domingo, 22 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12485: Manuscrito(s) (Luís Graça) (15): A minha quadra... natalícia: Q'remos pedir este ano / À Troika e ao Pai Natal / Que volte a ser soberano / O nosso querido Portugal



Candoz > 30 de março de 2013 > O vedor do futuro

Foto: © Luís Graça  (2013). Todos os direitos reservados


Por mor da nossa saúde

Luís Graça

Por mor da nossa saúde.
Por mor da saúde de todos nós.
Por mor da boa governação da coisa pública.
Por mor da nossa memória futura.

Por mor dos que, amiúde,
perdem os trilhos do futuro.
Por mor dos vindouros e dos perdedores.
Por mor dos historiadores
que escreverão a história dos vencidos em nome dos vencedores.
Por mor dos que vierem depois  de eu fechar a porta.
Por mor dos guardiões das Torres, 

do Tombo, Eiffel e Babel.
Por mor de quem de direito.
Por mor dos pagantes. 

E dos não-pagantes.
Por mor dos atores e dos espetadores.
Por mor dos marginais-secantes.
Por mor do mercado e da bolsa de Lisboa
e da casa forte do Banco de Portugal.
Por mor do meu querido Portugal SA
que não quer dizer Portugal Sociedade Anal.
Por mor dos loucos e dos menos loucos.
Por mor dos poetas  que têm um pouco de gestores.
E dos gestores  que têm um pouco de médicos.
Mas também dos médicos  que têm um pouco de loucos.
Por mor dos econometristas
que gostariam de governar o mundo.
Este mundo e até o outro.
Sem esquecer os políticos
que gostariam de mandar nos econometristas,
mos gestores, nos médicos e nos doentese até nos loucos

Só não mandam nos loucos,
porque esses não têm cabresto.
Por mor daqueles dos políticos  que falam em nome do povo.
E daqueles que gostariam de mandar no povo.

E sobretudo dos que evocam o nome do povo em vão.
Por mor do povo de esquerda, de centro e de direita:
abaixo a unicidade nacional!
Por mor dos da lista de espera  que desesperam de esperar.
Por mor dos que vão morrer esta noite nos Hospitais SA,

e nos Hospitais EPE
e nos Hospitais PPP.
Por mor dos que foram hoje
ao serviço de atendimento permanente do meu centro de saúde
e que deram com a porta na cara.
Por mor dos cirurgiões que afiam a faca
à espera dos da lista de espera.
Por mor dos doentes agudos. 

E dos doentes crónicos.
E dos hipocondríacos. 

E dos doentes da saúde.
E dos utentes da indústria da doença.
Por mor da saúde doente e das doenças saudáveis.
Por mor da saúde finalmente emprezarializada.
Por mor das vítimas da guerra, dos terramotos, dos tsunamis,
da fome, da peste... e do bispo da nossa terra,
de que Deus nos livre!
Por mor dos simples, dos utentes, dos pacientes, dos clientes,
dos beneficiários das misericórdias, 

dos misericordiosos e das crianças.
Por mor das catorze obras de misericórdia,
sete espirituais e outras tantas corporais.
Por mor dos meus (con)cidadãos, 

os ex-remediados e os novos ricos.
Por mor dos pobres, dos tristes,
dos descrentes, dos desempregados,
dos velhos, dos sós, dos esquecidos
e dos desconsolados.
Sobretudo dos desconsolados...

Da minha rua, do meu bairro, da minha cidade, do meu país.
Sem esquecer os apátridas
e os que perderam a identidade.
Por mor daqueles de quem um dia se disse
que eram os bem-aventurados
porque deles seria o reino dos céus, amen.

