sou economista não sei explicar tecnicamente como se leva um empreiteiro à falência. Mas como conheço algumas regras de Obras Públicas que aprendi estes últimos anos na Expo 98 e na Ilha da Madeira nos túneis e viadutos  e em trabalhos para a Refer para o Alfa Pendular,  posso compreender hoje o que aconteceu ao velho engº Ramiro Sobral  (75 anos), em 1980, e à sua velha TECNIL...

Devido à idade, a TECNIL e os seus idosos administradores já não tinham jogo de cintura para uma coisa moderna que antes não existia em obras do Estado Novo:   "DERRAPAGENS ORÇAMENTAIS",  o que por falta de prática levou muita gente a morrer na praia, deixando-se ultrapassar por gente mais "moderna".

Mas porque Luís Cabral lhe entregou, à TECNIL,  um tal volume de trabalhos?

Como já fui encontrar tudo muito complicado em termos de atrasos de obra, falta de equipamentos, as facturas batiam no Banco e nas Finanças sempre "com atraso", ou seja, "se tens vindo ontem tínhamos dinheiro, mas hoje, patacão ká tem".

Sei que uma das principais razões de o governo entregar tanto trabalho à TECNIL, foi a confiança que havia na seriedade das pessoas, mas principalmente porque as outras empresas concorrentes, francesas e portuguesas, exigiam toda a facturação em DÓLAR,  nada ou quase nada em PESOS.

A falta de previsão do futuro dos velhos senhores/camaradas da TECNIL fê-los esquecer que a rotina colonial sem inflação, as compras de equipamentos  em escudos/pesos e o combustível era ir à bomba, ia acabar tudo na Pátria de Cabral.

E deixando-nos de ingenuidades, aquilo que os guineenses chamam «súcu di bass»,  corrupção, começou a fiar mais fino no que toca a grandes empreitadas. Para encher a  "barriga aos barrigudos", em democracia só com grandes DERRAPAGENS, o que no tempo da ditadura de Salazar era tudo pró pequenino, passou tudo a ser à grande e à francesa,  o que deixou a TECNIL completamente ultrapassada. (Sei o que era corrupção antigamente em Angola, soube depois 5 anos no Brasil, soube depois na Guiné, mas bom mesmo foi no nosso portugalinho, principalmente na Madeira e na Expo 98, o dinheiro via-se deslizar, até posso promover visitas guiadas por onde escorreu algum).

É que  cá em Portugal a TECNIL ainda fez umas tentativas, mas com a mesma falta de dinâmica democrática que sobrava  aos novos empreiteiros, o que também ajudou ao afundanço da empresa.

Como faço uma ligação ao fim da TECNIL e de Luís Cabral, tenho a dizer que,  à parte a política, houve muito incómodo para a cidade e cidadãos de Bissau, com a construção da Av Bissau-aeroporto, o que acumulou a outras coisas o descontentamento das pessoas.

É que,  além de já não haver regularmente nem água nem luz, na cidade,  as obras obrigavam ao derrube de casas, sem explicar devidamente às pessoas, ou até indemnizar previamente os donos, a obra parava dias e dias por falta de combustível, os jovens que devoravam toneladas de livros nos bancos e à luz dos candeeiros do jardim do Alto Crim, este simplesmente foi destruído com muita pena no rosto de toda a gente, até da minha parte achei um crime. Já falei nessa «desgraça» noutra altura. Passados muitos anos está lá a Assembleia Popular.

As obras chegavam a parar por falta de alimentos  essenciais à venda para os operários e suas famílias se alimentarem.

Tudo acumulado,  sem dar explicações ao povo, nem explicações políticas nem técnicas nem sociais, aproximava-se o fim do ano de 1980 e em 14 de Novembro Luís Cabral é derrubado.

Luís Graça, como tive um episódio  num trabalho pessoal para o Luís Cabral, em que entrou o velhote Ramiro Sobral, e este previu para mim o fim de Luís Cabral, queria guardar para uma terceira e última parte o fim propriamente dito da  própria TECNI. Em  que houve episódios desagradáveis,  em que o último director de Obra era um Engenheiro Civil saído da engenharia do exército, que havia servido como capitão na engenharia na Guiné.

Um abraço,

António Rosinha
_______________

Notas do editor:
 

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2006 >Guiné 63/74 - P1327: Tabanca Grande (3): António Rosinha, ex-Fur Mi em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979

(...) Texto do António Rosinha, com data de 6 de Novembro de 2006, que, depois de algum tempo para ponderação, acabou por aceitar o meu convite, bem como o do Vitor Junqueira e do Amílcar Mendes, para se juntar à nossa tertúlia de Amigos & Camaradas da Guiné:

Estimados L. Graça, V. Junqueira e A. Mendes:

Vou decidir aceitar o vosso convite. Faço-o, mas sem jamais me considerar no mesmo patamar de qualquer outro tertuliano, que, digamos, é do Quadro... Considerar-me-ei um tertuliano do Dia Seguinte. Mas, ao aceitar, pretendo pagar as cotas por inteiro, isto é, assumir as responsabilidades de tertuliano que me possam ser imputadas.

