domingo, 22 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço

1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:


O PÓS-GUINÉ 65/67

8 - A MINHA CICATRIZ RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL

(CONTINUAÇÃO DO BALANÇO)

Chegado à Guiné, cedo me apercebi (em Setembro de 1965) d'alguns diferentes usos e costumes.
E propus-me vir a praticar aquela religião que permitia que um homem pudesse comprar qualquer mulher e até porque o preço, não me parecia exagerado. Dessa forma não trabalharia mais porque teria as escravas a fazer tudo.

Na verdade, mil e quinhentos e uma vaca estavam bem dentro das minhas posses, pois se bem m'alembro o pré do furriel que fui, andava à volta de três mil e quatrocentos pesos e vacas tuberculosas era pr'ali o que não faltava na mata. Era-me estranho, mas até invejava o macho a descansar à sombra, deitado na sua rede presa entre duas palmeiras e controlando as sete.
Umas apanhando o arroz... outras, arando com aqueles primitivos aparelhos... uma ou outra lavando... outras colhendo alguns tomates que iam nascendo sem serem semeados, mais algumas bananas ou caju (que delicioso e refrescante este sabia, caraças !!! pegava-se-lhe pela castanha... trincava-se... chupava-se tendo todavia o cuidado de não engolir o fruto)... e tudo enquanto o dono mascava a sua noz de cola, tomava o seu vinho de palma... ao mesmo tempo que ia arengando com todas elas.

Tratavam-se de tradições estranhas embora na Metrópole, também as pobres mulheres, estivessem sob o jugo do marido, poucas trabalhavam fora de casa, (tinham a missão espantosa de criar e educar os filhos) e até precisassem da sua, dele marido, autorização para se deslocarem ali ao lado a Badajoz onde iam comprar o café, as gasosas e as meias de nylon. Em boa verdade alguns, nanja eu puritano que continuo, até iam fazendo das suas, mas a esposa verdadeira só podia ser uma e mais nenhuma, o que era desprestigiante para as outras nunca assumidas, embora andassem na boca suja dos maldizentes. Contudo todos fechavam os olhos e até se aprovavam as aventuras de qualquer vangloriante garanhão de raça Lusitana. E quando digo... "puritano que continuo" mas que poderia ter deixado de o ser, pois que e dadas as minhas, popularidade e simpatia, resultantes do facto de ser o vocalista do Conjunto Sôr-Ritmo... com boa voz... boa presença e quiçá beleza... ou seja só me faltava a auréola, porque admiradoras não me faltavam "nã sinhor".

De todo o modo, eu até achei, em Mansabá, onde fui confrontado com a situação em causa, que estava certo comprá-las e mantê-las. Sim porque o facto de as ter adquirido, também lhes dava a responsabilidade de as sustentar senão o vendedor poderia exigir a devolução do bem transaccionado... Convenhamos que dar a papa biandense a sete mais os filhos que iam aparecendo, não era nada fácil.


Disse no inicio que me propus etc, etc, e por isso houve que estudar como "religiãonizar-me" mas... se aceites as duas condições qu'abaixo descrevo:
Após demoradas pesquisas, cansativas noites mórbidas, pensamentos enviesados, cheguei à que penso bem elaborada e pior brilhante conclusão final: lá ter sete esposas, tudo bem, mas eu ter de alimentá-las não queria. Daí que só aceitaria se numa primeira fase se acabasse com essa mordomia e qu'elas que adultas são, se desenrascassem.
Numa segunda fase impor-lhes-ia a contribuição de vinte por cento dos ganhos que tivessem e fosse lá da forma como o conseguissem. Afinal adaptando o sistema deles, ao nosso Ocidental, onde já existia uma classe bem posicionada na vida e conhecida por chulos.


JUNHO DE 1967

Acabadinho de regressar e já com as "sódadinhas" iguais às d'agora e porque antes não tinha tido tempo... porque me não apetecera... porque andar na borga era bem mais divertido... porque o que eu queria era ser 1.º trompete lá na Banda Filarmónica da Ponte de Sôr, não estudei o suficiente, na idade própria para tal, mas trabalhei desde os 10 anos, ora bem!!!
Dado que permitiam aos militares no activo e aos regressados, fazer exames liceais em qualquer altura, desde que houvessem passado 60 dias após o último exame, entendi que devia completar o 5.º ano Liceal, Secção de Ciências... qu'a de Letras já tinha e tal impunha-se até para poder subir, através de concursos, na função pública.

Foi canja e em Dezembro desse ano estava feito. Para além da obrigatoriedade de pagar trinta escudos para a Mocidade Portuguesa, os dirigentes dessa e porque eu até sabia escrever à máquina Remington teclado AZERT, pediram-me para ser o elemento que contactaria com outros grupos congéneres, no sentido de se organizarem alguns convívios, com jogos à mistura quer fossem de futebol, ou outro desporto com bola. Para além do mais poderia dar também umas dicas aos moços, sobre alguns aspectos com que eles mesmos um dia se iriam confrontar, se mobilizados.

Ali numa terra perto e tal como eu, havia uma rapaz a procurar saber mais (e que por isso também andava a estudar à noite) e que fora o indigitado para ser o impulsionador do desporto, tal como me acontecera.

Convém acrescentar e elucidar, que qualquer correspondência trocada entre organismos públicos, terminava sempre assim: A BEM DA NAÇÃO.. e por baixo a função de quem escrevia, ou seja "O Chefe (disto ou daquilo) ou o Director, etc etc.
Ora a determinada altura recebi um convite em papel timbrado, onde convidavam o nosso grupo para um jogo, almoçarado antes, e a realizar daí a 15 dias.
Tudo bem... falei com o verdadeiro Cmdt de Bandeira lá do sítio, anuímos mas ri... ri muito. É que o ofício terminava:
"A BEM DA NAÇÃO"
O barbeiro cá da terra.

 (continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12046: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (7): A saga do corte umbilical

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