sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10873: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (3): Alferes, temos que tramar o Capitão



BCAÇ 2884 - MAIS ALTO
CCAÇ 2585 - AQUELA MÁQUINA


MEMÓRIAS DE JOLMETE (3) 

“Alferes, temos que tramar o Capitão” 

(Esta estória tem como objectivo fazer uma pequena homenagem ao DANDI)

Manuel Resende

O nosso Capitão, António Tomás da Costa, já nos tinha prevenido durante o IAO, no Pragal, que seria promovido a Major em Agosto de 1969, e que por esse motivo teria de deixar a Companhia. Ele era do Quadro portanto as promoções tinham data certa. Teríamos de nos mentalizar que iríamos ter outro comandante durante a nossa comissão.

A Companhia 2585 chegou a Jolmete a 17-05-69, e após o tempo de sobreposição com a 2366 ficamos entregues a nós próprios, e fizemos a guerra à nossa maneira, como já foi dito noutra publicação neste, em “A MINHA GUERRA”, Poste 7151 do Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné. Praticamente saíamos para o mato todos os dias e patrulhávamos sempre os possíveis trilhos por onde o IN poderia vir para atacar o quartel, ou trilhos de passagem de grupos, pois a nossa zona era essencialmente de passagem da Coboiana para Ponta Nhaga. Normalmente levávamos um grupo de combate, parte do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59 e alguns elementos do Pelotão de Milícias Nº 128 comandados pelo Cajan. Periodicamente, ou quando havia indícios de passagem de colunas do IN, as operações eram a nível de dois grupos de combate, Pelotão de Caçadores Nativos e Pelotão de Milícias quase sempre comandados pelo Dandi. Não é minha intenção fazer aqui um relato das operações que fizemos, mas somente salientar a brincadeira que por iniciativa do Dandi e com a nossa colaboração fizemos ao nosso comandante de companhia que estava prestes a abandonar Jolmete para ir para o QG em Bissau já como Major.

Estávamos em fins de Julho/princípios de Agosto de 1969, quando o Dandi veio ter comigo e comentou: - Alferes, então o Capitão nunca saiu para o mato e quando faz o relatório das operações assina sempre como comandante da operação, e Alferes não diz nada? Um dia destes temos de o levar a dar uma volta. Aceitei de imediato a sugestão, mas disse-lhe que tinha de ser uma “volta” sem riscos, pois a nossa consideração por ele era grande, pelo menos da minha parte.

Falei com o Alf. Marques Pereira, comandante do 3º grupo de combate e com o Alf. Mosca, comandante do pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, e os três juntamente com o Dandi organizamos uma operação, à partida sem riscos de contacto com o IN, mas que seria, logo pelo fresquinho da manhã atravessar uma bolanha com água pela cintura, daríamos uma volta ao quartel e regressaríamos por outro lado atravessando outra bolanha. Esta foi a maldade sugerida pelo Dandi. Nada de mal, mas que serviria para ele ter uma noção do que custava sair para o mato todos os dias.

A primeira parte da operação e a mais importante seria convencer o nosso Capitão a aceitar ir comandar no terreno. Já não me lembro dos pormenores, mas foi-lhe dito que era uma operação de caça, e ele aceitou. Os Furriéis também foram informados da operação a brincar, mas íamos preparados para o pior, pois eventualmente poderia haver algum contacto. O nosso Capitão apresentou-se cedinho, equipado a rigor de G3 e cartucheiras à cintura, tudo como mandava a sapatilha. Ele tinha uma caçadeira calibre 12 automática de 5 tiros e pediu a alguém para a levar, dizia ele que no regresso podia aparecer alguma gazela. Esta arma era usada pelo Dandi para caçar, e foi-lhe oferecida antes da sua partida para o QG em Bissau. Andados alguns quilómetros por trilhos e corta mato, já com a roupa seca no corpo após o atravessamento da primeira bolanha, chegámos a um pequeno descampado com um bom embondeiro a fazer sombra. Estávamos numa zona em que, pela nossa experiência, não haveria problema, e não houve. Eu, para esta operação e pela primeira vez, até levei a minha máquina fotográfica, e seguia relativamente perto do Capitão. O Dandi em vez de ir na frente, como costumava, ia como guarda-costas dele. À ordem de parar para descansar todo o pessoal emboscou. Diz-me ele: ó Ferreira, (eu na tropa era Ferreira) tire uma fotografia para recordar esta operação. Chamou os Alferes e alguns Furriéis que estavam mais próximos para ficarem na foto. Estava eu a fazer o enquadramento e diz-me ele: alto, não tire ainda para eu compor as cartucheiras, quero ficar com um ar de guerreiro.

