sexta-feira, 22 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11292: Notas de leitura (467): A palavra aos desertores portugueses (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Emigrados em França, Suíça, Países Baixos ou Suécia, os desertores foram rapidamente conquistados pelos movimentos anticolonialistas ou eles aderiram por explícita vontade.
Veremos adiante, na recensão do livro “Armas de Papel”, de José Pacheco Pereira, a natureza e os conteúdos dessa literatura panfletária, com um elevado sabor esquerdista.
O texto de hoje, é uma dessas amostras de jornais policopiados que estavam à venda num reduzido número de livrarias de Paris.
Três desertores resolveram dar a cara. Dois deles tiveram um destino trágico.

Um abraço do
Mário


A palavra aos desertores portugueses

Beja Santos

Vários grupos esquerdistas sediados em França publicaram dossiês que eram vendidos em diferentes livrarias. Este dossiê tem a data de 1970 e podia ser comprado na livraria La Comone, Rua Geoffroy St Hilaire, Paris 13. O ano é de 1970, apela-se, no editorial a um movimento revolucionário português para avançar e pôr termo às ilusões reformistas, recorda que a guerra colonial funciona como o motor dinâmico das lutas de classes. "A finalidade deste caderno é de fazer conhecer alguns aspetos da luta do povo português e favorecer o conhecimento internacional da problemática revolucionária portuguesa". Refere a invasão da Guiné Conacri. Traça um quadro de Alpoim Calvão e entrevista vários desertores, alguns deles combatentes na Guiné.

O primeiro é Manuel Alberto Costa Alfaiate, antigo fuzileiro naval. Queixa-se de que os seus oficiais lhe mentiram ao dizer que tinha vindo para a Guiné exclusivamente para manter a ordem. Um camarada de armas ter-lhe-á dito: se queres saber a verdade desta guerra, vai até à enfermaria. Depois de ter estado em serviço em Bissau, partiu para Garunti, onde viu um superior a matar um velho e uma criança. Desertou em Fevereiro de 1970.

Manuel Fernando Almeida Matos, primeiro-cabo, chegou à Guiné em Janeiro de 1969, participou em várias operações, sobretudo na região de Bula e desertou em Abril. Diz ter assistido a vários crimes praticados por um oficial e um sargento quando chegaram a uma tabanca o oficial ordenara aos seus soldados que executassem civis, os soldados recusaram, o oficial e o sargento executaram a sangue frio 14 homens. Mais tarde perto de Bula viu dois oficiais a cortar as orelhas a um prisioneiro. Afirma estar bem tratado pelos militantes do PAIGC que organizou a sua viagem para a Argélia onde foi recebido pela Frente Patriótica de Libertação Nacional.

Manuel Veríssimo Viseu pertencia à 15ª Companhia de Comandos, combateu em Jabadá, chegou à Guiné em Maio de 1968. Queixa-se que as companhias de comandos eram comandadas por autênticos torcionários, matavam prisioneiros do PAIGC. Quando a 15ª Companhia de Comandos estava em Cuntima, atravessou a fronteira e apresentou-se ao PAIGC. Afirma estar ciente de que lhe tinham imposto vir para a Guiné proteger os interesses dos capitalistas, a tropa estava enganada e ele não queria obedecer mais às ordens dos fascistas. Foi colocado no Lar do PAIGC em Dakar, e depois viajou para Conacri, onde fraternalmente recebido e fez declarações à rádio do PAIGC.

O dossiê inclui também uma notícia publicada no Le Monde de vários desertores portugueses que tinham denunciado numa conferência de imprensa, em Alger, cenas de tortura e execuções sumárias perpetradas por tropas portuguesas. Nessa conferência de imprensa esteve presente Amílcar Cabral que aproveitou para declarar que o Estado-maior português considerava ser impossível reconquistar os territórios da Guiné ocupados pelos guerrilheiros, e igualmente apelou à França para que mudasse a sua política com o regime de Lisboa.

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11272: Notas de leitura (466): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Julgo que tenho autoridade "moral" para falar sobre este assunto tão polémico.

Fui expulso da faculdade (motivos políticos)..preso pela pide..durante pouco tempo..é certo..mas preso e torturado.
Tinha duas alternativas,ou era refractário ou ia cumprir o serviço militar.
Com 20 anos estava neste dilema..resolvi ir,pelo simples facto de que me considero patriota, ou melhor tinha e tenho orgulho em ser português.
Os regimes políticos passam e o País fica..se a esmagadora maioria ia,porque é que eu não deveria ir, apesar de ser contra a guerra "por ser injusta".
Sabia ao que ia..apenas e só para me defender e defender os que me rodeavam,devido a minha especialidade de "artilheiro".
Julgo que cumpri..tenho a minha consciência tranquila.
Tudo isto para comentar o seguinte..

Considero a deserção um crime inqualificável..

Compreendo e aceito a refracção,naquela altura, desde que fosse feita com consciência e ideologicamente sustentável, infelizmente serviu a muito cobarde.
As justificações dos desertores..falam por si..são inqualificáveis e mera propaganda.

C.Martins

Antº Rosinha disse...

C. Martins, tambem podemos considerar que nem por se ser desertor tenha que ser traidor.

Traidor, penso que será lutar contra irmãos, ou seja passar-se para o inimigo.

Também havia objectores de consciência, não se podem chamar traidores.

Agora quando certa elite política que se quer justificar a si própria, querendo juntar-se aos milhares de refractários/emigrantes que assentando tijolo em Paris, enviavam religiosamente as suas remessas para o Espírito Santo, essa elite não passam de "chicos espertos".

Até esses refractários de uma certa maneira também foram soldados ao serviço do País.

E até ao serviço do Regime, pois que a economia do Estado Novo "agradecia".

Mas nós os portugueses somos muito complicados, quantas vezes temos vontade de declarar guerra a Castela e deixarmo-nos vencer.

Cumprimentos