terça-feira, 26 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12344: Blogpoesia (360): Quatro Baladas de Berlim, inéditas, com sons e cores de outono (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

1. Mais 4 baladas  de Berlim, inéditas, de uma seleção  de textos poéticos que o o nosso camarada e amigo J.L. Mendes Gomes [ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado] nos envia todos os dias, a diferentes horas do dia...

[Foto do poeta, à esquerda, em Berlim, com 2 dos netos: ele lançou recentemente o seu 1º livro de poesia, "Baladas de Berlim" (Lisboa: Chiado Editora, 2013, 229 pp., Coleção Prazeres Poéticos, preço de capa: 15 €) ].


(i) As libelinhas...

Há quem deteste as libelinhas...
Sentem pavor, se uma só se abeira.
Agora, imaginem-se num descampado.
Há um avião de caça,
Teatro de guerra,
Com o prego a fundo,
Direitinho a si...

Se não se morrer de susto,
Não há quem escape...
Falo, por experiência própria...

Foi na Guiné.

Ainda aqui estou.
E cada vez mais gosto das libelinhas!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013, 22h26m

[Foto acima, à direita: um heli AL III, Bambadinca, c. 1970; créditos fotográficos: Humberto Reis]


(ii) Se calhar, vai cair neve...

Está tudo a postos.
O chão estiolado,
Estendido ao comprido,

Sem cor.

As árvores ao ar,
De braços abertos rezando,
Despidas das folhas.
As folhas mortas,
Jazidas na terra
Juntam-se aos montes,
Nas bermas da estrada.
Como quem espera a carrada.

Os telhados tristonhos,
De abas caídas,
Vêem-se sozinhos,
Sem pombas, nem andorinhas
Aos pares.

E os caminhos estragados
Pelos golpes da chuva,
Sangram de dor.
Esperando algodão que os sare.

Parece a hora da morte.
Que tudo acabou.
O céu anda cansado e tristonho,
Saudoso de luz.

Meus netos, já irrequietos,
Impacientes,
Se voltaram para mim:
 
 Avô! Quanto é que vem a neve
Para a gente brincar?...


Porque sou homem de palavra e de fé,
Com firmeza lhes digo: 
Tenham mais um pouco de paciência!...
O Menino Jesus está quase a chegar...


Ouvindo Hélène Grimaud,
Berlim, 24 de Novembro de 2013, 7h53

[Acima: imagem que ilustrava areograma natalício, editado e distribuído no TO da Guiné, pelo Movimento Nacional Feminino. s/d.  Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[ Foto à esquerda: Mãe e filha, com António Teixeira (1948-2013), em Bedanda, c. 1972/73.  Foto do nosso saudoso Tony Teixeira, que se despediu hoje da "terra da alegria"...]



(iii) Negra e só nas terras d’África...


Tinha tranças pretas
Aquela moça morena,
De olhos tristes.

Viu-o partir,
Banhada em lágrimas.
Bendita a guerra que o fez chegar.

Durante dois anos,
Que feliz foi...

Um príncipe encantado,
Que se enamorou dela
E a fez sonhar.

Tantas noites belas,
Na tabanca em festa,
Mesmo de colmo,
Uma fogueira a arder,

Com batuque,
Em chama.
À luz do luar.

No seu ventre de amor,
Nasceu-lhe um tesouro.
Seria moreno,
De olhos azuis.
Um rosto de cor,
Entre o branco e o negro.
Um botão a abrir,
Em primavera em flor.

Foi o fim da guerra
Que o fez partir,
Jurando promessas
De um dia voltar...

Cruel força do destino,
Tão fatal em os prender...
Como de cego em os separar!...


Que será feito dela
E do fruto do seu amor?..

Não há nada no mundo,
Nem de dia,
Nem de noite,
Que os faça esquecer.


Ele, longe, no fim do mundo,
E ela, negra,
Nas terras d’África...

Berlim, 23 de Novembro de 2013, 15h2m

[Foto à esquerda:  grupo de oficiais no bar Tombali,  em Catió, c. 1964/66; um deles, assinalado com um círculo a vermelho, é o 'palmeirim' J.L. Mendes Gomes; foto do autor]


(iv) Molho de chaves...


Tenho um molho de chaves,
Religiosamente guardado,
Desde os meus verdes anos.
Desde a altura
Em que me senti entregue a mim.
Nos anos de 52...

A primeira foi da mala,
Onde transportei meu enxoval,
Quando entrei no seminário.

Mala em pinho,
De encomenda,
Ao carpinteiro amigo
Do meu Pai.
Em ferro forjado.
Uma verdadeira miniatura,
Que a ferrugem come,
Da chave duma casa.

Depois, a da mala de cartão castanho.
Muito minúscula.
Pareceria agora um brinco...
Onde trazia a roupa e livros,
Quando vinha e ia no fim das férias.

A terceira, deu-ma a tropa.
Era singela...
Para um saco em pano,
Em manga d’alpaca,
Até à hora solene
Em que me vi oficial.

Mais fidalga...
Luzia a prata.
Viajava em primeira,
Nos comboios
E no paquete
Que me levou,
Num camarote,
Até ao Funchal.

E dali, até à Guiné...
Muito velhinha,
Só ela sabe o que lá passei...

Depois, a do quarto,
Como dum armário,
Em Lisboa,
Que eu tirei à dona,
Onde fui hóspede,
Até casar.

Fui saltitão,
De casa em casa,
Até assentar.
Do sul ao norte,
Terão sido sete
As casas onde eu vivi,
E criei os filhos.

Agora, em Berlim,
Onde me trouxe o vento...
Que grande molho!
Com tantas histórias...
Até à derradeira,
Parecerá de oiro...
Que me levará para a cova...

