sexta-feira, 26 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11474: Recortes de imprensa (65): O filme lusoguineense "A batalha de Tabatô", de João Viana, veio pôr Tabató e a cultura da Guiné-Bissau no mapa das rotas do cinema internacional (Luís Graça)



1. Excerto de peça da Agência Lusa, da autoria de Paula Mourato, publicada no DN - Diário de Notícias, 23 de abril de 2013. Com a devida vénia, reproduzimos aqui a notícia:

O realizador João Viana filmou uma aldeia na Guiné-Bissau e agora espera que "A Batalha de Tabatô", em exibição no festival IndieLisboa, "limpe o olhar" dos espetadores e desencadeie um processo de "descolonização mental". Veja o vídeo.

Após ter sido distinguida com menção honrosa no Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro, a longa-metragem "A Batalha de Tabatô" chega ao público português na quarta-feira, integrada na competição do festival de cinema IndieLisboa. (*)

O que João Viana encontrou em Tabatô, nome da tabanca (aldeia) de músicos mandingas da Guiné-Bissau para onde foi filmar, resultou numa curta e numa longa-metragem, ambas exibidas em Berlim.

A longa-metragem, que vai ser exibida no IndieLisboa, tem estreia marcada nas salas nacionais para "início de junho", adiantou à Lusa o cineasta luso-angolano.

Os habitantes de Tabatô vão ter oportunidade de se verem no grande ecrã, porque João Viana está a planear viajar com o filme pela Guiné-Bissau, durante o mês de julho. "É terrível estar cá, estou morto por ir para lá outra vez", confessa.

França, Bélgica e Alemanha serão outras das paragens do filme, mas João Viana faz questão de não iludir a realidade.

"Não é possível o que está a acontecer à cultura. São marcas gravíssimas que só se vão ver para o ano", alerta, recusando que o cinema até esteja a correr bem, "apesar da crise".

"Pensa o poder que os criadores arranjam sempre alternativas", critica, recordando que "mais de 300 pessoas" surgem no genérico de "A Batalha de Tabatô", porque o cinema é "uma arte coletiva" e "não é possível fazer um filme sozinho".

O cineasta nunca tinha estado antes na Guiné-Bissau, mas resolveu ir conhecer a aldeia que gira em torno da música. A princípio, o sítio não o surpreendeu, "as tabancas pareciam todas iguais" e "não via a riqueza" da floresta, recorda, confessando que foi "preciso peneirar a realidade" e "limpar o olhar ocidental".

Em Tabatô, deparou-se com olhares "sujos", de parte a parte. "Foi muito bom ver o olhar perante mim, enquanto branco, mudar. Da mesma maneira que nós temos um olhar viciado para com eles - olhamos sempre de cima do cavalo, (...) estamos com o olhar sujo (...) -, eles também nos olham de baixo para cima", compara.

Este processo de "nivelamento" de olhares "demorou alguns anos", mas funcionou. O seu está limpo e os habitantes de Tabatô conseguiram passar a vê-lo como "um contador de histórias como eles", descreve.

João Viana espera agora que os espetadores saiam do filme "com o olhar limpo". "O que eu sonho é que este seja um filme de descolonização mental", resume.

Ainda a braços com projetos sobre Tabatô (dois documentários), o cineasta já recebeu um convite para filmar na ilha da Reunião. "O cinema está muito ligado ao chão" e, por isso, admite que o seu esteja "ligado a África".

"A Batalha de Tabatô" - falado em mandinga, uma das línguas étnicas da Guiné, na qual João Viana aprendeu apenas a dizer "abarca" (obrigado) - é exibido na quarta-feira, às 21:30, na Culturgest. (**)


2. O filme fez anteontem, 24,  a sua estreia nacional, no grande auditório da Culturgest, no âmbito do festival IndieLisboa'13 (*). A nossa Tabanca Grande teve um simpático  convite por parte da produtora. Estivemos presentes, pelo menos eu, a Alice e o Jorge Cabral. Entre outros convidados, esteve também o embaixador da Guiné-Bissau. Um público, jovem e numeroso, viu um filme difícil de catalogar, entre o documentário e a ficção, que nos convida à desconstrução do nosso "olhar etnocêntrico sobre o outro"...