Por mor do meu fornecedor da revista Cais
no semáforo da esquina da rua
da Alegria com a avenida da Liberdade.
Por mor da minha médica de família
que contava os dias que lhe faltavam para a aposentação.
Por mor do médico do aposento ao lado
que se enganou no curso que queria tirar
e que está a atender os senhores da propaganda médica.
Por mor do boticário do meu bairro.
Por mor do meu barbeiro-sangrador.
Por mor de mim e de ti, meu amor.
Por mor do meu psicanalista, do meu psicoterapeuta,
do meu confessor e do meu curandeiro.
Por mor do meu médico do trabalho
e do meu técnico de higiene e segurança do trabalho.
Por mor do ergonomista que está a desenhar
o sistema técnico e organizacional de trabalho

que nunca hei-de chegar a ter.
Por mor dos habitantes da minha casa inteligente do futuro,

se houver futuro.
Por mor da minha cartomante preferida.
Por mor de ti, feiticeira.
Por mor dos mais distraídos.
Dos votantes. Das debutantes. Dos amantes.
Por mor do meu patrão.
Para que Deus lhe conserve a saúde e a riqueza.
E lhe aumente o empreendedorismo
e a capacidade de inovação.

e de exportação.
Por mor dos meus dinossauros de estimação.
Por mor dos médicos da noite. 

Dos médicos na noite.
Por mor dos mercadores de sonho
que trazem com eles a peste onírica e bubónica.
Por mor do meu rico seguro contra todos os riscos.
Por mor do Estado, cada vez menos Estado e pior Estado.
Por mor dos contínuos, porteiros e seguranças do Estado.
Mais os cobradores de impostos.
E os pagadores de promessas.
E os guarda-costas das figuras de Estado.
Por mor do Estado de todos nós,
Sem pompa nem circunstância.
Por mor da nossa jovem democracia, mil vezes violada.
Por mor dos gestores e administradores dos serviços de saúde.
Por mor dos que passam as noites e os dias a pensar
na reforma do serviço nacional de saúde.
Por mor dos reformadores de sistemas.
De todos os reformadores. 

E das vítimas das reformas.
Dos reformados e aposentados.
Dos humilhados e ofendidos. 

Das viúvas e dos órfãos.
Por mor da nossa frágil saúde. 

E dos vírus que hão-de vir.
E do mal gálico.
E do mal italiano.

E do mal alemão.
E do mal espanhol.
E do mal americano.
E do mal chinês.
E do mal português.
E do Ribeiro Sanches
que curava os males de amor na Rússia Imperial.
O amor em carne viva.
Por mor das doenças emergentes e reemergentes
com que nos querem matar.
Por mor das galinhas e da gripe dos comedores de galinhas.
Por mor do virus da gripe das aves do céu.
Por mor dos codificadores
de grupos de dignósticos homogéneos de doença.
Por mor dos marcadores biológicos do Homo Sapiens Sapiens.
E sobretudo dos grandes arquitetos do genoma humano.
Por mor do meu antepassado troglodita
que era recolector-caçador
e que quando almoçava nunca sabia
onde e o que é que iria jantar.
Por mor do meu professor de economia
que me lembra que não há almoços grátis.
Nem entradas grátis no céu, no purgatório ou no inferno.
Que cá se fazem, cá se pagam.
Por mor dos atuais e futuros ministros da saúde.
Por mor dos ministros do futuro.
Por mor da utopia do futuro sem ministros.
E até dos ministros sem futuro.
Por mor dos servidores do povo,
Para que nunca esqueçam que ministro
Vem do latim minus, pequeno, humilde servidor
Para que os deuses iluminem os nossos governantes
E os pescadores que andam perdidos no mar alto.
E os pecadores dos sete pecados mortais.

E os que calvagam ondas gigantes.
Por mor dos nossos governantes e dos seus governados.

Por mor dos escravos do passado 
e dos autómatos do futuro.
Por mor da nossa classe (mal pensante e pior) dirigente.
Para que o canto e o voo dos pássaros lhes sejam favoráveis.
Por mor do Zé Portuga. 

Do Zé, simplesmente.
E para que, eu, poeta, médico e louco me confesse
e nunca perca de vista o essencial.
Por mor da minha terra, Portugal.
Por mor de todos nós,
Como se diz em terras de Entre Douro e Minho.
Por mor de nós
e dos que hão-de vir atrás de nós. 
Por mor da parca e incerta herança que lhes deixamos.



Ah! já me esquecia da quadra... natalícia:

Q'remos pedir este ano
À Troika e ao Pai Natal
Que volte a ser soberano
O nosso querido Portugal.