Acabado o descanso continuamos o nosso percurso, e eis senão quando aparece outra bolanha. Mais uma vez água pela cintura. Diz o Capitão: ó Dandi, então não havia outro caminho para evitar a bolanha? É que isto de secar a roupa no corpo é muito desconfortável… Não me lembro quantas fotografias eu tirei nesta operação, mas a única que tenho é a Nº 1, já anteriormente publicada, mas agora com legenda. Este pequeno episódio foi verídico no seu essencial, embora 43 anos depois a memória já não ajuda nos pequenos pormenores.


Foto nº 1 – Operação de patrulhamento comandada pelo Sr. Cap. Tomás da Costa 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Dandi, 3 - Alf. Joaquim Mosca, 4 - Alf. Marques Pereira, 5 - Fur. Meireles, 6 - Fur. Guarda



Foto nº 2 – Jantar de festa no refeitório dos soldados 1- Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Joaquim Mosca, 3 - Alf. Ferreira (eu), 4 - Fur. Meireles, 5 - Fur. Furtado (enfermeiro)



Foto nº 3 – Um cafezinho depois do almoço - 1 - Cap. Tomás da Costa, 2 - Alf. Godinho, 3 - Alf. Marques Pereira


Foto nº 4 – Cap. Tomás da Costa com a esposa e as duas filhas numa visita a Jolmete

A seguir vou apresentar todas as fotografias que tenho tiradas com o Dandi. No meu tempo ele tinha sete esposas e sempre com ânsia de arranjar mais, pois quantas mais tivesse maior era o seu estatuto social, dizia ele. Teria cerca de 25/30anos de idade e era Natural do Jol, portanto, em princípio seria Manjaco. Os proventos dele resumiam-se à caça que fazia e vendia à Companhia e às saídas para o mato, pois ele recebia por cada operação que fazia. Era uma pessoa leal, não me lembro de qualquer desavença que possa ter havido. O seu nome era ”DASSIM DJASSI”. Numa das visitas que o Sr. General Spínola fez a Jolmete, prometeu que o iria propor para uma Cruz de Guerra, mas segundo as minhas últimas informações ele talvez nunca a teria recebido. Teve sim umas férias em Lisboa, mas sinceramente não sei de pormenores.

Não me admiro nada que, devido às burocracias militares, não tenha sido possível atribuí-la, pois nem sempre o QG fazia o que o Sr. General queria. Veja-se o caso das graduações de Alferes em Capitão, que deram que falar naquela altura. Na minha Companhia o Alferes Almendra, graduado em Capitão e comandante da mesma durante cerca de 18 meses, hoje Coronel reformado, depois da saída do Sr. Major Tomaz da Costa, na altura do regresso à Metrópole, ainda recebia o vencimento de Alferes e sem aumento. Lembro que em Outubro de 1969 houve aumentos de vencimentos. Coisas de Marcelo Caetano. Claro que depois tudo terá sido regularizado, mas não era como o Sr. General queria. Lembro que no jantar de despedida no palácio do Governo, o Sr. General Spínola falou no assunto e disse ao Cap. Almendra que iria receber até ao último centavo, nem que para isso tivesse de pagar do seu bolso.


Foto nº 5 – Dandi junto aos memoriais da 2366 e 2585


Foto nº 6 – Eu com o Dandi e uma das esposas


Foto nº 7 – Eu com o Dandi em pose para a foto

Manuel Resende
ex-Alf Mil da CCaç 2585/BCaç 2884,  Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8377: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (2): FNAC - Fundação Nacional dos Apanhados do Clima

5 comentários:

armando pires disse...