João Viana, realizador português, de 46 anos ganhou, com esta filme, uma menção especial na categoria de Melhor Primeiro Filme (A Batalha de Tabatô é a sua primeira longa-metragem)., em fevereiro passado, no prestigiadíssimo Festival de Cinema de Berlim.  Entrevistado, em 18 de fevereiro passado, pela RTP Internacional, no programa "Repórter Africa (vd. minuto 15' 54''),  o realizador português, nascido em Angola, hoje com 46 anos, falou longamente do "making of"  deste filme e da grande e fascinante descoberta que foi para ele a Guiné, o seu povo, as suas etnias, a sua pasiagem,  a sua história, a sua cultura, o seu futuro. E obviamente das gentes de Tabatô, que ele tem no coração e  que,  com este filme,  ele veio pôr no mapa do cinema português e do cinema internacional...

Em declarações à Visão 'on line', em 290 de fevereiro de 2013, o realizador falou deste e de outros projetos na Guiné-Bissau

(...) "Há mais dois [filmes]. Um making of sobre a forma como a música entra no filme. O som é a coisa mais importante no cinema, como explica João César Monteiro. O filme tem uma grande componente sonora, que tem a ver com o trabalho do percussionista Pedro Carneiro, que trabalhou sobre a música Mandinga. O Paulo Carneiro, o meu assistente de realização, está a acabar um documentário sobre o naufrágio que a equipa sofreu durante a rodagem. Estavam 109 pessoas a bordo, incluindo crianças, perdemos o material de iluminação, morreram os animais mas, felizmente, não morreu nenhuma pessoa.

 (...) "A Guiné é um país culturalmente riquíssimo, com mais de 30 grupos étnicos, com os seus hábitos e costumes. Isto para um contador de histórias, como eu, é uma mina. Poderia fazer 300 filmes diferentes".


E respondendo à pergunta sobre se o filme está "na fronteira entre a ficção e o documentário", João Viana respondeu:


(...) "Sim. Porque a Guiné é uma terra de ficção. Fazendo-se um documentário sobre contadores de histórias, o resultado nunca é convencional. Numa simples conversa com um homem sábio vivemos vários tempos em simultâneo. É muito intenso em termos de ficção. Mas eu quis fazer um documentário, e foi para isso que ganhei um subsídio, e acho que, ao filmar assim, não enganei o Estado. Nós não ficámos em hotéis, antes em casas. Eles construíram-nos as paredes e nós os telhados. Com o filme foi exatamente o mesmo. O filme foi construído por eles, nós fizemos muito pouco" (...)

 O filme, falado em mandinga, interpretado por atores locais (entre eles o meu novo amigo, Mamadu Baio, líder da bamda musical Super Camarimba), começa com uma espécie de lembrete  e provocação:   


(...) Há 4500 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a agricultura. 
Há 2000 anos, enquanto tu fazias a tua guerra, criámos a boa governação dos reinos.
Há 1000 anos,enquanto tu fazias a tua guerra, criámos as bases do reggae e do jazz.
Hoje, superando a tua guerra, construiremos contigo a tua paz. (...)


Os nomes de  Eduardo Costa Dias, consultor para a cultura dos mandingas (e membro da nossa Tabanca Grande, professor do ISCTE) ,  e de Luís Graça  e Carlos Matos Gomes, como consultores para as questões de história militar, aparecem no genérico do filme. No meu caso, por gentileza do realizador, que me lembrou, no batepapo depois do filme,  a importância que teve para ele a leitura do nosso blogue e uma conversa tida comigo há cerca de 5 anos atrás... (LG)

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