sexta-feira, 26 de julho de 2013

Guiné 63/74 – P11871: Visita à Guiné e Briefing ao General Chefe do Estado Maior do Exército, general Paiva Brandão (Bissau, 26 de Janeiro de 1974) (Luís Gonçalves Vaz)


1. O nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou a seguinte mensagem.

Olá Luís Graça:

Depois de muito tempo "na clandestinidade", por motivos profissionais, resolvi agora elaborar mais um pequeno artigo sobre a os últimos meses da Guerra colonial no T. O. da Guiné. 


Este artigo é também uma tentativa de responder ao camarigo António Graça de Abreu, quando no post P9765: Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973, questionava num comentário: "... O Luís Gonçalves Vaz não tem mais relatórios de Janeiro, Fevereiro, Março de 1974, por exemplo? ..."

Não descobri mais Relatórios secretos... , mas descobri a "exposição do Chefe de Estado Maior do CTIG, coronel do CEM Henrique Vaz, num Briefing ao Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército, General Paiva Brandão, quando realizou uma visita de cinco dias á Guiné, entre 26 e 30 de Janeiro do ano de 1974. 

Com os excertos desta exposição do CEM do CTIG da altura, poderão os "Camarigos do nosso Blog" realizarem as suas próprias leituras do que o CEM/CTIG pensaria (ou não), numa altura tão conturbada como aquele momento histórico. Se assim o entenderes, pois "vês nele" alguma importância para mais uma leitura dos últimos meses da Guerra colonial no T. O. da Guiné, então publica o artigo.

Forte abraço,

Luís Gonçalves Vaz


Comando Territorial Independente da guiné
QUARTEL GENERAL

Visita á Guiné e Briefing ao Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército, general Paiva Brandão (Bissau, 26 de Janeiro de 1974)


General João Paiva Leite Brandão (CEME 1972 - 1974) e Chefe do Estado Maior do QG / CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz (CEM/CTIG 1973 – 1974). 

Alguns excertos dos registos pessoais, manuscritos,  do Coronel do CEM, Henrique Manuel Gonçalves Vaz, no ano de 1974, no Teatro de Operações da Guiné Portuguesa



Bissau, 25 de Janeiro de 1974  

“ … depois do almoço fiquei em casa para preparar a minha exposição para o briefing ao General  CEME, que amanhã chegará à Guiné, e será “brifado” às 16: 00 no QG do CTIG …”

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 26 de Janeiro de 1974

“ … Ás 11:30 estávamos no Aeroporto à espera do N/General  Paiva Brandão (CEME). Fui almoçar com o nosso general e às 15.40  indicaram-me  para levá-lo ao Palácio. Ás 16.00 estávamos no Q.G. , onde foi recebido  pelos 1º e 2º comandantes, com guarda de honra da PM (Polícia Militar) , banda e Bandeira, c/ Hino do Exército.

Palavras na sala de operações, pelo N/Brigadeiro comandante e palavras de agradecimento pelo CEME. Fotografias e iniciei a minha exposição, passando a palavra ao Ventura, correu bem.

O nosso General fez algumas perguntas  e foi-lhe dado respostas. No final o N/Brigadeiro falou da parte financeira e fechou o briefing o nosso General. …”

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 27 de Janeiro de 1974

 “ … 2º dia da visita do CEME , General João de Paiva Brandão á Guiné . De manhã Tite e Bolama. Às 16:00 visita ao Hospital Militar de Bissau. …”

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 28 de Janeiro de 1974

 “ … visita a Bambadinca. Voamos num Dornier 28 dos TAGP. Regressamos depois do almoço. De tarde visitou-se o Batalhão de Engenharia e o Batalhão de Serviço de Material na B… . Em seguida Briefing no C. C. (comando chefe).

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 29 de Janeiro de 1974

“ …jantar de despedida ao nosso general Paiva Brandão, no Clube Militar (piscinas). Às 13:30 visitou-se o Agrupamento de Transmissões da Guiné, e a seguir o B. de Instrução.