Ó Manel, meu camarada.
Quando "rasteiraste" o capitão, estava eu na "Lisbia", a passar férias.
Mas ó explicas aqui ou contas no próximo almoço da Tabanca da Linha, essa do IAO no Pragal?
Qual Pragal, o de Almada?
Abraços e um bom ano para ti.
armando pires

Manuel Resende disse...

Ó Armando, eu não conheço outro Pragal, só o de Almada e mesmo este foi porque realmente fiz lá o IAO. Já não me lembro o nome do Quartel, mas a rua que descia do Cristo Rei até à principal passava no quartel, e à esquina com esta, havia um café/restaurante do Sr Mário, que por acaso nos fornecia as refeições. Apesar de tudo bons tempos e isto também graças ao nosso Capitão que não brincava em serviço.
Bom ano também para ti e família.
Manuel Resende

Anónimo disse...

De. Augusto Silva Santos
Para: Manuel Resende

Camarada e Amigo,
Antes de mais, o meu muito obrigado pela teu delicioso relato. Ao ler as tuas linhas tive a nítida sensação de recuar 40 anos no tempo e foi com se estivesse de novo em Jolmete, em locais e com pessoas que nos foram tão familiares. Retrataste perfeitamente o Dandi. Parece que ainda estou a vê-lo e ao Cajan nas nossas saídas para o mato. Falaste num local para mim e alguns camaradas de então de muita má memória, mais propriamente de Ponta Nhaga, onde registei a minha pior passagem pela guerra. De uma só vez tivemos aí 10 feridos, incluindo o Dandi e o nosso Comandante e Companhia, o Capitão Comando Fernando Fidalgo, alguns deles com bastante gravidade. A tua estória fez-me lembrar de alguma forma o que se passou com o Capitão que foi render o nosso anterior Comandante de Companhia, evacuado para a Lisboa. Não tendo nada a ver com a vossa pequena "partida", esta foi mesmo uma situação real, ou seja, da primeira vez que esse Capitão (omito propositadamente o nome) resolveu sair para o mato, sofreu um contacto com o IN na Bolanha do PC (Ponta Catel) da qual te deves bem recordar, entrou em pânico e borrou-se todo (é mesmo verdade), tendo vindo a ser evacuado de heli para Bissau. Felizmente desse contacto, nada mais houve do que isto. Como deves imaginar, a "velhice" gozou até à exaustão esta situação.
Mais uma vez obrigado, e recebe um grande e forte abraço do tamanho do Cacheu, com votos de bom 2013 para ti e respectiva família.

Manuel Carvalho disse...

Caro amigo Manel Resende

Estas mudanças de comandantes de Companhia e Batalhão eram muito frequentes e não eram nada boas a não ser para o próprio que era promovido.Que motivação tinha um homem que sabia que passado um ou dois meses ia saír da Companhia. Fazia uma tática defensiva até ir para o bem bom.E vai dai vocês levaram o homem a dar um passeio turístico e sanitário(direito a banho com sangue sugas). Quem andou por Jolmete sabe que nós dizia-mos onde queria-mos ir e o Dandi traçava os caminhos. E que bem que ele desempenhava a função.
Manel e Augusto estou agora a pensar, de tantas vezes que andamos metidos em bolanhas se não terá sido o músico do Dandi vamos levar esta gaijada a saber o que custa a vida.Se foi assim por mim está perdoado porque ele foi um grande amigo.

Um grande abraço e um bom ano para todos.

Manuel Carvalho

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Manuel Carvalho

Olá Camarada e Amigo,
Ah,ah, ah, bem pensado... Se calhar foi mesmo assim, para baptismo dos "piras"... Não me admiro mesmo nada que o "malandro" do Dandi o tenha feito algumas vezes... Pessoalmente lembro-me que numa ocasião, mas aí foi para nos safar de uma emboscada que o IN nos tinha montado, nos levou por um trilho de caça, onde já não passava ninguém fazia muito tempo, e fez-nos rastejar bastante tempo para conseguirmos chegar a outro trilho. Foram momentos complicados... Ele conhecia o Jol palmo a palmo... Safou-nos, e quando o IN se apercebeu do possível envolvimento que estávamos a preparar, deu o fora... Era um fora de série.
Também para ti um grande e forte abraço, com votos de um bom 2013.