Madalena, Vila Nova de Gaia, 22/12/2013

______________

Nota do editor:

Ú1timo poste da série > 11 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12428: Manuscrito(s) (Luís Graça) (14): Não há vitórias na guerra... "Uma vitória é um imenso funeral", diz Lao Zi, no "Tao Te Ching", traduzido pelo António Graça de Abreu de quem a nossa Tabanca Grande tem muito orgulho...

7 comentários:

Anónimo disse...

Uma majestosa imprecação dos mortos...uma lapidar e exaustiva ladainha de todos os males que assolaram Portugal...num repente inesperado...um vale de enfermos...desesperados...um canto-chão de impropérios a esta extrema bandalheira!...Em palavras mestras. Lapidares...

Um grande abraço

Joaquim

Anónimo disse...

Subscrevo completamente o comentário do Joaquim.

Acho que não te escapou nada, mas não posso garantir.

Um grande abraço para os dois.

Adriano Moreira

Juvenal Amado disse...

Também estou de pleno acordo com o Joaquim.
Se a recitarmos vezes sem conta como ladainha que é, será que podemos fazer acontecer.

Mas para sempre!!!!!!!

Um abraço

Juvenal Amado disse...

fazer acontecer?

Francisco Baptista disse...

Realmente que grande poema, está lá tudo. Com muitos poemas desta qualidade conseguiamos correr com a troika

Um Bom Natal, um abraço

Francisco Baptista

Joaquim Luís Fernandes disse...

Caros Camarigos

O quadro é negro, mas não é uma fatalidade. Não há-de passar de um episódio da História, quicá necessário, para que o Homem, de cabeça dura e coração de pedra, reconheça e aprecie o essencial da vida, respeite a sua ordem natural e não se perca em ambições desmedidas e estéreis.

Criaram-se e adoraram-se novas potestades, o poder, o dinheiro, a auto-suficiência, o consumo desenfreado do usar e deitar fora, o economicismo, o individualismo, o egoísmo, etc, etc.

Cabe-nos a nós escolher o caminho e fazer o que estiver ao nosso alcance para inverter esta caminhada louca para o abismo, em que Portugal se encontra. Mas não só Portugal, também a Europa e o Ocidente estão a cavar a própria sepultura.

Mas a História tem um sinal Mais. Esta Quadra Natalícia, aponta-nos um rumo: A vida e não a morte. E eu acredito que o bom senso há-de regressar, com ou sem troika, externa ou interna, mas mais com homens responsáveis, do que com autómatos impreparados, sem crer e sem vontade.

Mas a obra é gigantesca e começa em nós, enquanto pessoas singulares e enquanto corpo social; Mas não sabemos o tempo que leva; Talvez o resto da nossa vida, o nosso último combate. Passa pela formação humana, técnica e cientifica,etc, etc. E passa muito mais por novos pensadores, novos filósofos, novos dirigentes políticos bem formados, que conheçam o rumo e respeitem o Homem, a sua dignidade intrínseca, centro e destinatário do verdadeiro desenvolvimento. É obra!...

Eu por mim, confio-me Naquele que tudo pode e sem Ele de pouco valho.
É no Emanuel que o Natal nos traz, que eu coloco a minha Esperança e imploro proteção, para Portugal, para a Guiné, para a Europa, para o Mundo, para Todos os Homens de Boa Vontade.

Um grande abraço para todos.
JLFernandes

Cherno Baldé disse...



”Vos Portugueses, poucos, quanto fortes,
Que o fraco poder vosso nao pesais;
Vos, que a custa de vossas varias mortes
A lei da vida eterna dilatais”.

“Os Lusiadas – canto VII”

Os Homens grandes Fulas, velhos aliados e cumplices traduziram estes versos em: "Sambu ghalen Tubakho, Khabba polle gardanni" com que embalaram as nossas infancias de Resistencia, de mortes e de coragem de homens que queriam um destino diferente para os nossos dois povos e paises.

Um abraco de amizade e de encorajamento.

Cherno Baldé