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 30 de Janeiro de 1974

 “ … Regressou a Lisboa, passando por Cabo Verde, o CEME. Partiu às 08:30 de hoje nos TAP. …”

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Bissau, 1 de Fevereiro de 1974

 “ … Ás 07.30 estava no Q.G. a preparar o despacho dos dois Brigadeiros. Ás 19:50, estava a sair do Q.G. . …”

Coronel Henrique Gonçalves Vaz (Chefe do Estado-Maior do CTIG)


GUINÉ - PELUNDO/ 1973 - INSTRUÇÃO DAS MÍLICIAS

Da esquerda para a direita: Delegado do Governo no Chão Manjaco, Tenente-coronel de Art Sousa Teles; Comandante Geral das Milícias, Major Pinheiro;  CEM/CTIG, Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz, em inspecção à instrução das milícias, representando o 2º CMTE do CTIG.


Comando Territorial Independente da guiné
QUARTEL GENERAL

Briefing a sua Excelência o Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército
(Preâmbulo da exposição do Chefe de Estado Maior do CTIG, coronel do CEM Henrique Vaz)

“ … Meu General: É com o maior prazer que em meu nome e no dos Oficiais, Sargentos e Praças que servem neste Q.G., aqui representados pelos Chefes de Repartição, de Serviços e comando de Armas, apresento a V. Exª. os nossos cordiais cumprimentos com o sincero desejo de que a estadia  de V. Exª. nesta Terra, decorra da forma mais agradável e proveitosa, para que os objectivos da visita do Meu General sejam plenamente atingidos, do que muito, estou certo, lucrarão as Tropas do Exército que neste T.O. lutam e trabalham esforçadamente, com verdadeiro espírito de missão.

Bem merecem todos que, os altos poderes  lhes proporcionem todo o apoio possível e V. Exª., depois de tudo observar, será com certeza o melhor embaixador e defensor das suas legítimas aspirações, que são simples e se reduzem a não lhes faltarem as armas de que carecem e as munições precisas para tirarem o melhor partido daquelas armas. Em resumo direi que o Exército da Guiné só necessita para bem continuar e ainda melhorar, o cumprimento da sua missão que, da Metrópole lhe enviem as armas, as munições e os víveres, com a maior regularidade e suficiente abundância.

Tudo o resto: faltas de pessoal, faltas de instalações, faltas de comodidade, tudo suportarão com o espírito de sacrifício e de cumprimento do Dever que lhe é próprio.
Desculpar-me-á meu General este longo preâmbulo e passarei imediatamente, a dizer a V. Exª. as indispensáveis palavras introdutórias das exposições que lhe vão ser apresentadas, pelo Tenente-coronel do CEM, Cunha Ventura, Chefe da 1ª Repartição, do Major do CEM, Cabrinha, Chefe da 2ª/ 3ª Repartição, do Tenente-coronel do CEM, Morgado, Chefe da 4ª Repartição e finalmente, do Tenente-coronel de Infantaria Monsanto Fonseca, Chefe dos Serviços de Transporte.  …”


Coronel Henrique Vaz, em Nova Lamego com o Brigadeiro Banazol (comandante do CTIG), perante um desfile de um pelotão de Milícia, no âmbito do encerramento da instrução. Guiné - Setembro 1973

“… A densidade populacional da Guiné é muito elevada. A população que ultrapassa o ½ milhão é muito diversificada, constituída por várias etnias de características muito díspares, com usos e costumes e religiões diferentes. No entanto esta População está aglutinada mas exige cuidados na ligação dos militares com os seus elementos para respeitar os seus hábitos tradicionais, ainda muito arreigados e manter a harmonia sempre necessária.

Assiste-se já ao fenómeno de imigração do camponês das bolanhas do interior para os polos de atracção, que são as cidades.

Dada a falta de indústrias e de comércio intenso, esta população, na sua maioria, muito jovem, procura alistar-se nas Forças Armadas, e a mais evoluída, tem verdadeira ânsia de aprender enchendo as escolas da Província, em especial Bissau.

Se alguém pretender aumentar os efectivos africanos do Exército, não há quaisquer problemas de recrutamento quantitativo. A dificuldade actual que aflige o Comando, é precisamente o contrário!

A percentagem de analfabetos é enorme e a maioria não fala mesmo o Português ou têm mesmo muita dificuldade em o falar.

É um grave problema o de dar ocupação compatível aos Guinéus que vão terminando os seus cursos escolares e a de permitir a sobrevivência de todos aqueles que não cabem nas fileiras do Exército ou são obrigados a abandoná-las pelos diversos motivos conhecidos.


O Coronel Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74), comandando exercícios com fogos reais, no Pelundo, na zona oeste da Guiné - Foto 1.


O Coronel Henrique Gonçalves Vaz, último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74), comandando exercícios com fogos reais, no Pelundo, na zona oeste da Guiné - Foto 2.

