sexta-feira, 14 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11705: Notas de leitura (491): Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Mestre Braima Galissá pediu-me colaboração na elaboração de uma brochura sobre o korá. Dentro da bibliografia que pôs à minha disposição, vem este belíssimo atlas, de que eu nunca tinha ouvido falar, é uma preciosidade, estou certo que a sua divulgação junto dos guineenses de Bissau e os que aqui vivem seria um excelente estimulante que levasse à constituição de grupos musicais com base nos instrumentos tradicionais, como o balafon e bombolom.
A Casa da Guiné tem procurado dar o seu contributo, mas falta o dinheiro.
Este livro merecia ser reeditado como instrumento exemplar da multiculturalidade.

Um abraço do
Mário


Atlas dos instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau

Beja Santos

Posso estar equivocado, mas este atlas é uma preciosidade, dói saber que está esgotado, devíamos todos dar voltas à cabeça para encontrar processo de o reeditar. Para benefícios dos guineenses, que têm um património musical de grande valor, para benefício nosso, toda aquela música tem uma beleza inexcedível e bem merece ser divulgada. A começar pelo korá, mestre Braima Galissá que bem se esforça, desloca-se a qualquer evento quando é solicitado, é humilde nos seus honorários, move-o o pleno prazer pela cultura mandinga, toca na rádio e na televisão, junta-se a trabalhos discográficos de João Afonso, Amélia Muge, Sara Tavares e muitos outros, tem prazer em tocar em grupo, ainda na Guiné-Bissau, em 1997, fundou o grupo “Be La Nafa”, uma frase em língua mandinga que quer dizer “bem-estar para todos”. Esta designação foi dada pelos habitantes dos bairros de Bissau a Braima Galissá e aos seus músicos, quando animavam casamentos, batizados, cerimónias religiosas e outras.

Mas há mais mundo musical fora do korá. Nesses anos 90, na Guiné, um projeto holandês permitiu um levantamento à música e aos instrumentos musicais. Depois editou-se em língua portuguesa, terão sido umas centenas de exemplares, perdeu-se o rasto a um documento precioso. Foi exatamente o Braima Galissá [na foto em baixo]quem me emprestou este atlas que, estou em crer, não tem antecessores nem sucessores. O coordenador do projeto, João Cornélio Gomes Correia, escreveu na introdução acerca do papel da música nas culturas africanas e quais as especificidades da música guineense: “É popular, está desprovida de cânones explícitos. Pertence a toda a comunidade, que é o garante da sua perenidade. As músicas são funcionais, não têm qualquer utilização fora do seu contexto sociocultural. Não sendo objeto de especulações abstratas por parte de quem a pratica, a teoria que lhe é subjacente está totalmente implícita na diversidade dos grupos étnicos”. E mais adiante, justificando a razão essencial do atlas: “Os músicos e artistas continuam sem conceber a profundeza e a riqueza dos cânticos populares. Partindo dessa realidade, somos de opinião que o desenvolvimento da música guineense deve passar necessariamente por um estudo e reflexão por parte dos músicos e artistas. A transformação e a evolução da nossa música não devem obedecer exclusivamente a padrões musicais ocidentais (adoção da escala musical, arranjos harmoniosos, etc.) na medida em que a aplicação mecânica desses padrões irá destruir, em muitos casos, a sua originalidade e riqueza. Neste atlas, os instrumentos foram colocados segundo a organologia e está organizado de forma que, a cada instrumento corresponde um mapa mostrando as regiões do país e o nome por que é conhecido”. É um trabalho pioneiro, havia o propósito de criar um banco de dados que seriam postos à disposição dos estudiosos da música e dos instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau.