Penso que o blogue está para se expandir imenso, e serei o primeiro a dar espaço a outros do quadro. Envio umas fotos da minha guerra que, a par da vida civil que passei em Angola, foi simplesmente um tempo inesquecível de vivência de trabalho e, tirando o ano de 1961, eu posso dizer de paz.

Só vim compreender essa paz quando em 1979 faço um contrato com a TECNIL, e vi que os IN se tinham concentrado à volta da Guiné, e era a maneira mais económica de atingir os objectivos. Envio umas fotos da minha actividade como topógrafo (lembro que não era muito aconselhável nesse tempo andar de máquina a tiracolo): era porto, aeroporto, junto a quartéis, poucos lugares me passaram ao lado, em trabalho. Logo que encontre, vou mandar foto pessoal daquele tempo, nem que seja dos passaportes. As fotos da Guiné não abundam. Termino com um abraço. (...).

(**) Vd. poste anterior da série > 3 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

7 comentários:

Luís Graça disse...

Tive o prazer de conhecer pessoalmente o Rosinha no nosso II Encontro Nacional, em 2007, em Pombal...E gostava de o rever, no nosso encontro de 2012, em Monte Real...

Entretanto, mandei-lhe um mail a perguntar:

(i) Sabes quem construiu o troço Bambadinca-Bafatá ? Já existia, alcatroado, quando por lá passei em 2 de junho de 1969, vindo do Xime, a caminho de Contuboel...

(ii) E o troço Jugudul-Bambadinca ? Foi também a Tecnil ?

(iii) A estrada Bambadinca-Saltinho-Quebo... já é do teu tempo...

(iv) Faz lá um levantamento disso tudo... Obrigado pelo teu esforço de memória... Luís


PS - No troço Bambadinca-Xime, nunca o PAIGC atacou - que eu me lembro - os camiões basculantes e as máquinas... Houve ataques ou flagelações aos trabalhadores... Mas nós (os africanos da CCAÇ 12 + mais a malta do Xime + mais a malat que estava na ponte do Rio Udunduma, ora nós, ora o Pel Caç Nat 52, ora a malta do Xime) fazíamos segurança aos trabalhos... Incendiar as máquinas não seria muito difícil, como aconteceu na estrada Piche-Ponte Caium...

Já não me recordo se tinham proteção 24 horas por dia, na estrada Bambadinca-Xime (que era a grande entrada para o leste)... Os camiões deviam ficar em Bambadinca, mas as máquinas ficavam no sítio...

Anónimo disse...

Caro Luís Graça e restantes camaradas da Guiné.
Quando fui para Bissorã também estava a decorrer a construção da estrada entre Bissorã , Mansoa e quem estava a construir era precisamente a Tecnil.Pelo que constava no jornal da caserna sempre que o construtor era a Tecnil não haveria minas nem ataques.E na realidade durante o tempo que essa empresa esteve lá era uma maravilha ir a Mansoa mesmo que fosse para comer uma mariscada.Depois que acabaram os trabalhos e a Tecnil se mudou para outras bandas,as minas até debaixo do alcatrão apareciam.Claro que eram bocas do Jornal da caserna.Havia até um certo paralelismo com a aviação civil.As nossas DO eram flageladas mas as avionetas civis voavam a qualquer hora do dia e ás vezes ao anoitecer e nada acontecia,não é???
Um abraço Henrique Cerqueira

Luís Graça disse...

Se calhar estamos a ser injustos para com a TECNIL ao insinuar que a empresa não era atacada sempre que tinha "as quotas em dia"... È verdade que guerra é guerra e negócios são negócios... Mas também mantínhamos a mesma "suspeita de colaboracionismo" entre os nossos comerciantes (tugas, libaneses, caboverdianos)... e o Zé Turra...

