segunda-feira, 25 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10069: Cartas do meu avô (10): Oitava carta: finalmente, jurista da CGD (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

[Imagem  à esquerda: cartaz  comemorativos dos 40 anos do MRPP -  Movimento Reorganizativo do Proletariado Portugues, cortesia do blogue Restos de Colecção, de José leite



Segundo  este blogue, o MRRP  [que em 26 de dezembro de 1976 deu origem ao PCTP / MRPP]  "publica 'Bandeira Vermelha' em 1970, como órgão teórico,  e 'Luta Popular' em 1971, como órgão de massas e órgão central ". 


(...) "O MRPP foi um partido muito activo antes do 25 de Abril de 1974, especialmente entre estudantes e jovens operários de Lisboa e sofreu a repressão das forças policiais, reivindicando como mártir Ribeiro Santos, um estudante assassinado pela polícia política durante uma manifestação ilegal em 12 de Outubro de 1972. Arnaldo Matos era o seu Secretário Geral" (...).


O MRPP, influente nessa época na academia portuguesa, e em particular na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (segundo o testemunho do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, trabalhador-estudante até 1974/75), terá sido também a primeira das organizações políticas a liderar, a seguir ao 25 de abril de 1974, uma primeira manifestação de boicote ao embarque de soldados para o Ultramar, mais exatamente em 4 de Maio de 1974: 


 "O MRPP organiza a primeira manifestação de boicote ao embarque de soldados para as colónias. A Junta de Salvação Nacional previra a necessidade de envio de alguns batalhões de militares para substituirem a tropa portuguesa ainda em território africano e cujo período de mobilização já terminara. Pensava-se também que seria importante manter as Forças Armadas Portuguesas em África até final das negociações com os Movimentos de Libertação Africanos, com vista à independência dos territórios". [ Centro de Docu,entação 25 de Abril da Universidade de Coimbra]



A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à direita, com os netos]. 


As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)

B. Oitava quadra > O Quadro Técnico


Finalmente, a feroz irreveverência e espírito de luta maquiavélica e arrasadora dos MRPP conseguiu apoderar-se da universidade. 



Arquitectaram um curso impregnado das doutrinas de Mao e abriram de novo as portas, com professores oriundos dos mais variados sítios. Bastava-lhes jurar fidelidade aos ideais que reinavam e eram aceites como professores.

A competência não contava. O que importava era que tinham conseguido a aprovação do poder político reinante. Os cursos eram válidos. E as licenciaturas também.

Era preciso acabar o curso, de qualquer maneira. O resto da preparação que faltava, ficaria para depois. Com a experiência prática.


Naquele ano e meio de convulsão escolar, houve alunos que fizeram dezenas de cadeiras em catadupa. Com passagens administrativas à farta. Na faculdade de direito, nas clássicas e, pasme-se, em medicina.


Esse tsunami de licenciados à pressão entrou portas dentro das empresas e serviços públicos. 


Em 1974, na CGD [, Caixa Geral de Depósitos ] , havia meia dúzia de trabalhadores a frequentar cursos superiores e, alguns, o de direito.

Em 1976, irrompeu, nos quadros da Caixa, um movimento interno de trabalhadores recém-licenciados, chefiados pelos MRPP. Reivindicaram ao seu modo, junto da administração, o seu imediato ingresso no quadro técnico.



A pusilanimidade da administração, por receio do saneamento imediato, abriu - lhes as portas. De repente, a lista dos licenciados atingiu os trinta e tal.

O administrador encarregou-os de elaborarem o seu próprio escrutínio, para preenchimento da dúzia e meia de vagas abertas de propósito. Por causa da decidida descentralização de crédito à habitação, agricultura e pescas. Por todo o país.

A administração queria colocar um núcleo jurídico em cada filial de distrito. 



De novo, se desencadeou uma luta selvagem entre os candidatos. Havia-os com dois ou três anos de Caixa, acabadinhos de concluir o curso. Eu era o mais antigo, em todos os sentidos: Tinha já uns onze anos de serviço na Caixa. Tinha mais cadeiras obtidas dentro da normalidade escolar, antes das convulsões.


Apareceram e defenderam-se as mais desavergonhadas e aberrantes propostas oportunistas. Desde a abolição do critério de antiguidade na obtenção do curso, à da classificação final.

No final, felizmente, consegui ingressar no quadro técnico. Este feito representava uma melhoria enorme na minha condição. Só por isso, estava reparado e bem, todo o sofrimento e esforço para obter a licenciatura.



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Nota do editor:

Último poste da série > 20 e junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10052: Cartas do meu avô (9): Sétima carta: A universidade, o 25 de abril... (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)


1 comentário:

Anónimo disse...

Caro camarada J.L.Mendes Gomes

Tenho lido com muito interesse estas tuas cartas.
Também eu vivi estes anos de "brasa" dito prec na faculdade de medicina.
Apesar de este assunto não ser o tema deste blog,não posso deixar de rectificar algumas coisas.
Especificamente em Medicina..é verdade que houve passagem administrativa, mas apenas a duas cadeiras do 1.º ano,que eu aliás já tinha feito antes de ingressar do serviço militar..que foram física e química médicas.
Esta passagem administrativa deveu-se apenas a uma alteração curricular (deixaram de fazer parte do mesmo), e eram feitas na faculdade de ciências.
Quanto a saneamentos , apenas foi feito a um professor, não por motivos políticos mas sim por métodos anti-pedagógicos..era um excelente professor mas tinha um comportamento muito próprio..
Houve várias tentativas de saneamento de alunos pela "malta" da uec..o que nunca aconteceu e sem falsa modéstia..também contribuí para que tal não acontecesse..por várias vezes presidi a rgas e a experiência militar foi-me muito útil.
Tinham algum respeito por mim, devido a ter sido expulso em 71..
Assisti a cenas surreais..ui o que poderia contar..
Lembro-me de um aluno de direito que comprou um fato-macaco e capacete e que ia para as "manifs" armado em membro da classe operária..hoje é ..bem é melhor não dizer.
Um alfa bravo

C.Martins