sábado, 13 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11386: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (15): Em Catesse e em Cabedu... Os jovens por aqui, hoje, não querem fazer nada, talvez por influência do que lhes chega de outros mundos, através da TV


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 22 de Janeiro de 2012 > A Anabela Reis, bendita entre as mulheres...

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2012). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: LG]


Guine-Bissau > Aruipélagos dos Bijagós > Bubaque > 13 de dezembro de 2009 > 14h50_> Regresso, de barco, a Bissau. Uma juventude, aparentemente despreocupada, que viver o seu tempo...



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > São Domingos > 18 de dezembro de 2009 > O risco de perda de identidade ?... 1º Festival Cultural de S. Domingos, sob o lema "Nô Laba Rostu di Nô Guiné". Dopis jovens mulheres em dança tradcional ... Foto tirados pelo João Graça no penúltimo último dia da sua viagem à Guiné-Bissau (5-19 de Dezembro de 2009)


Fotos: © João Graça  (20009). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XV) (*)


25 de Março de 2012

Fiquei novamente mais de 8 dias sem nada escrever. Desde que comecei a dar as aulas de alfabetização às 8.30 da manhã deixou de me dar jeito escrever pela manhã.

A semana que passou, além de me dedicar às aulas de português, preocupei-me com a gestão financeira dos alojamentos e por isso o meu trabalho foi feito sobretudo com a Maria Pónu. Agora, sabendo o dinheiro que efetivamente temos em caixa teremos de decidir o que podemos comprar. Há muitas melhorias a fazer mas só podemos fazer aquelas para as quais houver dinheiro.

Com a Satú voltei a fazer doce de laranja mas em vez de cortarmos as cascas aos bocadinhos ralámos. É mais fácil de fazer muito embora eu prefira com as cascas aos bocadinhos. O doce ficou bastante bom, com o ponto certo. Já fiz os rótulos para pôr nos frascos mas ainda não os colámos pois a Satú tem estado doente.

Nas aulas de alfabetização percebi que havia dificuldades de aprendizagem e,  como não estava a perceber bem quais eram,  na 6ª feira fiz exercícios e agora já entendi as dificuldades de cada um dos grupos. Precisava de trabalhar mais tempo com o grupo mais atrasado mas não sei se quererão disponibilizar mais meia hora por dia. Tenho também uma enorme dificuldade em arranjar imagens para que possam associar as palavras às imagens. Sem internet estou bastante condicionada e o meu jeito para desenho é nulo.

Esta semana fiz também uma pequena reunião com as 3 formandas com quem irei à Gâmbia – a Satú, a Pónu e a Fatu de Farosadjuma. Nunca tive de preparar uma visita de estudo sem ter qualquer informação do que vamos visitar. Só sei que iremos a um ecoturismo na Gâmbia e ainda não sei quando.

Ontem, pela 1ª vez, saí de Iemberém, o que me soube muito bem apesar do calor e da “canseira”. Fui a Catesse, onde tinha estado no dia em que cheguei, fazer uma pequena reunião com a Associação de Mulheres. Elas estão a construir com o apoio da AD uma casa para hóspedes. Esta casa não se destina a turistas mas a locais que passem em Catesse a caminho da Guiné-Conacri ou de outras terras da Guiné-Bissau pois a AD está também a apoiar a reconstrução do porto e a aquisição de um barco. 

Nesta primeira reunião com as mulheres de Catesse o objetivo foi alertá-las para pensarem na forma como vão gerir a casa de hóspedes e nos acabamentos, materiais e utensílios que vão colocar considerando as dificuldades de manutenção. As pessoas acham muito bonito pintar as paredes de branco ou azul mas elas só estão limpas nas primeiras 24 horas – adultos e crianças, sempre com as mãos sujas da terra vermelha, põem as mãos nas paredes e pronto! Em menos de um ai está tudo um nojo. Elas decidiram o que fazer com a certeza de que terão de lavar paredes, trabalho que nunca fizeram e ao qual os seus corpos não estão habituados. 

Catesse é uma tabanca muito bonita, razoavelmente limpa e com um povo muito hospitaleiro. Assim que tenham um quarto pronto e a casa de banho estou disposta a ir para lá uns dias trabalhar com as mulheres. Quando entramos em Catesse encontramos quase uma avenida com árvores de um lado e de outro, as moranças ao longo da “avenida” e não se vê a sujidade que há, por exemplo, aqui em Iemberém, designadamente com os malditos “oleados” (sacos de plástico). 

Conheci finalmente a menina que nasceu no dia em que cheguei e a quem puseram o meu nome. A pequena Anabela tem bochechas como eu e é a 1ª filha de uma jovem de 17 anos, chamada Fatu. Fiquei preocupada pois tinha muitos bicos no corpo alguns dos quais bem infetados. Recomendámos à mãe que fosse com a bebé ao enfermeiro mais próximo e dei-lhe uma ajuda financeira para isso. Alice, agora também tenho uma Anabelazinha na Guiné, exatamente dois anos mais nova do que a tua Alicinha, pois nasceu a 17 de Janeiro.

