sábado, 27 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11483: Bom ou mau tempo na bolanha (6): A ida da sua aldeia para Nova Iorque (Tony Borié)

Sexto episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), Bom ou mau tempo na bolanha.
Assim começa Tó d'Agar uma nova vida nos Estados Unidos.








Depois de analisarem mais uma vez a situação, o Tó d’Agar, que é como se chama no princípio deste texto, junto com a Margarida, decidem que o melhor era ele ir sozinho na frente, para os Estados Unidos. Uma pessoa sozinha é mais fácil arranjar colocação e sobreviver, do que duas e um bebé.

Depois de comprarem um bilhete de avião para Nova Iorque, com algum dinheiro que tinham e um adiantamento do ordenado da Margarida, o Tó d’Agar embarca. No mesmo avião viajam diversas famílias de emigrantes. Ao lado do Tó d’Agar está sentado um emigrante que vive nos Estados Unidos há alguns anos, numa cidade ao sul de Nova Iorque, para lá do rio Hudson, em Nova Jersey. Como a viajem é longa e depois de algumas horas de conversa, esse emigrante explica ao Tó d’Agar:
- Próximo da cidade onde eu vivo, existem muitos emigrantes portugueses a trabalharem que vivem sozinhos, há muito trabalho, e você, novo e forte, que já fala algumas palavras em inglês, não vai estar parado um dia sequer.

Depois de todas as formalizações, no Centro de Imigração do Aeroporto de Nova Iorque, o Tó d’Agar sai do aeroporto com novos documentos de identificação, tinha uma oferta de emprego, só oferta, sem qualquer obrigação para ambas as partes, de uma editora de Nova Iorque que o Tó d’Agar não vai dizer o nome como devem compreender, pois nos anos sessenta do século passado mais de 30% da indústria da cidade de Nova Iorque e arredores eram tipografias e editoras onde havia alguma falta de pessoal qualificado.
Depois de ouvir o emigrante que viajou a seu lado, dizendo-lhe que na sua área trabalho não lhe iria faltar, além de outras razões, pois essa oferta de emprego na editora, era só oferta, sem qualquer compromisso em ambas as partes, portanto livre de ir para lá trabalhar, ou da editora o empregar, mencionava um ordenado que era de longe inferior ao que o referido emigrante lhe explicava que pagavam em outros empregos na sua área, e também pensando no dinheiro que trazia consigo, o seu pensamento focou-se na região onde o referido emigrante vivia. Iria ver como corriam as coisas e só depois entraria em contacto, se necessário fosse, com a editora em Nova Iorque, que não era assim tão longe.

O seu primeiro nome foi alterado, porque o antigo era difícil de pronunciar, passou a chamar-se, única e simplesmente, Tony, pois é este o nome que vem nos novos documentos de identificação, logo não é mais Tó d’Agar, nem Cifra, a partir de agora, chama-se Tony. Já fora do aeroporto, admirado de ver os carros muito grandes, olha o céu, fecha os olhos e medita por uns segundos, traz consigo um saco de lona, parecido com os que se usavam no exército de Portugal, mas um pouco mais pequeno, com alguma roupa, dezanove dólares que escondeu nas meias, mesmo dentro do sapato e o coração a transbordar de saudades da Margarida e do seu bebé.

Como antes tinha combinado com o referido emigrante, a família que o esperava, proporcionou-lhe transporte até essa cidade, ao sul de Nova Iorque, para lá do rio Hudson, em Nova Jersey, que o agora Tony agradecendo, aceitou. Deixaram-no na avenida principal com votos de felicidades, dizendo-lhe que havia algumas casas de negócio nessa avenida, onde sempre havia alguém que falava espanhol ou português. Assim o Tony veio parar a Nova Jersey, como podia ter ido parar a Nova Iorque ou a qualquer outro estado, mas quis o destino que fosse Nova Jersey.

Era inverno, havia neve no chão, fazia algum frio, era ao cair da tarde, o dia estava a acabar já sem muita luz, trazia ao ombro o tal saquito que tinha uma pequena corda, servindo de alça, começa a caminhar, parando aqui e ali, e foi tirando algumas informações, passou por baixo de uma ponte do caminho de ferro, uma zona com algum movimento. Um polícia afro-americano vendo-o parar por alguns momentos, faz-lhe sinal com a mão, para continuar seguindo, talvez com receio que o Tony quisesse dormir por ali. Caminhou por mais algum tempo e lembrando o seu companheiro de guerra, Curvas, alto e refilão, decidiu dormir nessa noite, numa espécie de jardim onde havia a luz de um candeeiro, que iluminava a zona, mesmo na margem do rio Passaic, onde também outras pessoas, alguns oriundos da América do Sul e outros afro-americanos, procuravam ajeitar a sua cama com cartões e outras objectos. Havia mesmo a disputa de lugar, onde o terreno era mais seco, o Tony ajeitou-se encostado a uma árvore com o saco a servir de cabeceira, mesmo junto de um casal afro-americano, que ao vê-lo aproximar-se se encostaram um pouco para o lado, fazendo-lhe um gesto para se deitar ali, junto deles. Depois do Tony se deitar, esse afro-americano coloca-lhe um grande plástico por cima e encostam-se a ele, dando a entender, que juntos se aqueciam mutuamente.

