quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10407: Passatempos de verão (13): Lorde Byron e o cerco de Missilonghi (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com uma passagem da sua recente viagem, este Verão, à Grécia.

Lorde Byron e o cerco de Missilonghi

Beja Santos

Fui passar uns dias à Grécia, o pretexto era um casamento em Neo Paramos, uma cidadezinha no golfo Sarónico, entre Corinto e Atenas. Com um calor fervente, fui até às ruínas do Santuário de Deméter, em Eleusis, ali perto, na véspera da festa, e, celebrada a boda, rumei para o nordeste do Peloponeso, na mira de ver a montanha Zíria, Nemeia, Micenas, o teatro de Epidauro e Napflio, a primeira capital da Grécia, entre outros alvos.

O maciço montanhoso em que se inscreve Zíria é de cortar a respiração, é uma pedra cinzenta, com uns tons azulados, a vegetação vai por ali acima amarinhando mas os fraguedos querem-se desnudados para que o turista os contemple entre o assombro da natureza escalvada e a noção da sua pequenez enquanto mirone. Foi nessa deambulação que cheguei ao mosteiro de S. Jorge onde captei uma imagem que me encheu as medidas, à entrada da igreja, num espaço que penso ser uma sacristia contemplei desvanecido este lido fresco.

Mosteiro de S. Jorge, no nordeste do Peloponeso

E daqui seguiu-se para Micenas, era uma revisitação, estivera lá há cerca de 4 anos, então comovi-me a valer, agora vinha à espera doutro tipo de fruição, incluindo a visita ao museu. Comecei pelo Tesouro dos Átridas, uma construção ímpar da Idade do Bronze e depois Micenas, as suas muralhas ciclópicas e, claro está, quedei-me boquiaberto em frente da Porta dos Leões, a primeira construção monumental do seu género. Deu para lembrar que muitos dos heróis da Ilíada partiram daqui.

Porta dos Leões, em Micenas, vendo-se um troço das muralhas ciclópicas 

Depois o grupo decidiu que devíamos ir à procura do mar, que é coisa que não falta num país que tem mais de 1400 ilhas. Rumou-se para Patras, e um pouco antes de lá chegar cometi a asneira de dizer a ingleses que ali perto estava a cidade de Missilonghi, onde morrera um dos maiores bardos românticos ingleses. Bonda de praia, queremos ir a Missilonghi ver como os gregos guardam memória do mais sagrado dos seus heróis estrangeiros. A torreira ao sol não dava tréguas, nem comendo as espetadas tradicionais acompanhadas de uma boa cerveja fresca. Impacientes, a suar em bica, fomos todos para o Jardim dos Heróis Sagrados, em Missilonghi.

Talvez valha a pena determo-nos um pouco sobre este local mítico, tanto para gregos como para ingleses.

A guerra de independência da Grécia estendeu-se por toda a década de 20 do século XIX, portanto precedeu o período das grandes lutas de libertação europeias. Recorde-se que durante mais de quatro séculos o Império Otomano controlou a Grécia. Os gregos viram preservadas a cultura e as tradições, a Igreja Ortodoxa Grega foi respeitada, mas os gregos estiveram submetidos e sem quaisquer direitos políticos básicos. Assim que os gregos deram sinal de revolta, em 1821, logo cresceu o Filelenismo (a simpatia pela causa grega) por toda a Europa. É por isso que o Jardim dos Heróis Sagrados da Grécia acolhe lápides alemãs, francesas, russas e outras. Byron é já um poeta consagrado quando parte da Albânia para a Grécia, recolhera fundos e dirigiu-se para Missilonghi, na Grécia Central. O sultão otomano, verificando uma série de desaires tanto na guerra marítima como em solo continental, pediu a intervenção egípcia. Os egípcios concordaram em enviar os exércitos para a Grécia em troca de Creta, de Chipre e do Peleponeso. O sultão aceitou e Ibrahim Paxá invadiu a Grécia. É neste contexto que dá o cerco de Missilonghi que acabará num desaire para os gregos depois de uma enorme resistência ao longo assédio.

