domingo, 30 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10460: Dossiê Guileje / Gadamael (24): O abastecimento de água ao aquartelamento e tabanca de Guileje (Manuel Reis, ex-Alf mil, CCAV 8350, 1972/74)

1. Mensagem de Manuel Augusto Reis, com data de hoje, e em resposta a um pedido meu, formulado no poste P10456 (*)

Caro Luís:
Terei muito gosto em responder ás questões por ti solicitadas. Muito me espanta que este assunto ainda não tenha sido referido neste espaço. Já foi dissecado noutro espaço, dada a sua importância e influência que teve na decisão final da retirada de Guileje.
O poço localizava-se em Áfia, a 4 Km de Guileje, e a recolha da água era feito por um pequeno grupo de 8 homens (secção), que garantiam uma falsa protecção pois, se detectados pelo inimigo, eram facilmente apanhados à mão.

Nunca houve qualquer problema, emboscadas, minas, etc, era necessário que sucedesse uma vez,  para redobrar os cuidados, bem típico dos portugueses. Era assim nas companhias anteriores, a sobreposição foi feita deste modo rotineiro e assim continuou no meu tempo.

Como era feita a nível de secção, só me recordo de lá ter ido uma vez à água. Passei por lá outra vez de regresso a um patrulhamento que efectuámos ao Quebo, nas imediações do Mejo, onde supostamente se localizaria um novo aquartelamento, que apresentaria algumas facilidades logísticas, dada a proximidade de um largo rio que fazia fronteira com o Cantanhez.
A recolha da água era feita uma vez por dia, só excepcionalmente se ia a Áfia duas vezes. No caso de obras, por exemplo, tornava-se necessário mais água e havia necessidade de lá voltar.
Os homens, os bidões e a bomba eram transportados em viatura através de uma picada em estado muito razoável.
A população abastecia-se de água nas imediações do aquartelamento, mesmo junto do arame farpado, onde existiam uns pequeços poços. Era aí também, nessa bolanha, que as lavadeiras lavavam a roupa, nossa e delas. Foram atacadas no dia 21 de Maio de 1973, tendo recolhido ao aquartemento, apavoradas, sem ferimentos, pois tratou-se de uma pequena intimidação.

As mulheres que lá se deslocavam tinham sido por nós informadas que a partir de 19 de Maio, à tarde, o caminho estava bloqueado pelo PAIGC (3º Corpo do Exército), que receberam  ordens para se deslocarem para lá, quando lá se encontravam nas matas do Mejo.

 O dia 18 de Maio, de tarde, foi a última vez que se efectuou essa deslocação sob o comando do então Major Coutinho e Lima. A secção destacada para esse serviço tentou esquivar-se, devido à turbulência que se verificou, umas horas antes, com uma violenta emboscada, nas imediações do aquartelamento, na picada para Gadamael, e que envolveu 3 grupos de combate.
No dia 21 já não existia água e a sua necessidade esteve na origem do risco que a população assumiu.
Na época das chuvas, com a picada intransitável, o reabestecimento era efectuado na bolanha pelas NT e população.
À pergunta que formulas sobre a inexistência de um poço de água no aquartelamento não te sei responder em concreto. De facto, nas imediações, os pequenos poços utilizados pela população poderiam ser uma solução com um pequeno investimento.  
Julgo que te respondi a tudo.
Um abraço.    
Manuel Reis
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Notas do editor

(*) Camaradas de Guileje:  Não temos aqui descrições detalhadas da ida á "fonte de Guileje"... É uma questão que me intriga...

Como é que era no vosso tempo ? Quantas vezes por semana ou por dia é que se ia buscar água ? Ia sempre um grupo de combate a fazer segurança ? E no caso da população ? As mulheres e crianças eram escoltadas pela mílícia ? Qual era a distância exata do de Guileje até à fonte (no Rio Afiá) ? 4 km ? A pé, era mais do que uma hora... Houve emboscadas, minas, percalços, etc., no vosso tempo ? Quando é que a bomba a motor ? Por que razão é que em tantos anos (19634/73) nunca se abriu um poço dentro do perímetro da tabanca e do aquartelamento de Guileje ?...

Provavelmente nunca ninguém pensou que um dia poderiam "morrer à sede"... (Desculpem a ironia, mas os nossos comandantes eram pagos para pensar, decidir, comandar, prevenir, prever, liderar)...