Pela manhã do dia seguinte, mesmo ao clarear do dia, o casal de estende-lhe uma espécie de bolo, colorido por cima, que mais tarde veio a saber se chamava “Donats”, que o Tony aceitou e comeu- Regressa à avenida principal e encontra diversos grupos de pessoas, na esquina das ruas, alguns com uma bolsa de farnel, e que falavam português entre eles, pois esperavam transporte para os seus trabalhos. O Tony logo se lhes dirige, contando-lhe a sua história, um deles, que parecia ser o chefe, logo lhe diz:
- Oh homem, trabalho não te vai faltar, se quiseres vai a esta direcção, que é ali ao dobrar da esquina, que é onde nós vivemos, falas com este senhor e ele logo te arranja lá alojamento. Olha, toma lá um banho bem quente, e come alguma coisa, do que nós lá temos no frigorífico, pois tens um aspecto de uma alma do outro mundo.

Assim foi, ficou instalado na cave de uma casa de emigrantes, com mais doze pessoas, todos homens. Havia uma cozinha comunitária e dois frigoríficos, as camas estavam de um lado da cave, encostadas a uma parede. Havia um quarto de banho com um chuveiro, todo este luxo custava seis dólares à semana, com a vantagem de começar a pagar quando arranjasse trabalho. Eram todos pessoal de trabalho, uns trabalhavam na construção de estradas, outros em obras de casas, outros na abertura de valas e colocação de manilhas de esgotos, alguns em fábricas, um era padeiro e outro empregado num restaurante. Portanto, potenciais contactos para arranjar trabalho.

Ao outro dia pela manhã, que era um sábado, o Tony, que é como a partir de agora passa a ser conhecido, saí da cave e dá uma volta pela área. Fica um pouco triste com o cenário que vê, as casas são todas iguais e encostadas umas às outras, há neve no chão, em certos lugares, da altura de um homem. Começa a nevar, passado uns minutos o chão está todo branco, escorrega e cai, levanta-se e sacode-se, passam algumas pessoas na rua, não saúdam, vão atarefadas, algumas até se desviam dele, os carros grandes e alguns cobertos de neve de alguns dias. Já todo molhado e cheio de frio da neve, regressa de novo à cave, falando sozinho:
- Isto, não pode ser a América.

Os novos companheiros, na cave, Veem-no chegar com uma cara um pouco triste, cheio de frio e com um ar de pessoa desanimada. Um deles, o que trabalhava no restaurante, logo lhe disse:
- Não fiques assim homem de Deus, aqui é onde está o trabalho e o dinheiro.

Outro, o que trabalhava numa fábrica de serração de madeiras, com ar sorridente, disse-lhe:
- Daqui a uns anos, já não queres saber mais do céu azul e do sol brilhante.

E ainda outro, que andava na colocação de manilhas de esgotos, falou muito alto:
- Todas as pessoas que chegam de Portugal, nesta altura do ano, ficam desmoralizadas, deixa vir a primavera e o verão e vês como a América é linda, e te vai dar um milhão de oportunidades. Tens é que ter saúde.

O Tony ouviu todas essas palavras de encorajamento, já tinha estado na África, em situações de desespero e sobreviveu.

Portanto isto, comparado com o cenário de guerra que viveu na Guiné, naquele aquartelamento de terra vermelha e arame farpado em Mansoa, era um paraíso. Pelo menos aqui, e segundo a opinião destes companheiros, não haveria ataques de tiros e granadas e não lhe iria faltar oportunidades de trabalho.
Um dos problemas que mais o preocupava, e era um pouco diferente, eram as saudades do bebé e da Margarida, mas iria superar tudo isso, ele lá no fundo, sabia que sim.

____________

Nota do editor:

Úlimo poste da série 23 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11450: Bom ou mau tempo na bolanha (5): A Fé também ajuda (Tony Borié)

9 comentários:

Antº Rosinha disse...

Quem sabe se alguns dos afro americanos companheiros de Tony na noite gelada de Nova York, não seriam primos de algum fula das margens do Geba ou do Casamance ou Gâmbia?

É que o mundo às vezes é bem pequeno.



Anónimo disse...

Olá Tony,

Welcome to the terra de oportunidade...

Um dia, alguém afirmou convicto que os dólares na América eram aos pontapés.

Com isso bem presente, um emigrante quando chegou a Boston, ao descer do avião, encontrou um dólar distraído no chão e disse:

- Cá está o primeiro! Não se baixou para lhe pegar. Preferiu dar-lhe um potapé.

Claro que o protagonista nunca mais encontrou outra no chão e o resto da história nós bem sabemos como acabou.

O Termo de Responsabilidade e o Contracto de Trabalho eram dois documentos absolutamente necessários para se poder imigrar para este País americano. Tinham força de lei, mas ninguém a usava.

Na verdade, se alguém accionasse os seus direitos, as pessoas e agentes de trabalho que facilitavam aqueles documentos, jamais se sujeitaria a passar novos documentos.

Foi assim, entre o entendimento todos, beneficiando da boa vontade de uns e de outros já aqui estabelecidas, que muitos portugueses conseguiram assentar raízes e refazer as suas vidas neste grande país americano.

Eu tive mais sorte que o Tony, pois já tinha a minha família aqui. Mesmo assim, cheguei a casa dos meus pais sem avisar.

Quando o Táxi que me trouxe de Boston parou no estacionamento da casa, o meu pai saíu à porta para ver o que se passava. Ao reconhecer-me quase caí com a surpresa. Tive que o amparar.

Ao entramos em casa, a minha mãe estava sentada à mesa, era hora do jantar, ficou presa na cadeira, sem fala, tremendo como varas verdes em dia de ventania.

Raio de chegada que quase matou os meus velhotes.

Sentei-me à mesa. Jantámos. Quase quatro anos depois a família estava de novo junta.

Abraço,
José Câmara

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