Relendo a história da minha CCAÇ 12, fui encontrar em dezembro de 1970 uma referência à "tentativa IN de dificultar os trabalhos ce construção da estrada Bambadinca-Xime": mais exatamente, em 30 de dezembro de 1970, um grupo IN estimado em 20 elementos, em Ponta Coli, abriu fogo de RGP e armas automáticas, pelas 6h30 da manhã, contra o pessoal e as máquinas da TECNIL... Felizmente havia segurança (3º Gr Comb da CCAÇ 12 + 1 seção do Pel Çan Nat 52) que neutralizou a ação do inimigo e foi no seu encalce... Tivemos também a preciosa ajuda da arilharioa do Xime (obuses 10,5). As consequências foram psicológicas do que outra coisa, para o pessoal da TECNIL (que nas vésperas de Natal tinha perdido 9 homens na estrada Nova Lamego-Piche)... Foi reforçado o esquema de segurança, a cargo de 2 Gr Comb da CCAÇ 12 (ou 1 Gr + Pel Caç nat 52), mais o Pel Rec Daimler, do Vacas de Carvalho.. Ttodos os dias passámos a patrulhar, a partir das 5h30 da manhã, a zona que compreendia a frente de trabalhos...

Anónimo disse...

(Porque a tropa ia e morria e vinha e os civis e comerciantes continuavam sem morrer).

Henrique Cerqueira põe o busilis em cima da mesa.

Os portugueses que melhor conheciam os tugas era os estudantes da casa do império.

E foi dessa gente que saiu a direcção dos movimentos de libertação.

E esses estudantes sabiam que nós estudantes da 4ª classe, com uma psico bem feita nos davam a volta ao miolo.

E mais fácil a nós do que às tribos, eles o conseguiram.

E ainda hoje, esses portugueses são os mais perspicazes de nós todos.

Nem quem trabalhou com eles e aprendeu a colonizar com eles como eu e milhares conseguimos fugir ao «encanto» deles.

Luís e Henrique Cerqueira, fazia parte da Psico-social desses estudantes do império «frizar» que não era contra os portugueses aquela guerra.

E eles sabiam que os comerciantes e mesmo chefes de posto, eram os "brancos" mais apreciados pelos chefes de tabanca, e que os turras ficavam mal vistos se tocassem nessa gente.

E atacar os empreiteiros era a mesma coisa, pois que na cabeça dos mais velhos das tribos não caía bem.

Ainda hoje os angolanos deixam a cabeça em água aos nossos governantes e empresários.

"Mas nós a ver" tás a ver!

Luís para não falhar algumas estradas, vou informar-me de todas elas e dos respectivos empreiteiros, afinal eram tão poucas.

Antº Rosinha

Henrique Cerqueira disse...

Camarada António Rosinha
Estou em concordância com tudo o que escreveste,pois veio ao encontro do meu pensamento.Quando eu falo que eram noticias do "Jornal da Caserna"era apenas para ser delicado com o assunto.Hoje em dia nada justifica andarmos aqui em "guerra" de palavras e opiniões pré-concebidas.Até porque quando fui fazer curso para as CCAÇ Africanas em Bolama e nas aulas de acção psicológica esses temas foram aflorados,assim como à laia de aviso.
Para mim, esta situação só me doeu mais,quando em certa altura nós precisámos de evacuar um ferido grave e estivemos toda a tarde á espera de evacuação militar isto em finais de 73 essa evacuação não apareceu penso que na altura a desculpa era que já estava muito escuro.No entanto alguém falou para se chamar o avião civil mesmo que ás custas dos camaradas.Só que com toda esta demora a partir de certa altura já não foi necessário evacuar.E fico por aqui no meu comentário.
Rosinha e restantes camaradas um abraço
Henrique Cerqueira

Cherno Baldé disse...

Caro Rosinha,

Como sempre, as tuas reflexoes empiricas, algo dispersas e muito profundas em alguns pontos, sobre marcas de caracter e de comportamentos entre pretos e brancos, colons e colonizados durante o periodo colonial, dao muito que pensar.

Ha uma curiosa coincidencia a que as tuas notas me chamaram a atencao e que, talvez, possas explicar. Como fizeste notar, a Tecnil saiu da Guiné-Bissau logo apos o derrube de Luis Cabral em 1980, da mesma forma, a Soares da Costa que substitui a Tecnil no terreno, saiu (as mas linguas dizem que fugiu) com o derrube do Nino em 1999). Tratar-se-a de uma simples coincidencia?

Embora nao tenhas dito tudo, foi interessante a tua observacao sobre a questao da escolha dos Encarregados nas obras publicas.

Nao obstante eu acreditar que, nos casos referidos, se tratou de uma simples questao de escolha com base na confianca das pessoas e que é independente da cor e origens etnicas, o que tenho observado ao longo dos anos da minha experiencia na funcao publica Guineense e em alguns paises africanos, também, é que os africanos (sim, penso que aqui podemos generalizar) muitas vezes, tem sérios problemas em assumir a funcao de lideranca quando se trata de conduzir homens e faze-los cumprir com as suas obrigacoes laborais, contratuais etc. no sentido de doa a quem doer. Qual a explicacao? Uma questao que nao é facil responder de forma abrangente.

