sexta-feira, 9 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9591: Notas de leitura (340): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Faltaria à verdade se não dissesse que este documento oferece uma leitura aliciante e polémica. Tem por detrás uma laboriosa e séria investigação, dentro dos parâmetros do que é uma tese de doutoramento. É nos alvores do nacionalismo, na identificação dos grupos, na evolução da guerra que esta leitura oferece, em condições ímpares, uma interpretação lógica e cronologicamente coerente. É controversa quanto à gama de presunções em torno das chamadas contradições e lutas internas dentro do PAIGC, como se dirá mais adiante, a interpretação do assassinato de Cabral refere a responsabilidade moral da PIDE/DGS, facto comprovado, e alude a um conjunto de maquinações e círculos concêntricos da conspiração que, por falta de fundamento histórico, são inadmissíveis em documentos desta natureza.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (4)

Beja Santos

“Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional – O Caso da Guiné-Bissau” é a publicação em livro dos conteúdos mais significativos da tese de doutoramento do nosso confrade Leopoldo Amado (IPAD, 2011). É, como se tem insistido, um documento de referência para todas as investigações que doravante venham a ter lugar, incluindo os trabalhos que cruzem as atividades das Forças Armadas portuguesas, neste teatro de operações, para as quais já se possuem importantes elementos oficiais publicados e estudos ou documentos dos diferentes ramos das Forças Armadas. Até agora, tem-se procurado resumir os dados fundamentais que orientam os quatro pilares em que se estrutura a obra, com destaque para: conceitos ideológicos, caracterologia do teatro de operações, ideologia colonial e conceitos de guerras revolucionárias e contra-subversão; apresentação das forças nacionalistas e deflagração da luta armada; evolução e consolidação da guerrilha, tendo como parâmetros o Congresso de Cassacá, o incremento das ações militares e a definição do termo de áreas libertadas, a presença cubana junto do PAIGC, as guerras de contrainformação e a infiltração do PAIGC pela PIDE/DGS; a era de Spínola, o 25 de Abril, o legado político de Amílcar Cabral e conclusões.

Nesta recensão o enfoque prende-se com os anos da governação Spínola. Ele chega à Guiné em Maio de 1968 e manda imediatamente proceder à elaboração de estudos que irão durar cinco meses, será partir daí que ele traçará a sua linha de ação “Por uma Guiné melhor”, um plano orientado para a captação das populações, dando prioridade à promoção económica e social, colocando uma boa parte do dispositivo das Forças Armadas ao serviço da realização dos serviços provinciais e, no setor estritamente militar, revendo a implantação desse dispositivo e criando uma nova toada ofensiva. Arrancam ou continuam a construção de estradas de asfalto, a criação de centro materno-infantis, maternidades e dispensários, apetrecha-se uma escola de formação de professores, tudo sob o lema “viver em paz, trabalhando para uma vida melhor, ou viver na intranquilidade da guerra e na vã esperança de uma independência que conduzirá ao desaparecimento da Guiné e a uma vida pior”. O objetivo é retirar ao PAIGC a possibilidade de controlar certas populações, reagrupando-as em aldeamentos. Para dar um sinal de magnanimidade e benevolência, mandou restituir à liberdade um elevado número de presos políticos que estavam na colónia penal das Ilhas das Galinhas. No ano seguinte, em 3 de Agosto, haverá um cerimonial em que Rafael Barbosa tomará a palavra e se revelará arrependido. A guerra psicológica irá refinar-se com o uso da radiodifusão, a profusão de cartazes, as próprias diretivas que determinam aos militares ações psicológicas em torno do bem-estar e do conforto das populações. Leopoldo Amado enumera algumas dessas iniciativas envolvendo programas radiofónicos, entre outros.