É um assunto que transcende o C.T.I.G. mas que não posso deixar de referir ao falar da população africana da Província.

Para finalizar estas considerações, não posso esquecer a aceitação e a fidelidade com que os Guinéus servem no Exército e nas Milícias, e são uns bons milhares – A prova disso, além de todas as outras, estão a evidenciá-lo as centenas de mortos em combate, quer de soldados africanos quer de Milícias.

Há problemas e dificuldades com os africanos, evidentemente, mas o saldo é francamente positivo e pena é que não saibamos – talvez melhor, não possamos aproveitar em muito maior escala quem tão generosamente – apesar de todas as carências – morre pelo Chão da GUINÉ. …”

Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz in: Preâmbulo da exposição do Chefe de Estado Maior do CTIG, no Briefing a sua Excelência o Senhor General Chefe do Estado Maior do Exército

Nota do autor: Neste excerto apenas parte da exposição do coronel Henrique Vaz é transcrita, o preâmbulo e parte do ponto referente à População. Como tal não estão transcritos aqui neste artigo todos os pontos da referida exposição, nomeadamente; Missão do CTIG, Características Gerais do T.O., Condicionamentos Gerais do T.O. e Meios ao dispor do Q.G./C.T.I.G. 

Braga, 21 de Julho de 2013
Luís Gonçalves Vaz
(filho do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, então Chefe do Estado-Maior do CTIG) 

Fotos (e legendas): © Luís Vaz Gonçalves (2013). Todos os direitos reservados.
(Selecção, itálicos e negritos: LGV)

6 comentários:

Luís Graça disse...

Luís:

Sê aparecido, depois da tua "licença sabática"...E espero que mos mandes mais excertos do "briefing"...

Há dois recados que o senhor teu pai manda ao CEME e, por via dele, ao poder político em Lisboa...Um tem a ver os graves problemas de logística que, em 1974, está a dificultar o cabal cumprimento da missão das NT... E o outro é a inquietação, dos militares, quanto às tendências demográficas, sociais e políticas...

A linguagem é típica da época: perifrástica, gongórica, retórica, cerimonial... Quem é que, na época. se atrevia a falar grosso ao poder político ?

Tu mesmo seleccionaste os "recados"... Quanto ao primeiro, o da quebra na logística...


(...) "Bem merecem todos que os altos poderes lhes proporcionem todo o apoio possível e V. Exª., depois de tudo observar, será com certeza o melhor embaixador e defensor das suas legítimas aspirações, que são simples e se reduzem a não lhes faltarem as armas de que carecem e as munições precisas para tirarem o melhor partido daquelas armas.

"Em resumo direi que o Exército da Guiné só necessita para bem continuar e ainda melhorar, o cumprimento da sua missão que, da Metrópole lhe enviem as armas, as munições e os víveres, com a maior regularidade e suficiente abundância.

"Tudo o resto: faltas de pessoal, faltas de instalações, faltas de comodidade, tudo suportarão com o espírito de sacrifício e de cumprimento do Dever que lhe é próprio." (...)

(Continua)

Luís Graça disse...

(Continuação)


Quantoa o segundo ponto, há recado sibilino para o Terreiro do Paço, ou melhor, para São Bento... Duvido que a "brigada do reumático" dos generais, em Lisboa, e o fraco e isolado primeiro ministro, Marcelo Caetano, entendessem...

“… A densidade populacional da Guiné é muito elevada. A população que ultrapassa o ½ milhão é muito diversificada, constituída por várias etnias de características muito díspares, com usos e costumes e religiões diferentes. No entanto esta População está aglutinada mas exige cuidados na ligação dos militares com os seus elementos para respeitar os seus hábitos tradicionais, ainda muito arreigados e manter a harmonia sempre necessária.

"Assiste-se já ao fenómeno de imigração do camponês das bolanhas do interior para os polos de atracção, que são as cidades.

"Dada a falta de indústrias e de comércio intenso, esta população, na sua maioria, muito jovem, procura alistar-se nas Forças Armadas, e a mais evoluída, tem verdadeira ânsia de aprender enchendo as escolas da Província, em especial Bissau.

"Se alguém pretender aumentar os efectivos africanos do Exército, não há quaisquer problemas de recrutamento quantitativo. A dificuldade actual que aflige o Comando, é precisamente o contrário!

"A percentagem de analfabetos é enorme e a maioria não fala mesmo o Português ou têm mesmo muita dificuldade em o falar.