Depois de Catesse, onde comemos (eu, o Abubacar e o Antero, motorista da AD, todos da mesma tigela, cada um com a sua colher) um arroz com pó de lolo (umas folhas que secam e pilam e que depois põem na comida para dar gosto) e mafé (molho, acompanhamento) de peixe fumado e óleo de palma, fomos para Cabedu, uma tabanca grande com 8 bairros, também bem bonita e organizada. Lá tivemos uma reunião com uma já antiga associação de mulheres que a AD ajudou há 20 anos na construção de uma casa de hóspedes que tinha como objetivos terem uma divisão para guardarem arroz para a época das chuvas e fazerem dinheiro para comprarem arroz para a época da “fome”. 

Na época das chuvas o arroz da campanha anterior escasseia e como tal sobe muito de preço. Então as mulheres da associação compravam arroz quando estava mais barato e guardavam-no para distribuírem entre as associadas na época em que subia de preço. Não se preocuparam e talvez não o soubessem fazer em manter/conservar a casa, a qual está hoje muito degradada e a precisar de grandes obras. Pediram agora ajuda à AD para isso mas é preciso que entendam que têm de saber conservar aquilo que têm. 

Pedi-lhes então que me contassem a história da associação e da casa para que percebessem que não tinham tido o cuidado da conservação e que isso era fundamental pois a AD não pode constantemente repor o que as pessoas deixam estragar. Estava na reunião o Homem Grande de Cabedu que pediu que eu fosse dar formação e apoiar as mulheres da associação pois elas estão um pouco desorientadas. Uma dúvida, no entanto, me ficou – as mulheres que formaram a associação e que a fizeram viver durante 20 anos, são de uma determinada época histórica e estão hoje com idade para descansar. Segundo o que elas mesmo disseram as jovens não têm o mesmo espírito que elas tinham e não querem trabalhar. Quem será então que vai trabalhar, gerir, manter a casa de hóspedes se ela for renovada? O Homem Grande disse que as jovens terão de o fazer mas se as suas aspirações forem outras? 

Segundo me disse o Abubacar depois, no carro, os jovens por aqui, hoje, não querem fazer nada. Talvez por influência do que lhes chega de outros mundos, através da TV e não só, os jovens desejem vidas diferentes mas a verdade é que essas vidas não lhes estão assim tão acessíveis – basta dizer que a escolaridade é muito baixa e que a maioria nem português fala. Terei de ter estes aspectos em atenção e ver com os responsáveis da AD se vale a pena voltar a investir naquela casa.

Hoje, sendo Domingo, não vou à pesca. Vou com o Abubacar a uma outra tabanca para assistir a uma cerimónia de choro dos Balantas. Um professor Balanta (animista) faleceu há 3 meses e hoje a família fará uma cerimónia em sua memória em que matarão vacas e porcos (os Balantas comem porco mas como muitos dos presentes são muçulmanos matam vacas para lhes servirem) e dançarem em memória do falecido. 

A AD mandou uma viatura para aqui durante 5 dias para eu poder fazer outros trabalhos e ter outros contactos. Nos próximos 3 dias irei para Farosadjuma trabalhar com a Fatu (que também tem bungalows). Está a saber-me bem esta mudança pois aqui há agora que esperar para ver o que fazem as formandas sem eu andar em cima delas.

Havia muitos dias que não via o Neca. Há pouco o Abubacar chamou-me para me dizer que ele estava aqui nas árvores em frente da casa. Fui buscar uma laranja, cortei-a ao meio e chamei-o. Lá veio e pela 1ª vez veio buscar as metades da laranja à minha mão. Ainda não subiu os degraus da minha casa, eu é que tive de descer, mas já veio buscar a laranja à minha mão. Foi um bom avanço nas nossas relações. Os macacos são a minha perdição. Adoro passar tempo a observá-los e só tenho pena deles, à excepção do Neca, não se aproximarem.

São já 9 horas, aqui a hora não muda, e como vamos sair às 10 tenho de me ir despachar. Uma nota final – hoje adquiri a primeira ferramenta agrícola da minha vida! Uma pequena sachola, com a qual posso sachar o meu canteiro de flores e com a qual espero poder aprender a fazer uma horta. É muito bom não estar sempre ao computador e poder fazer outras coisas com o corpo (esta frase irá suscitar pensamentos maliciosos em muitos mentes mas foi escrita sem qualquer pensamento mais “pecaminoso”!).

[Termina aqui o diário de Iemberém. Por razões de segurança, e na sequência do golpe de  Estado de 12/13 de abril de 2012, a Anabela teve de seguir inesperadamente para Dacar,. por decisão da AD - Acção para o Desenvolvimento. Sobre essas peripécias, falaremos em próximo poste. LG].

