terça-feira, 18 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10398: Notas de leitura (405): "Les Héros de la Guinée-Bissau: La Fin D'Une Légende", de Lourenço da Silva (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 7 de Setembro de 2012:

Meus amigos,
Eis a segunda parte da minha recensão ao livro "Les Héros de la Guinée-Bissau: la fin d'une légende" de Lourenço da Silva.

Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva


Nino Vieira – o mito* (2/2)

Por Francisco Henriques da Silva

Ficamos eternamente à espera de argumentos e provas convincentes, mas o autor não produz nem uns, nem outras. Limita-se a avançar com alegações disparatadas e sem sentido.

Lourenço da Silva menciona 3 “pecados” atribuídos ao ex-Chefe de Estado e que teriam contribuído para a sua morte. Em primeiro lugar, o seu apoio ao PRID (Partido Republicano para a Independência e o Desenvolvimento), de Aristides Gomes – um dissidente do PAIGC, que foi seu Primeiro-ministro -, integrado por elementos ninistas e “pelas antigas forças governamentais” que estariam na base da sua eleição para o cargo de Presidente da República, uma vez que não beneficiava do respaldo do PAIGC, o que redundou num enorme fracasso. O segundo “pecado” consistiu na “incapacidade ou recusa do Presidente em exonerar todos os chefes militares, bem como os ministros do Interior e da Defesa, na sequência dos acontecimentos de 23 de Novembro de 2008” – como se pode ler na p. 149 (no caso em consideração, tratou-se de uma tentativa frustrada de golpe de Estado em que os amotinados pretenderam tomar de assalto o palácio presidencial). O terceiro “pecado” terá sido a luta de bastidores para impedir a investidura de Cadogo (Carlos Domingos Gomes Júnior) como Primeiro-ministro.

Ao longo da obra, o autor não deixa de mencionar repetidas vezes as múltiplas tensões que opunham o “Chefe” ao líder governamental (Carlos Gomes), bem como a outras figuras do regime, designadamente aos militares “analfabetos” (illetrés) Tagmé Na Waye e Bubo Na Tchuto, interrogando-se, como toda a gente, porque é que aqueles oficiais-generais não podiam ser afastados. Cela au moment où d’un côté, ils étaient tous pointés du doigt comme étant les principaux responsables de l’instabilité qui régnait dans le pays , et de l’autre côté, l’illetrisme pesait sur chacun d’eux (trad. – “isto num momento em que, por um lado, eram todos apontados a dedo como sendo os principais responsáveis pela instabilidade que reinava no país e, por outro, o analfabetismo pesava sobre cada um deles” – p. 137). Sem prejuízo dos encómios e ditirambos com que o autor o mimoseia em permanência, “Nino” Vieira parecia ter plena consciência dos perigos que o rodeavam oriundos do sector castrense, mas preferia não agir, atitude que nos parece verdadeiramente surpreendente para um homem com a personalidade de Kabi. Lourenço da Silva refere-se inclusive a uma certa padronização dos comportamentos dos militares golpistas (cfr. p. 161).

O autor não conclui, nem pode concluir, porque fugiria aos parâmetros do panegírico, o óbvio: toda a história da Guiné-Bissau é uma história de violência contínua de que “Nino” Vieira foi um dos principais protagonistas. Chefe guerrilheiro, ascendeu ao Poder com o apoio de uma facção militar (14 de Novembro de 1980); manteve-se na chefia do Estado, com o voto popular e o consequente respaldo dos militares (1994); viu-se confrontado e saiu derrotado por uma rebelião militar (1998-1999); o país viveu, entretanto, inúmeros golpes de Estado reais ou imaginados; exilado durante vários, regressou ao país; foi de novo eleito, mas teve de beneficiar de um suporte militar sólido. Por conseguinte, das duas uma: ou Kabi dispunha de força militar necessária e suficiente para se manter no Poder ou então o destino estava-lhe traçado à partida.

A guerra civil de 98-99, um acontecimento capital na história da Guiné-Bissau, é apenas abordada numas escassas 5 páginas (da p. 77 à p. 81), em que a complexidade do conflito é analisada com enormes ligeireza e displicência. O autor passa por cima das respectivas causas, da problemática política, económica e social como cão por vinha vindimada. Para não fugir à regra, Lourenço da Silva repisa outro dos seus grandes leit motivs, ou seja a diabolização do nosso país: “Nino” Vieira refugia-se na embaixada de Portugal, son pire ennemi historique (trad. – o seu pior inimigo histórico – p. 81).

Na parte final da obra, são transcritos, em francês, alguns dos discursos mais significativos de João Bernardo Vieira, proferidos no decurso do seu último mandato como Presidente da República, cujo interesse é, na maior parte dos casos, meramente documental.

De salientar, porém, a alocução proferida na 35ª cimeira da CEDEAO em Abuja, em Dezembro de 2008, na sequência da tentativa de golpe de Estado de 23 de Novembro já mencionada, de que se reproduz um excerto que, para além de se revelar uma asserção a todos os títulos, justa, seria pré-monitória em relação aos acontecimentos futuros na Guiné-Bissau: Nous avons une armée hautement politisée et déséqilibrée du point de vue ethnique, devenant ainsi le plus grand obstacle à la paix, à la stabilité et une véritable menace à la culture démocratique en Guinée-Bissau (trad. “Temos um exército altamente politizado e desequilibrado do ponto de vista étnico, tornando-se assim o maior obstáculo à paz, à estabilidade e uma verdadeira ameaça à cultura democrática na Guiné-Bissau - p. 231)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10380: Notas de leitura (402): "Les Héros de la Guinée-Bissau: La Fin D'Une Légende", de Lourenço da Silva (Francisco Henriques da Silva)

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10395: Notas de leitura (404): Desvendar alguns segredos do crioulo da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

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