10 comentários:

Luís Graça disse...

O abastecimento de água era um problema crítico em muitos dos nossos aquartelamentos e destacamentos... Além de Guileje, estou-me a lembrar de Mansambo, na zona leste (setor l1)... Já aqui falado várias vezes... Mas, por certo, havia outros lugares de que não temos falado... A vantagem de Mansambo é que não tinha população... a não ser as famílias de alguns guias... Só depois de 3 emboscadas (fatais), é que se decidiu abrir um poço dentro do aquartelamento...

Pergunto ao Torcato Mendonça (cuja saúde espero que ande melhor): como e quem decide construir um aquartelamento de raiz sem acautelar, logo de início, o abastecimento de água ?
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http://blogueforanada.blogspot.pt/2005/12/guin-6374-cdi-mansambo-um-stio-que-no.html

Luís Graça disse...

... Estou-me a lembrar também de Gan dembel, que se abastecia no rio Balana, nas tinha o destacamento de Balana a defender a "fonte"...

José Botelho Colaço disse...

Há procedimentos que não dá para entender.Porquê! todos os comandantes que passaram por Guilege nenhum tentou captar agua no local?
Nós companhia de caçadores 557 e destacamento nº7 de fuzileiros na manhã seguinte à nossa chegada e ocupação do Cachil a primeira coisa a tentar foi abrir um poço para captarmos agua,tivemos foi azar porque o liquido que apareceu era intragável parecia petróleo.
Fizemos várias tentativas dentro do perímetro de segurança mas o resultado foi sempre o mesmo.

Um abraço
Colaço.

Torcato Mendonca disse...

Olá Luís: parece-me que Mansambo é diferente.O poço foi aberto, aliás dois. Um, perto da cozinha, tinha água inquinada.O outro não recordo quando foi aberto e começou a abastecer a NT. Certo, e nunca esquecerei, que o maior desastre que a Companhia sofreu foi na fonte. Está escrito por mim algures nos muitos escritos que fiz.Era Set/68,cerca de 4/5 meses depois de se iniciar a construção. Antes um soldado - o Monteiro não ligou ao que estava escrito numa pequena placa e foi sozinho á fonte. Apanhado á mão foi libertado pelos militares das NT na Operação Mar Verde.
Iria repetir-me se contasse o que se passou. Além disso qualquer análise feita hoje poderia ou não contar a verdade toda (a minha verdade, análise subjectiva e vista tantos anos depois...)ou ir ferir algum camarada meu e isso nunca o faria.O poço foi construido na data prevista, mais mês menos mês.
A minha saúde vai devagar, obrigado.Não esperava isto e os 68 é para ter em conta. Além disso o passado também conta e estou a rir.
Ab T.

Luís Graça disse...

O nosso saudoso Zé Neto lembrou-nos,em poste da I série, que a água era um dois pontos fracos de Guileje, já no seu tempo (CART 1613, 1967/68):

(...) "Os dois pontos fracos daquela fortaleza eram cruciais e, agora é fácil dizê-lo, nunca foram bem explorados pelo nosso inimigo.

"O primeiro era obtenção de água. O riacho onde a íamos colher ficava a oitocentos metros do aquartelamento, para o lado da fronteira, o que nos obrigava a empenhar, diariamente, dois Grupos de Combate para montar segurança na zona e três ou quatro viaturas, com bidões de 200 litros, para o transporte.

"A única emboscada ali montada pelo IN foi feita às tropas da companhia anterior [, a CCAÇ 1477,] que tiveram vários feridos e um morto.

"O segundo fraco era o reabastecimento de víveres, combustíveis, munições e outros materiais pesados que eram transportados por via marítima até Gadamael Porto e dali trazidos pelas nossas colunas auto." (...)


http://blogueforanada.blogspot.pt/2006/01/guin-6374-cdxlvii-memrias-de-guileje.html

Luís Graça disse...

A fonte a que se referia o Zé Neto (1929-2007) devia ser a mesma de que fala o Armindo Batata: na primeira ponte (de duas) que havia na estrada que ligava Guileje à estrada (principal) Quebo - Gadamael Porto - Cacine.

Havia aí um riacho, e logo a seguir o Rio Mangoia e depois o cruzamento para Quebo (a norte) e Gadamael (a sul)...

Não vem o nome do riacho no mapa, mas está assinalada a existência de uma ponte ou pontão(p primeira de dois)., a menos de 1 km do quartel,,,

O riacho devia secar na estação seca... Qual era então a alternativa ?