O dispositivo militar também se reconfigurará. Spínola elevará a parada em Lisboa pedindo cada vez mais apoios necessários para a continuação da guerra. Logo em Novembro de 1968 irá fazer uma exposição no Conselho Superior de Defesa Nacional onde apontará a possibilidade de derrocada e acusando os chefes militares que o antecederam de não terem posto o problema com verdade. O autor observa: “Data desta reunião a cisão nítida entre Spínola e a maior parte dos altos comandos das Forças Armadas, os quais passam a tê-lo por vaidoso, ambicioso e fanfarrão, ao passo que o novo comandante da Guiné não se coíbe de manifestar o desprezo que sentia pela incompetência que neles verificava”. A relação com Marcello Caetano parece ser idílica, as suas declarações estão manifestamente em consonância. Na Guiné, os três ramos das Forças Armadas confluem para o Comando-Chefe, este passa a ser o centro nevrálgico de toda a atividade operacional. Com a libertação de espaços, irão intensificar-se os bombardeamentos, haverá mesmo zonas exclusivas de intervenção do Comando-Chefe. Igualmente haverá uma africanização da guerra, mais Companhias de Caçadores, de Comandos, de Fuzileiros. Para Leopoldo Amado, enquanto se procura o equilíbrio militar, começa a haver notícias de dissensões no seio do PAIGC, sobretudo entre os dirigentes máximos guineenses e cabo-verdianos, teria havido mesmo desentendimentos entre Amílcar Cabral e Osvaldo Vieira. O PAIGC parecia capaz de anular os efeitos devastadores da ação psicológica da era Spínola mas estava permeável ao trabalho de infiltração da PIDE/DGS em estreita articulação com os Serviços e Informação e Ação Psicológica. Em Maio de 1970, alguns dirigentes do PAIGC irão ser presos e comprovadamente acusados de colaborar com a polícia política.

Leopoldo Amado repertoria a evolução da guerra. Consolida-se, por parte do PAIGC, a utilização de corredores a partir do Senegal e da Guiné-Conacri. O PAIGC reorganizou-se, o Comité Central transformou-se no Conselho Superior da Luta, mantém-se o Conselho de Guerra do qual dependem os Corpos do Exército e as Frentes Militares. Entrou-se num período de reconhecimento internacional e reassumiu-se o potencial de combate e mobilização. Em 1970 tem lugar o Congresso dos Povos da Guiné, no “chão manjaco” uma vasta operação desencadeada para neutralizar o PAIGC na área acaba num massacre de oficiais. Num esforço para sair do impasse, e com a anuência de Marcello Caetano, tem lugar a operação “Mar Verde”, irá saldar-se num desaire diplomático. A recuperação da supremacia militar, por parte do PAIGC, é notória em 1971, Amílcar Cabral consegue mais apoios, Spínola procura reagir com um programa de progressiva autonomia da Guiné, assim se chega a conversações com Senghor, é admissível que Spínola tenha procurado uma iniciativa no quadro do anúncio da revisão constitucional de 1971. Recorde-se que recrudesceram a partir de 1972 os violentos ataques aos centros urbanos. Logo em Janeiro, Bafatá, depois um ataque-surpresa ao aeroporto de Catió. Refere o autor que a rivalidades e as contradições dentro do PAIGC, por essa época, também subiam de tom. Na contrainformação, foi lançado o boato de que Osvaldo Vieira teria assumido as funções de secretário-geral do PAIGC, os filhos da Guiné estavam descontentes porque Amílcar Cabral só os mandava para o mato enquanto os cabo-verdianos ocupam funções de comandantes. Um outro boato referia que Rafael Barbosa tencionava eleger um governo provisório. É nesse contexto que uma missão da ONU se desloca à Guiné e o seu relatório era bastante favorável ao trabalho do PAIGC. O ano acaba com o princípio da deterioração no relacionamento entre Caetano e Spínola, este sentiu-se preterido por não ter sido indigitado como candidato à presidência da República.

Estamos perante um documento de intenso labor, com uma recolha impressionam-te de informação. O próximo e último texto será dedicado às teses sobre o assassinato de Amílcar Cabral, a independência da Guiné-Bissau, a leitura de Leopoldo Amado faz da herança política e ideológica de Cabral e as respetivas conclusões.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9560: Notas de leitura (339): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (3) (Mário Beja Santos)

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