Byron, uma figura quase odiada em Inglaterra, tornou-se o ídolo dos gregos. E assim eles reservaram-lhe o lugar central do jardim, sobe-se uma alameda flanqueada por ciprestes e ali temos o monumento, Byron olha-nos sobranceiro, vestido com distinção.

Lorde Byron com honras no melhor espaço do Jardim dos Heróis Sagrados da Grécia. Os seus restos mortais seguiram para Inglaterra, mas por sua decisão o seu coração está aqui sepultado

Um dos panos da muralha de Missilonghi que sobreviveu aos desgastes do tempo. Houve o cuidado de as preservar, constituem um dos pontos altos do Jardim dos Heróis Sagrados da Grécia

O calor era insistente e não dava tréguas, mas impunha-se visitar o museu de Missilonghi, um quilómetro adiante, também ali Lorde Byron põe e dispõe, é o verdadeiro rei da festa. A cambalear, fomos refazer as forças no café Byron, bebendo um bom café gelado, e depois entrámos gloriosamente no museu. Deu para perceber o papel iconográfico que ainda hoje desempenha o autor de Childe Harold, o tal poema que cantou as belezas de Sintra, sim estamos a falar do mesmo Byron que classificou Sintra como um Éden.

Uma das salas do museu de Missilonghi destinadas a Byron

E saímos de Missilonghi eufóricos, durante a viagem de regresso discutimos as lutas de libertação europeias, ninguém esqueceu Garibaldi e todos os outros heróis nacionais. Alguém falou num quadro célebre de Delacroix dedicado ao sofrimento dos defensores de Missilonghi e intitulado Grécia sobre as Ruínas de Missilonghi. Vale a pena ver o quadro com algum pormenor.

Eugène Delacroix apresenta o episódio na forma de uma alegoria, onde a Grécia, em seu ideal de liberdade, é apresentada como uma mulher em trajes brancos, luminosa, de braços estendidos e colo nu, como que ascendendo sobre as ruínas da cidade a seus pés. Todo o restante da obra é dominado pelas trevas. Sob as pedras destruídas da cidade, surge o braço de um homem, que segundo algumas interpretações, seria uma referência explícita a Byron.

Urgia pôr termo à deriva cultural, atravessou-se a ponte em Patras, voltou-se ao Peloponeso, chegara a hora do banho nas águas de Corinto, a água era um caldo e antes do regresso, entre alguns dedos de conversa onde Missilonghi veio à baila, bebeu-se mais um café gelado para fazer horas para nos sentarmos em frente ao golfo Sarónico, a ver Salamina ao fundo, a comer uma espetada de peixe. Tinha sido um dia diferente, uma visita singular aos movimentos de independência na Europa do século XIX.

É com muita alegria que se faz esta notificação para todos os confrades do blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10405: Passatempos de verão (12): Mensagem bem humorada (Álvaro Vasconcelos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada Beja Santos

Sou um "filelenista"apaixonado,não porque em tempos me apaixonei por uma grega, mas sim ao contrário.
Meu caro, Lord Byron,morreu em missilonghi, não em combate mas de doença.
Visita o museu de Corinto,onde existe uma parte vedada ao público..ehhh..só a pedido..é que pode ferir susceptibilidades..é que é um pouco pornográfico..para alguns.
Como não existia o canal os marinheiros para não contornarem o peloponeso passavam os barcos por terra..nos entretantos iam às meninas e apanhavam DSTs,ora para se curarem mandavam esculpir..coisos..isso.. para oferecer ao "esculápio".
Nauplia é lindissima..ouvir canções gregas (parece fado) na fortaleza que está no meio da baía..é divinal.
Continuação de boa estadia..

C.Martins

Anónimo disse...

PS

As sacristias nas igrejas ortodoxas, estão por detrás do altar de celebração,e são completamente vedadas aos crentes.
É também onde fazem a consagração.
Ouvir canto gregoriano ortodoxo..quase..quase me converte..logo eu que sou agnóstico militante.

C.Martins