sábado, 14 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12446: Bom ou mau tempo na bolanha (39): Uma simples comparação (Tony Borié)

Trigésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


O Tony, ainda era madrugada, naquele silêncio profundo, que algumas têm em lugares sem muito movimento, abriu o computador, e à sorte deparou com um resumo do que foi a África, muitos anos atrás.
Vinha lá mais ou menos assim em determinada página de uma enciclopédia inglesa.
Tudo começou por volta de 1517. A troca de escravos começou a ser um bom negócio para alguns países da Europa, pelo menos três. Nos séculos dezassete e dezoito, esses países da Europa, (o Tony, não os menciona), criaram-se diversas companhias, que não eram mais do que representantes de alguns governos, (o Tony continua a não nomear), que tomaram conta do negócio de escravos, e era muito simples pois os “chefes” de tribos africanas, principalmente em oeste de África, portanto na costa atlântica, colaboravam, a troco de armas de guerra, licores variados, têxteis de algodão, utensílios em metal e outras bijutarias.


Chamavam-lhe a “primeira perna, de um triângulo de negócio de escravos”, e continuava a ser simples, capturavam as pessoas nas suas aldeias, juntavam-nas em locais junto à costa atlântica, e embarcavam-nas, atravessando o Atlântico, com destino ao “Novo Mundo”, onde alguns, quando encontravam uma oportunidade para se libertar, se atiravam ao mar, em pleno Atlântico, a essa travessia, se chamava a “segunda perna, de um triângulo de negócio de escravos”. A “terceira perna, de um triângulo de negócio de escravos”, era quando chegavam ao Novo Mundo, eram vendidos em hasta pública, para diversas plantações de algodão, tabaco e açúcar. Depois conta a história de alguns países, que deixaram de receber escravos, e começaram a fazer pressão em outros países, para pararem com este negócio, sujo e miserável.


O Tony, longe entrar em comparações, lembra-se, que quando jovem, também vivia alegre, na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, e era um “puto” feliz, conhecia todos os vizinhos, com quem convivia, e que nessa altura feliz da sua vida lhe chamavam-lhe To d’Agar, de onde foi “arrancado”, com a colaboração das autoridades locais, pois de outro modo era única e simplesmente preso, dado como desertor, enxovalhado perante toda a comunidade onde vivia, portanto a todo este processo podia-se chamar a “primeira perna de um triângulo de um negócio, que não sabia se era de escravos”. Juntaram-no a muitos jovens da sua idade, trouxeram-no para a costa do Atlântico, que era a capital, embarcaram-no num porão, sujo, sem qualquer ventilação, acantonado com outros jovens que eram livres nas suas aldeias, de um barco que tinha um nome de uma empresa, mas trabalhava para o Estado, viajou no Atlântico, portanto era a “segunda perna, de um triângulo do negócio, que não sabia se era de escravos”. Desembarcaram-no em África, e a partir daí, não foi mais ele, até lhe trocaram o nome, pois passou a chamarem- lhe “Cifra”, e sempre teve que obedecer a ordens e regulamentos, pois de outro modo era única e simplesmente preso. Portanto seria a “terceira perna de um triângulo, que não sabia se era de escravos”, mas na verdade, embora lhe pagassem um ordenado, que nem para lavar a roupa e alguma bebida e cigarros dava, pois como primeiro cabo, recebia, se não estava enganado 465 escudos mensais, isto em 1964/66. Se algum antigo combatente, souber exactamente o ordenado certo, por favor digam, e ainda deixava metade, para a família em Portugal. Foi “escravo” durante dois anos, mas como o tempo era outro conseguiu fugir, libertar-se, tirar as “algemas”, que era a farda com que andava vestido, para ser reconhecido, não vá ter alguma ideia de querer ser livre, e fugir, ir “no mato”, talvez para dentro de alguma bolanha, portanto, na verdade não era livre, só o foi, mas com algumas restrições, ao fim desses dois anos, e no seu caso continuou a ser perseguido, onde o tal estado que o fez “escravo”, lhe fez a “vida negra”, até emigrar.

Tony Borie, 2013
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12406: Bom ou mau tempo na bolanha (38): Um silêncio abandonado (Tony Borié)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Ai Tony, Tony....

Vê lá onde as insónias, o silêncio profundo da madrugada, te levaram...

Está visto que o Tó d'Agar nunca se sentiu muito feliz na sua 'aventura africana'... estará certo, mas olha que também foi por isso que, pelo menos em certa medida, se pode dizer que cresceu, libertou e encontrou o caminho, duro, mas realizado e de que agora, descansado, nos vai dando conta com tanta tranquilidade e tanto agrado.

Devo dizer-te que apreciei a forma interessante como 'assimilaste' a leitura do "triângulo atlântico" e como produziste os paralelismos que encaixaram na 'visão' do "Tó d'Agar, Cifra, Tony".

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Em 74

Um alf.mil...8.500$00

Um furriel mil...5.500$00

Um 1.º cabo...1.400$00

Um soldado...950$00

Os meus soldados guineenses por serem quase todos "desaranchados" ..1.200#00.

Se bem me lembro..já agora..cada munição de G3..custava 7$50..e cada tiro de obus 14 rondava os 2.500$0.

Um alfa bravo

C.Martins