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P11359: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (14): Como é difícil suportar o calor na época seca... e dormir a sesta


5 comentários:

Anónimo disse...

Mensagem que nos acaba de mandar a Anabela Pires, a vivber em Aurovillhe, India:

Car@s amig@s, família, ex-colegas e ex-vizinhos, olá!

Imaginem que hoje, neste Estado da Índia - Tamil Nadu, é dia de Ano Novo. Por isso, a cantina de Auroville e o café La Terrace, de onde vos escrevo (porque aqui funciona a net) estão fechados! Como muitos dos que aqui trabalham são Tamil tiveram direito a feriado. Assim, estou aqui sentada num dos parapeitos da varanda, de cimento, o que é bastante incómodo. Já me dói o rabiosque!

Ainda não voltei a escrever nada de especial, muito embora já tenha algumas coisas para contar e novas fotos. Só quando terminar o trabalho na quinta, no fim deste mês, voltarei a ter maior disponibilidade.

Auroville vai-se desertificando de visitantes. Com o calor poucos ficam. Não é fácil suportar este calor pois estamos sempre a suar. Para já, o mínimo são 2 banhos diários, e não se pode dar importância às suadelas!

Ainda assim, continuo a gostar de aqui estar, apesar de ver os "amigos" que aqui fiz irem partindo.

Hoje é só para "vos dar de vaia", dizer que estou bem e sobretudo agradecer a tod@s os que me têm escrito.

Um enorme abraço,

Anabela

Hélder Valério disse...

Cara amiga Anabela Pires

Acompanhei com regularidade a leitura do "Diário" e apercebi-me de algumas coisas que foram salientadas por comentadores em 'posts' anteriores, tais como que o 'olhar feminino' é que podia ter as visões que nos foram transmitidas, que o facto de já ter vivido em África ajudou muito na forma como foi feita a adaptação, etc.
Seja como for, os relatos, contando os avanços e as dificuldades do dia-a-dia, a interação com o meio ambiente, flora e fauna, com os usos e costumes, tudo isso colocado de uma forma despretensiosa, deram-nos (deram-me) a noção do que se estava a passar.
Quanto ao que está mais saliente nesta página do Diário, para além de se saber que foi o último episódio, motivado por, mais uma, convulsão, é a ideia que está no título e que é a sensação que se tem que a juventude de hoje quer (e tem direito a querer...) viver uma vida melhor, mas que querem isso de 'mão beijada', sem esforço, sem sacrifício. Errado! Essa atitude é perfeitamente errada e conduz à infelicidade desses jovens. Ninguém dá nada, há que conquistar, trabalhar, sofrer, esperar. Mas têm que ser eles a descobrir isso, a nós compete alertar as mil vezes que forem necessárias.

Cara Anabela, muito obrigado por estes 'frescos' que foram estes relatos. E votos de bom trabalho aí por essas paragens.

Hélder S.

Anónimo disse...

Nenhum País irá longe se a sua juventude não adoptar três princípios essenciais de vida:
a) Virar as costas ao vento;
b) Usar as mãos como acessório mais importante de produção;
c)Vergar-se ao trabalho e, se necessário, mostrar o rego do rabo.
Os jovens guineenses certamente que não vêm as televisões americanas e canadianas. Se o fizessem, certamente que teriam, de uma maneira geral, o exemplo de uma juventude que lhes ensinaria outra forma de estar na vida.
Cumprimentos,
José Câmara

Hélder Valério disse...

Caro amigo José Câmara

Dum modo geral aprecio os teus comentários, pois são sempre pautados por justeza, clarividência e aquele 'não sei quê' de fraternidade.

Neste caso também concordo com o que apresentas como 'programa', embora não na totalidade já que essa coisa de "se necessário, mostrar o rego do rabo" pode ter outras leituras'....

Claro que percebo o que queres dizer mas também te pergunto se já ouviste falar da "geração Y". É que este "Y" é o que resulta da visão que se tem quando a cintura das calças, calções, saias, etc., fica muito 'descaída'. E há por aí a teoria que isso representa um código das prisões americanas quanto à predisposição para 'certas' actividades sexuais.

Tirando a brincadeira, pois concerteza que é necessário voltar a 'meter a mão na massa', só assim se pode avançar, pois o resto, ou seja, exigências sem esforço, será estéril.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...



Obrigado amigo Hélder. Um pouco de humor, quando feito com gosto, também é apreciado.

Nesse sentido, se me permites, vamos então convidar a juventude guineense a deslocar-se a Guiledge.

Ali poderão apreciar um pouco de história. Da sua própria terra! Também podem tirar exemplos para as suas vivências, outrora protagonizados por jovens como eles. Em circunstâncias diferentes!

No monumento da madeirense CCaç 3327 poderão apreciar uma das grandes lições para a vida ao lerem nele o seguinte: "Vencer sem preço é vencer sem glória".

Como dizes a vida não tem que ser estéril. Dito para qualquer juventude e muitos graúdos.

Abraço amigo,
José Câmara