quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12029: Um encontro em férias com um embaixador da UE que esteve em Bissau no pico do conflito político-militar 1998-1999 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2013:

Carlos,
Foi uma grande surpresa, de vez em quando temos o choque das grandes alegrias, puras e inesperadas.
[...]
Como é evidente, pedi autorização ao embaixador para publicar as fotografias e aonde.
Recebe um abraço de um amigo que te quer sempre bem,
Mário


Encontro inesperado com um embaixador da UE em Bissau

Beja Santos

2 de Setembro, cerca das 19 horas, Praia Grande, região de Sintra. Tarde magnífica, estive uma hora no banho, ondulação inocente, dava gosto, água quase tépida, as vagas sucessivas da ondulação massajavam, uma maresia de sal e iodo, nem havia vontade de sair tão cedo da água. Depois passeei-me à beira-mar, sequei-me, subi para o passeio e limpava afanosamente os pés quando um vozeirão estoirou ali ao lado:
- O que é que você faz aqui nos meus domínios, ó Beja Santos, há quanto tempo não nos vemos?.

Não fiquei estupefacto muito tempo, quem me aborda assim de supetão está praticamente como quando o conheci, no final de 1977. Abraçámo-nos, era o Miguel Amado, e quando nos conhecemos foi no Ministério do Comércio, ele na rede nacional de frio e eu já nos consumidores. Viajamos pela Dinamarca, em 1978, e quando nos separámos em Copenhaga, no aeroporto, eu seguia para Amesterdão e ele para Lisboa, preguei-lhe uma pequena partida, pedi-lhe para trazer duas pesadas malas com a documentação e filmes que trazia numa visita à Suécia, ele que tivesse pena de mim, ia agora para Haia buscar vários sacos com bobines para os filmes que iria apresentar na RTP. Ele já esquecera essa partida, quase 40 quilos de papelada e película que trouxera até minha casa.

Foi uma alegria este reencontro. Bebemos uma imperial e cavaqueámos pelas várias décadas em que andámos dispersos. A Guiné veio à baila. Ele percebeu que eu tinha os olhos em alvo, bebia tudo quanto ele dizia. Ele foi embaixador da União Europeia, apanhou o conflito político-militar da Guiné em cheio. Já tínhamos falado de Madagáscar, do Burundi, da República Dominicana e do Congo Brazaville, algumas das paragens onde fez diplomacia, conheceu cinco golpes de Estado. Pedi-lhe para voltarmos à Guiné.
- Ó Beja Santos, há muito para contar, venha jantar comigo na quarta-feira, trato-o bem, vamos marcar um ponto de encontro.

E assim foi, encontrámo-nos na Ribeirinha de Colares, pegou em mim e de jipão seguimos para um morro onde ele tem a sua casa. E que panorâmica, meu Deus! Fiquei sem fala, avista-se o espinhaço pétreo onde assentam o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, avista-se perfeitamente Monserrate, a Quinta da Piedade, em escadaria a Eugaria, pode divisar-se a Estrada Nova da Rainha, estávamos a saborear um fim de tarde cálido, avistava-se uma neblina que tecia cogitações românticas, havia para ali um silêncio monástico, que inibia a conversa. Feita a apresentação do lugar, percorri a sua bela casa, mexi nos livros, obras de arte, bibelôs, como me atrevo a fazer quando me sinto em intimidade.

Aos solavancos, voltámos à década de 1970, percorremos as suas missões, lá o fui manipulando até chegarmos à Guiné.
- Espere lá, vou buscar os álbuns, tenho ali fotografias que o vão entusiasmar. Olhe para esta, a comissária Emma Bonino, que apareceu ali acidentalmente na Guiné, forçou o aperto de mão entre o Ansumane Mané e o Nino Vieira, não percebeu patavina do que eles disseram, e depois veio cá para fora dizer que se tinham dado passos extremamente importantes para a reconciliação… e temos aqui esta fotografia histórica.

Continuou a remexer no álbum, vi a sua residência em derrocada, vi os vestígios das bombardas que o assolaram, ele lá está, sorridente e lampeiro, como sempre.

- Há muito mais a conversar sobre a Guiné, voltaremos ao assunto em próximo encontro.

Aquiesci prontamente. É claro que nos vamos encontrar mais. A Guiné é interminável, ele esteve lá dois anos e meio, tem mesmo muito para contar.

Para não cansar muito o confrade, junto só três fotografias, a de um aperto de mão que não ficou para a História, e as ruínas de uma casa no fragor de uma guerra civil, com os sinais do metal da morte.




Fotos: © Embaixador Miguel Amado

É muito bom conversar com o Miguel Amado, é um homem crente e tem o vigor dos apóstolos, a solicitude dos generosos e, como todos os justos, não há para ali azedumes, rancores nem insinuações pestilenciais. Estou mesmo a aguardar uma nova oportunidade de lá ir a casa, ele recordou a luz de Outubro, quase mística, naquele cenário transcendente. Eu vou. E voltaremos a falar da Guiné.

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Mário

É verdade, a Guiné (e não só, mas principalmente) tem esse 'condão' de fazer com que as conversas e as recordações 'sejam como as cerejas'.

Pois então, que venham mais recordações e mais aspectos interessantes.

Daqui não posso deixar de referir o insólito de termos a Emma Bonino a 'selar' o aperto de mão entre dois "cadáveres adiados". Naquela altura já lhe tinham sido enviados os 'avisos', eles é que ainda não os tinham recebido...

Por outro lado também serve para pensar no que valem essas ocasiões de 'cumprimentos para a foto'. Estou a lembrar-me do que já vi sobre o convívio do Kadafi com aqueles que promoveram a sua execução, o mesmo com o Saddam, e também já vi fotos de confraternizações do Kerry com o sírio Assad....

Abraços
Hélder S.