Berlim, 19 de Novembro de 2013, 16h7m

© Joaquim Luís Mendes Gomes. Todos os direitos reservados

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 14 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)

6 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Joaquim

Gostei de todos os quatro poemas.

Não é preciso grande esforço para os ler e entender.
No entanto, no último, embora seja verdade que todos caminhamos para a 'viagem final' (e disso temos tido 'notícias' quase todos os dias) pareces dar um tom 'conformado' à espera de 'chave dourada'.
Vamos lá a 'arribar'!

Vai escrevendo, amigo.
Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Joaquim Luís Fernandes

Caros camarigos

A leitura do belo poema "Negra e só nas terras d'África", do nosso amigo e poeta Joaquim Luís M. Gomes, e contemplando a foto que o ilustra, do nosso malogrado camarada António Teixeira, que hoje nos deixou, deixa-me com sentimentos de desconcertante inquietude, a par de um encanto indescritível.

- Um poema de amor, transparente,sereno, naturalmente feliz, mesmo na dor e nas lágrimas; .../"Viu-o partir, banhada em lágrimas. Bendita a guerra que o fez chegar".- Ou quando a grandeza do amor, feita entrega sem limites,tudo justifica, tudo perdoa e tudo vale por um momento de felicidade.

- Não conheço o enquadramento e as circunstancias da foto, só sinto que com o poema como "legenda" se torna um quadro amoroso de grande força e beleza;- A serenidade e confiança da bela mulher e mãe, que mesmo com o seu olhar distante transmite felicidade, a irrequietude da criança que com o seu olhar quer agarrar o mundo, o sorriso aberto do nosso camarada António Teixeira, a transparecer bondade, mas também ousadia e franqueza.

- O poema e a foto se complementam na mensagem.
Não sei se o poeta se inspirou na foto, ou se foi uma escolha feliz do editor do post (?)
Muitos parabéns ao amigo Joaquim Luís pelos poemas e ao editor pelo post. Gostei muito.

Mas fico pensativo, contemplativo, interpelado pelo poema e pela foto nas circunstancias deste dia.
- Como são surpreendentes os caminhos e os passos dos homens?!...Tanto encontro, tanto desencontro?!... Tanto na alegria como na dor nada sabemos, nada controlamos senão em esporádicos e fugazes momentos. Somos capazes de grandes feitos, mas tão limitados, inconstantes e irresponsáveis. Grande e Absoluto só o Mistério de Deus.

Rogo ao Senhor da Misericórdia Infinita, para o nosso camarada António Teixeira, que partiu, a eternidade na Paz e na Alegria da Luz Celestial.
Para a família em sofrimento o conforto da amizade e da solidariedade na sua dor.

Um abraço fraterno para todos.
JLFernandes

Luís Graça disse...

Joaquim Fernandes:

Obrigado, em meu nome, como editor, e em nome do J.L. Mendes Gomes, o autor, pelas tuas "notas de leituira", o teu apreço e o teu incentivo... O mesmo direi em relação ao comentário do Helder Sousa.

O nosso camarada Mendes Gomes, na sua varanda inspiradora em Berlim, donde vê o mundo e regressa ao passado, vai ficar ainda mais motivado para escrever sobre o nosso tempo guineense.

Quanto à foto, nem tem qualquer relação imediata com o poema. Infelizmente, o Tony Teixeira e o Mendes Gomes nunca se conheceram. Eu, como editor, quis apenas fazer uma homenagem a um camarada que partia para a sua última viagem e que, como fotógrafo, em Bedanda foi sensível à beleza da gente africana, com destaque para as mulheres e as crianças.

Mas prometo usar mais a imagem para "complementar" a nossa "blogpoesia".

Um abraço. Luis

Anónimo disse...

Aos caros amigos que me disseram palavras tão bonitas...e que me alimentam...eu agradeço do fundo do coração.

Ao Luís, fico sempre espantado com a sua delicadeza e atenção de "pai" estremoso,( do blogue") pelas quatro baladas tão bem escolhidas...no momento exacto e enriquecidas com suas fotos, eu agradeço.

Só estava à espera de mais alguns ...para agradecer a todos...
Ousando quebrar as regras do sigilo epistolar...deixo aqui as palavras que escrevi para o Luís, em resposta ao seu mail amável:


Olá Luuís
Cá está um dos gestos de alto quilate...próprio de ti...Eu li como sempre com muito gosto os lindos comentários sobre as baladas que tu escolheste...tão bem escolhidas...também me comove a tua solicitude em fazê-lo, como se eu fosse tu...Estava só à espera de mais uns dias, para agradecer a todos...Um grande abraço, daqui, Berlim, gelada...
Joaquim

Anónimo disse...

Aos caros amigos que me disseram palavras tão bonitas...e que me alimentam...eu agradeço do fundo do coração.

Ao Luís, fico sempre espantado com a sua delicadeza e atenção de "pai" estremoso,( do blogue") pelas quatro baladas tão bem escolhidas...no momento exacto e enriquecidas com suas fotos, eu agradeço.

Só estava à espera de mais alguns ...para agradecer a todos...
Ousando quebrar as regras do sigilo epistolar...deixo aqui as palavras que escrevi para o Luís, em resposta ao seu mail amável:


Olá Luuís
Cá está um dos gestos de alto quilate...próprio de ti...Eu li como sempre com muito gosto os lindos comentários sobre as baladas que tu escolheste...tão bem escolhidas...também me comove a tua solicitude em fazê-lo, como se eu fosse tu...Estava só à espera de mais uns dias, para agradecer a todos...Um grande abraço, daqui, Berlim, gelada...
Joaquim

Anónimo disse...

mais uma vez..meti os pés pelas mãos...

Joaquim