Na minha opiniao, a questao de fundo tera a ver com o medo das consequencias que o acto encerra, como sejam as represalias que, mais tarde ou mais cedo, se abaterao sobre o autor, num contexto em que as nocoes de dever, direito, contrato e outros conceitos que regulam as sociedades ocidentais sao facilmente esquecidas ou substituidas por outras para complicar e alterar a situacao a nosso favor, apagar os rastos e os sinais de compromissos anteriormente assumidos etc. Em suma, ainda nao se verificou uma mutacao, evolucao social no ascendente que permita uma maior autonomia e seguranca social e economica das populacoes que vieram, essencialmente, do mundo rural, tradicional.

A somar a esta confusao, esta amalgama de codigos sociais de conduta e resolucao de conflitos diferenciados, temos que ter em conta as diferentes formas de estrutura social das sociedades que compoem o tecido social com as suas crencas ou descrencas religiosas, e se acreditarmos na teoria das sociedades verticais/horijontais de A. Cabral, facilmente podemos verificar que em algumas dessas sociedades existe uma grande aversao a chefia que é o mesmo que falar da organizacao, da obediencia, do respeito pelas regras etc.

O certo é que, muitas vezes, nao querendo assumir a dificil funcao de chefia, de lideranca, preferimos deixar o papel de "mau" aos outros, normalmente estranhos, alogenos que nao estao impregnados nem das nossas crencas nem das nossas praticas e por isso nao tem medo de assumir uma funcao ingrata a todos os titulos e, mesmo assim, ainda fazemos tudo para complicar a sua tarefa, culpando-o depois das nossas desgracas e insucessos.

O indigena africano, que constitui o grosso das massas populacionais mesmo nas cidades, no seu espirito profundamente pagao e animista, tem medo até da sua propria sombra e é capaz de virar o mundo de avesso simplesmente para nao ter que cumprir ordens d'outrem.

Estas caracteristicas sociologicas que, certamente, nao serao somente africanas mas que sao muito vincadas em Africa, tem complicado, em grande medida, o funcionamento das nossas administracoes herdadas do poder colonial e constituem um grande desafio, rumo ao desenvolvimento, nos nossos paises.

Com um abraco amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Cherno, tenho 73 anos, e escrevi mais nestes 3 últimos anos neste blog que no resto da minha vida.

Portanto quando dizes que escrevo disperso e empírico, tens razão, mas podes ter a certeza que é mais por falta de jeito que por ter intenção.

As cartas para a madrinha de guerra ainda não estavam muito na moda no meu tempo, se não tinha praticado mais.

Vou-te contar 1 história de Angola e depois uma da Guiné com gente que conheces.

Em Angola fazia implantação de estradas mata dentro com fotografia aérea e teodolito e 20 e tal ou mais serventes locais com machados catanas e um trator D4 ou D6.

Ora embora eu fosse topógrafo e era funcionário público da Junta de Estradas, mesmo assim tinha que haver alguma produção.

Então como sempre havia um ou outro servente a fugir com o corpo ao manifesto, havia um já antigo trabalhador que me chateava constantemente: Um dia sai com esta, "mandas fazer estrada rápido para quê? Só branco é que tem carro, preto é que trabalha".

Também mandava outras bocas como" Queres acabar rápido o trabalho, para quê? O trabalho com os brancos nunca acaba!"

Cherno, aquilo era um pouco de chacota, mas havia ali naquelas bocas muita filosofia africana que não deve ser desprezada, e os próprios africanos não a respeitam ou adaptam.

África tem a sua cultura que não devia ser abruptamente coarctada, como a europa fez e os vossos dirigentes africanos apoiam.

Na Estrada Gabu-Pirada em 1988, com o nosso amigo que sabes quem é, um sábado são enchidos os depósitos da máquinas e camiões com sete mil e tal litros de gasoil, que dava para segunda até sexta feira da outra semana.

Ora segunda feira vamos iniciar os trabalhos, e todo o gasoil tinha desaparecido, talvez para as candongas ou mesmo para o Senegal.

Explicação particular para mim pelos operadores: já não recebemos salário há muitos meses, e como andamos a fazer estrada sem asfalto é deitar dinheiro fora.

Se fosse na tua terra (portugal)fazias autoestrada com asfalto, valia a pena.

Cherno eram operadores não eram engenheiros nem doutores sabiam o que queriam e o que precisavam como os que como tu ou o nosso amigo foram para Kiev.

Cherno, os Chineses, europeus e africanos, cada um tem a sua cultura e cada um é que tem que «inventar» os seus próprios capatazes.

Inventai os vossos capatazes à vossa maneira que é possível.

Mas espero que já esteja o best-seller adiantado.

Mas genuíno para africano ler.

Antº Rosinha