Infelizmente o Zé Neto já não está entre nós para nos tirar esta dúvida... Será que recorriam ao Rio Afiá, na estrada para Mejo, a noroeste, a 4 km de Guileje, como no tempo da CCAV 8350 (1972/73) ?

Em 1967/68, O Zé Neto diz que Guileje tinha "apenas" 300 habitantes... Em 1973, terá o dobro...

Vd. a carta de Guileje:


http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial25_mapa_Guileje.html

Manuel Reis disse...

Luis aqui vão mais umas dicas para os locais de reabestecimento de água.
O local a que se refere o Armindo Batata deve ser o mesmo do Zé Neto, mas a descrição do Armindo é mais correcta: Localizava-se na estrada Guileje-Gadamael Porto a 800 m do aquartelamento, zona alagada, com um pequeno pontão, que nós designávamos por Bolanha dos Passarinhos.
Mais uma nota: A estrada que vinha do Mejo atravessava o aquartelalemento de Guileje no sentido Norte-Sul (visível nas fotografias aéreas) e e a 3 km de Guileje entroncava com a estrada de Gandembel, ponto muito sensível, conhecido pelo Cruzamento de Guileje e daí continuava até Cacine, passando por Ganturé. Nas proximidades de Ganturé existia um cortada à direita que nos conduzia a Gadamael.

Na época das chuvas, embora não o tivesse testemunhado, o reabestecimento era efectuado nos poços que apopulação utilizava, isto é, nas imediações do arame na direcção de Afia.

Pelas descrições que vejo os locais de reabestecimento de água variavam de Companhia para Companhia.

Sobre a população o Zé Neto deve estar mais próximo da realidade. Fez-se um censo à população em 1973 pelas autoridades locais e o número que me ficou foi de 313. Não posso precisar e dou o benefício da dúvida ao Coutinho e Lima, que possuirá informações mais precisas.

Um abraço.

Manuel Reis

Anónimo disse...

Caro Manuel Augusto,
Quem diria!
Mais de cincoenta anos depois, da mesa de sueca (seria sueca?) na tua casa em Samel , para a mesma página de um blog de ex-combatentes.
forte abraço
Vasco Pires

Manuel Reis disse...

É verdade Vasco, quem diria...
Era de facto à sueca, com um garrafão de vinho branco ao lado e quem ganhasse um grupo de 4 jogos tinha direito a beber do garrafão.
Recordo-me que tu e o teu parceiro estiveram uns jogos sem ganhar, mas quando ganharam a vingança foi terrível. Até o garrafão tremeu! Isto só era possível porque a minha mãe estava nas termas e o meu pai no Canadá ( era emigrante, como sabes ).
Era dono e senhor da casa.
Já agora um pequeno desvio na conversa, os amigos tabanqueiros desculpam: No dia 27, eu, o Carlos Pinheiro, o Acácio e o Rui Jorje fomos visitar, em Angeja,perto de Estarreja a D. Maria de Lurdes e o seu irmão General Artur Beirão que esteve na mesma altura na Guiné. A D. Maria de Lurdes, nossa professora de Matemática, com os seus bonitos 89 anos está impecável, conduz tanto de dia como de noite. O General tem menos dois anos, mas está um pouco abanado devido a um pequeno AVC e a uma recente operação a uma hérnia. Ainda conversei um pouco sobre um encontro que tivémos em Bissau, após a retirada de Guileje, mas passou-lhe um pouco ao lado. Deixei-lhe alguma documentação,em que ele foi interveniente. A irmã prometeu ler-lhe os documentos.
Foi uma tarde maravilhosa.
Como vês Vasco, aqui na Tabanca tens sempre notícias fresquinhas, outras nem tanto.
Aparece. Já comprei as caçoilas!
Um abração.
Manuel Reis

Vitorino disse...

Nunca estive com o Manuel Augusto Reis na Guiné mas a memória que tenho dele é a de alguém que se encontra no caminho da vida e que nos fica cá dentro.
Depois de mais de 40 anos sem nos contactarmos, ontem tive a alegria de falar com ele uns longos minutos e apercebi-me do significado quase absorvente que a passagem por Guikeje teve para ele. Este comentário que aqui deixo é uma intromissão e um desvio ao tema que peço que me desculpem.
António Fialho