O primeiro agrupamento é dos instrumentos pertencentes à família dos membranofones, isto é, os tambores. Neste grupo foram encontrados os seguintes instrumentos: dundumba, feito de um tronco de árvores cavado com uma pele de cabra, é um tambor de forma cónica, batido com a mão e com um pau reto; findon, tem forma hemisférica alongada com uma pele de vaca numa extremidade e na outra está aberto; ondam, é um tambor de forma cónica com uma pele afixada com cavilhas. O seu tamanho é de cerca de 1,20 m, é batido com as duas mãos; Tabulé, talvez o mais divulgado dos tambores, tem forma hemisférica com uma pele de vaca, é tocado nas mesquitas para chamar os fiéis, tem um importante papel no Ramadão, é um meio de comunicação e é também utilizado para marcar um ritmo compassado à leitura do Corão; Tantam, é um conjunto de três tambores, é tocado pelos “djidius” (músicos) em todas as festas populares e para animar as sessões de luta tradicional; djimbé, tem também forma cónica, é quase sempre tocado com a flauta e o lálá; dondom, tem forma forma de ampulheta com duas peles fixadas por uma única corda que as entrelaça, acompanha o canto e a dança; sicó, é uma pequena caixa quadrangular de madeira cuja face superior é revista de pele de cabra fixada por pregos.

Passando para a família dos instrumentos cordofones, o realce é dado ao korá, simultaneamente uma harpa e um alaúde, toca-se nos eventos mais importantes e os mandingas consideram-no um instrumento sagrado; quissinta, a cabaça é pequena com a parte de cima forrada de pele de cabra ou vaca, é aparentado com o korá; Tonkoron, dispõe de 4 a 12 cordas, é um instrumento musical que pode aparecer em todas as manifestações culturais, acompanha o canto e a dança; bolombato, a cabaça é inteira, com forma de circunferência ou globo, toca-se em cerimónias do régulo e na luta tradicional, aparece associado ao korá, ao balafon, nhanheiros e outros; nanheiro, dispõe de uma única corda feita de couro de cauda de cavalo, a cabaça é pequena e coberta com couro de crocodilo, o tocador pode tocar e cantar ao mesmo tempo.

Seguem-se os instrumentos que pertencem à família dos aerofones, é o caso da flauta, do chifre, do calitó. A flauta é feita com cana de bambu, o chifre é feito com corno de gazela, mas também de vaca e mais raramente de antílope, funciona mais como trompa; o calitó é um tubo transversal, feito com caule de milho. No que toca aos instrumentos da família dos idiofones, temos os cocos de mangos, o balé, o conhecidíssimo balafon e o não menos conhecidíssimo bombolom, mas há também o chocalho, o reque-reque, o ferro, a campainha, o chocalho de pulso, o lálá, as palmas, a tina (tambor de água), a cabaça, a kunna, o taque e o neo.

Certamente que todos estão lembrados do balafon, é um xilofone, ou seja, um teclado de lâminas longiformes, em madeira, fixadas sobre um quadro que é percutido com duas baquetas. O balafon é tradicionalmente tocado por um grupo de pessoas que possuem um estatuto e um papel particular: os “djidius”, músicos depositários e transmissores do saber, considerados mestres na arte de falar. Quanto ao bombolom, é um tambor feito a partir de um tronco de árvore (bissilão) cavado de forma cilíndrica com a base mais larga do que a parte superior. É tradicionalmente tocado em todas as manifestações socioculturais: fanados (iniciações), choros (funerais) e na festa da etnia balanta tem o nome de kussundé; é um meio de comunicação pelo qual são enviadas mensagens às pessoas que entendem a sua linguagem; acompanha ritmicamente os dançarinos, no caso da etnia mancanha; tem ainda uma função mágica, sendo utilizado em cerimónias destinadas à comunicação com as divindades. O balé é constituído por lâminas cujo número pode variar entre 17 e 21, as quais são munidas de cabaças, que são grandes; o teclado fica ligeiramente inclinado. As cabeças estão dispostas por baixo das lâminas que são fixas e emparelhadas. É tocada habitualmente nas festas e cerimónias dos balanta-mané.

É um belo livro. É estranho como a comunidade guineense em Portugal está arredia aos seus instrumentos musicais. Impunha-se apoiar uma escola de música para vulgarizar e atrair jovens adeptos para este património de inexcedível valor que as gerações na diáspora podem vir a esquecer.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11693: Notas de leitura (490): (Mário Beja Santos) República e Colonialismo na África Portuguesa, coordenação de Fernando Tavares Pimenta (Mário Beja Santos)

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