"É um grave problema o de dar ocupação compatível aos Guinéus que vão terminando os seus cursos escolares e a de permitir a sobrevivência de todos aqueles que não cabem nas fileiras do Exército ou são obrigados a abandoná-las pelos diversos motivos conhecidos." (...)

Não fomos sequer capazes de formar "elites" para a Guiné, na devida alturam, quanto mais criar condições para levar para a frente a política da "Guiné Melhor", esboçada por Sarmento Rodrigues, na segunda metade dos naos 40, e depois por Spínola, no seu consulado (1968/73), muito marcado pelo populismo e a demagogia... Não era com viagens de borla a Meca (para os homens grandes...) e reordenamentos das populações que conquistávamos o coração dos guinéus, sobretudo dos mais jovens, que queriam ir à escola, ter empregos e lugares na administração (e não apenas fazer a "carreira das armas" que, para algumas centenas, acabou desgraçadamente no poilão dos fuzilamentos)...

Luís Gonçalves Vaz disse...

Olá Luís:

Eu nunca abandonarei a "Nossa Tabanca Grande", mas a vida para mim tem "muitas ocupações"...... É claro que selecionei os "excertos do briefing", escolhi aqueles que pudessem dar uma ideia do que o meu saudoso pai, enquanto CEM/CTIG pensaria na altura, e parece que acertei! Tive de procurar muito para descobrir algum manuscrito que nos desse a "tal ideia" do que pensaria o sr. coronel Henrique Vaz.
As outras partes são mais "espectáveis", técnicas e sem "novidades de maior", percebes Luís? no entanto poderei continuar a realizar mais artigos sobre este "briefing", mas não tenho a "parte do Sr. General/CEME", apenas o comentário na "Agenda do CEM", que "correu bem", o que nos dará uma pequena ideia de que o CEME, a recebeu de "uma forma positiva"... Avisa o camarigo Graça de Abreu, deste post, ok?


bom fim de semana

Luís Vaz

antónio graça de abreu disse...



Meu caro Luís

Já li tudo e as palavras e entendimentos do teu bom pai confirmam todas as realidades que vivemos.
Mas que diferença entre a análise da verdadeira situação na Guiné, início de 1974
e aquele famoso relatório de Maio de 1973, cujos pressupostos e entendidos vieram a ser desmentidos logo após Junho de 1973, até 25 de Abril de 1974!

Achas que o teu pai acreditava numa derrota militar das Forças Armadas portuguesas na Guiné? Que o IN, bem armado, era mais forte do que as NT? Que a maioria das populações estava com o PAIGC?
Foi a realidade, os factos reais, a verdadeira situação militar, no terreno, pós Guileje, Guidage e Gadamael, até Abril de 25 de Abril de 1974, que veio desmentir os apóstolos da desgraça e da derrota.
Pena ainda hoje alguns continuarem a sua cruzada, até aqui no blogue.
Não digo nomes mas alguns ainda se lembrarão daquela acesa polémica entre o Mário Beja Santos e eu próprio, em 2009. Já disse.

Mas é claro que também não íamos vencer militarmente aquela guerra.
Aquela guerra não tinha solução militar, e nós e PAIGC estávamos fartos da guerra.
Mas, como somos um povo muito original, sem solução política, se calhar ainda hoje tínhamos soldados portugueses em África.


Forte abraço,

António Graça de Abreu

Henrique Cerqueira disse...

Camarada Luís Vaz
Há muito tempo que já se sentia a falta das tuas intervenções sempre bem documentadas e claras.
Lembrei-me muito de ti quando aqui foi escrito á pouco tempo sobre o processo do pós independência e em especial como terá sido tratada a desmobilização dos antigos soldados que eram naturais da Guiné e estavam incorporados nas nossas fileiras. Será que tens alguma informação credível sobre essa matéria?
Um abraço
Henrique Cerqueira

Luís Gonçalves Vaz disse...

Camarigos Graça de Abreu e Henrique Cerqueira:

Obrigado pela generosidade das vossas palavras! Além do valor histórico, de satisfazer alguns ex-combatentes na Guiné ... esta minha colaboração é também uma forma de "manter viva" a memória do meu falecido pai. E como vocês me pediram o resto desta "exposição do então CEM/CTIG" no já longínquo ano de 1974, acabei de enviar para os Editores a "Parte II", Boas leituras e Muita Saúde.

Forte Abraço

Luís Gonçalves Vaz