domingo, 1 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P11999: (Ex)citações (225): Camaradas que tombaram no palanque do conflito (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Sinais do tempo, sem tempo, da enfadada guerra guineense

Camaradas que tombaram no palanque do conflito 


Permitam-me esvoaçar nas asas do vento e trazer à opinião pública no nosso blogue uma foto de túmulos de infelizes camaradas que nos verdes anos da sua juventude perderam a vida na guerrilha guineense. Admito que não é fácil debater uma temática que hoje, já sexagenário, me arrepia a “meia dúzia” de cabelos que pomposamente primam em manter-se hirtos à tona de um coro cabeludo que outrora fez “ronco”. Porém, esta explanação de realidades que amiudadamente observamos, toca no ego de antigos camaradas que nos anos 60 e 70 viram partir para a tal famigerada viagem sem regresso companheiros e amigos deste cosmos terrestre. 

Olho, atentamente, os sepulcros (amigos de infância que morreram em Angola, Moçambique e Guiné) que frequentemente visiono no cemitério da terra que me viu nascer – Aldeia Nova de São Bento – e que um dia me acolherá para a eternidade junto àqueles que me deram o ser, e questiono-me sobre a injustiça que se abateu sobre aqueles jovens, à semelhança de muitos outros bravos militares, que tombaram numa guerra na qual foram, simplesmente, soldados desconhecidos. Forçados a partir para terras de além-mar, como era exigido, o destino foi-lhes cruel e os seus restos mortais chorados com uma inflamada saudade.

Esmiuço o conteúdo da guerra na Guiné – 1963/74 – e reconheço que os seus imensuráveis contornos foram, de facto, incontroláveis. Consultando os registos, e não vou mencionar o número como facto consumado, ou dado adquirido, refere o documento da Comissão para o Estudo das Campanhas África – Estado Maior do Exército – que na Guiné terão morrido em combate 2069 militares oriundos da Metrópole e 471 elementos do recrutamento local.

Defuntos que em nada contribuíram para o fatídico fim numa guerra onde as frentes de combate, a meu ver, se apresentavam pressupostamente desiguais. Nós, singelos militares, que conhecemos o conteúdo real do conflito, sabemos ainda hoje que as armadilhas que o próprio terreno impunha, assim como o clima adverso constatado, eram fatores propícios a eventuais contactos com os guerrilheiros adversários que conheciam a razão do combate.

Considero que é perfeitamente legível que evoquemos, também, toda uma estirpe de gentes que souberam enobrecer a sua defesa pessoal e coletiva e que por ora continuam, felizmente, a possuir o privilégio de contar as suas histórias hilariantes de uma guerra que nos foi inesquecível, sendo porém uma certeza que os estropiados e os que ainda hoje sofrem de profundos traumatismos adquiridos no cenário guineense, são bandeiras sublimes de um tempo que jamais caiará na orla do esquecimento de um País, o nosso, que tende, pressupostamente, olvidar a mais recente peleja da história em que Portugal esteve envolvido.

Era miúdo e pela minha cabeça jamais passou a hipótese, depois a certeza, que o meu destino me reservasse uma comissão militar na Guiné. Mas… aconteceu. Revejo o sentimento de dor nos momentos da chegada dos corpos de inocentes à terra onde eram sobejamente acarinhados e que lá longe, num chão distante, perderam a vida em plena flor da idade. Familiares e amigos, apreensivos, tentavam explicar o inexplicável. O choro, em coro, resvalava para uma revolta suprema. O povo, pela calada, lançava gritos de insurreição pela desgraça conhecida e, clandestinamente, sonhava pelo fim da guerra no Ultramar.

Esta ligeireza memorial sobre a temática abordada, levou-me a um pressentimento comum que explica, sumariamente, que serão raros os cemitérios nesta pátria lusíada onde não haja uma lápide que refira a existência de um antigo camarada morto na guerra da Guiné.

Permitam-me, pois, relembrar que a foto que aqui vos deixo foi recolhida no cemitério da minha terra e diz respeito a um camarada fatidicamente caído numa peleja díspar, restando a sensação comum que a sua coragem, como militar português, extravasou desejos impensáveis. Este leque de saudosos camaradas foram, no fundo, peças de um puzzle estéril onde os interesses individuais de senhores de colarinho branco se sobrepunham ao coletivo de uma sociedade quiçá desordenada.

Os militares que integravam, normalmente, as ditas frentes de combate eram substancialmente oriundos da plebe.

Descansem em paz velhos camaradas!
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:


4 comentários:

Torcato Mendonca disse...

José Saúde, bem perto de ti em S.Matias repousa um camarada meu. Podes ler os P - 2817 e P - 1892.
Se um dia passares por lá, jornalista que és, tenta saber a "estória"dele. Nunca fui capaz de procurar a família.

Um abraço ao Manel Mantinhas e outro para ti do Torcato

e.t.- o Manel deve lembrar-se deles.

Hélder Valério disse...

Caro José Saúde

As homenagens feitas aos nossos camaradas caídos nos T.O. nunca serão demais.

Fizeste bem em realçar este aspecto. Alguns, sabemos, não vieram na 'caixa de pinho' mas não são poucos os cemitérios das nossas terras onde existem lápides como a que nos trouxeste.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

De: Joaquim L. Fernandes

Caro camarigo José Saúde

Afloras um tema muito sério; As lápides dos ex-militares vítimas da guerra colonial, que povoam os cemitérios de norte a sul de Portugal e Ilhas, mas que poderíamos estender até Angola, Guiné e Moçambique. São muitos milhares, de antes e após as "independências".

Cada lápide testemunha aquele que partiu, ceifado da vida antes de realizar o projeto para que nascera, uma vida interrompida a menos de meio do percurso.Mas, a essa vida roubada,temos que associar o sofrimento terrível e dramático de muita gente que igualmente perdeu parte da sua vida:As mães e pais,irmãos, esposas, filhos, noivas,amigos e camaradas de armas... o penar de uma Nação. Não tem medida tanto sofrimento.

E poquê e para quê?
Estas, são a meu ver, as grandes questões de ontem e de hoje; O porquê e para quê da guerra para onde nos atiraram, que nos condenou e ainda hoje condena, ao sofrimento e empobrecimento coletivo. Não para julgar e condenar os seus responsáveis,(terão sido muitos, nas elites que detinham o poder,económico e financeiro, político e militar),mas antes, para identificar as causas e tudo fazermos no presente e no futuro,para que se não cometam os mesmos erros.

Esta reflexão dava pano para mangas. Por hoje fico-me por aqui.

Um abraço fraterno
J.L.F.

Ultramar Naveg disse...

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Requiescant In Pace!