sábado, 16 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11102: Blogoterapia (223): Agradeço as manifestações de pesar que me foram dirigidas a propósito do falecimento da minha mãe (Carlos Vinhal)

Ano de 1948 > Maria Henriqueta, Carlos pai e Carlos filho.

1. Triângulo desfeito

É assim a vida de (quase) todos os casais. Casamento, nascimento do(s) filho(s), foto oficial de família e inúmeros acontecimentos, bons e maus, para alguns mais maus do que bons, até que a lei da vida (ou da morte) selecciona o supostamente mais fraco deixando ao outro a hipótese de viver mais uns anos.

Decorria o ano de 1981 quando o meu pai faleceu, vítima de insuficiência cardíaca. A minha mãe, então com 58 anos, encarou heroicamente a partida do seu eterno namorado. Dizia-lhe eu, às vezes, por que não refazia a sua vida, mas quem amou um único homem desde os 16 anos jamais conseguiria, mesmo fingindo, viver outro romance.

Sem darmos conta passaram-se 32 anos e de repente a minha mãe está muito velhinha, não só na idade mas também porque o seu estado de saúde físico se começa a debilitar a olhos vistos. Felizmente para mim e para ela o seu estado mental manteve-se praticamente normal até ao último minuto de vida. Ainda no sábado, poucas horas antes de falecer, conversou comigo e com a Dina. Protestou pelas muitas horas passadas no dia anterior na urgência do Pedro Hispano. Quem espera desespera.
Conversamos sobre roupa, sobre o seu estado de saúde e coisas triviais para a ajudar a ocupar o tempo. Até lhe comprei umas meias quentinhas e uns miminhos para durante a semana aconchegar o estômago no intervalo das refeições. Viemos embora ficando ela à mesa a tomar a sua cevadinha quentinha.

Domingo de manhã o telefone tocou, e quando verifiquei que era do Lar, estava longe de imaginar que era para me darem a notícia do seu falecimento*. Talvez eu não "quisesse" ter visto o mais óbvio, a minha mãe estava mesmo no fim.


2. Agradecimento

Tentei agradecer individualmente a cada amigo que de alguma maneira se me dirigiu com as suas condolências, confortando-me nesta hora, muito, mas mesmo muito difícil. Se a algum não agradeci pessoalmente, peço mil desculpas. Fica aqui um agradecimento sincero a todos.

Sei que muita gente não teve conhecimento do falecimento da minha mãe. Outros não puderam comparecer porque era dia de trabalho, havia ponte de carnaval, etc. Sei que mesmo os ausentes estiveram comigo. Muito obrigado também.
Quero ainda deixar aqui um agradecimento muito especial aos camaradas que se deslocaram de mais longe para estarem comigo no momento em que a minha mãe desceu à terra. Por uma questão de ética não vou enunciar nomes, mas os destinatários reconhecem-se neste agradecimento.
Não posso esquecer os de mais perto que me fizeram companhia nos dois dias em que a minha mãe esteve em câmara ardente na Capela do Corpo Santo. Conversaram comigo e ajudaram a minorar a sensação de perda mais sentida naquelas primeiras horas. Nestas alturas se reconhece o valor dos amigos.

Disse-me o Luís que a vida continua, concordo, mas hoje sinto-me muito mais velho.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11085: In Memoriam (137): Maria Henriqueta Esteves Afonso (Valença, 1922 - Leça da Palmeira, Matosinhos, 2013), mãe do nosso querido co-editor Carlos Vinhal... Corpo em câmara ardente na Capela do Corpo Santo, funeral amanhã às 15h para o cemitério nº 1 de Leça da Palmeira

30 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11027: Blogoterapia (222): Agradecendo os vossos mimos, as guloseimas (para a alma), em dia de aniversário com capicua... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P11101: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

1. Mail do Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez, (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), que tem andado um tanto escondido  "escondido" por detrás do poilão da nossa Tabanca Grande:

Viva,  Luís,

Acabei de votar Concordo ( mau grado o secretismo que deve envolver as votações...)

E votei Concordo porquê ?

Fui praxado,e não vi nada de mal nisso, antes pelo contrário.  A praxe serviu para criar nos piriquitos a necessidade de sentirem a dura realidade da guerra, como que um acordar para a mesma mas também para os familiarizar com as dificuldades...

Há duas ou três situações que por muitos anos que viva nunca esquecerei...

Estávamos em sobreposição com a companhia que íamos render a Bissum/Naga,e à noite,na messe ouvíamos um alferes da companhia velha a "contar vantagem" (como diriam os brasileiros...). Era um operacional de truz,no mato tivera inúmeros contactos com o IN...  Os turras tinham-lhe medo pois ia para o mato com galões apensos (ao estilo AB...).

Viríamos a saber depois,  por um seu furriel, que se tratava de um faroleiro que se pisgava do mato sempre que podia...). Pois durante as suas divagações, pousou-lhe um mosquito num braço... Sem sequer fazer menção de o afastar do braço, olhou-o e disse : 
- Mas que falta de respeito é esta ? Com tantos piriquitos e vais escolhar a velhice ? 

Aquilo foi uma espécie de abanão para a consciencialização de que a comissão dele chegara ao fim e a nossa chegaria,ou não...

Outra situação,esta sim, verdadeira praxe, foi o convite formal, feito por um furriel velho, à malta para alinharmos numa tainada de galinha da Índia que ele supostamente teria abatido... Caberia aos piras o pagamento das bebidas...

"Entramos pela madeira dentro",como soe dizer-se,com a massa para as loiras, e fomos presenteados com uma travessa cheia de nacos de ave, besuntada em molho de piripiri e tomate ,para se parecer com a travessa que os furriéis velhos colocaram para eles próprios...

Só que a deles tinha nhec e a nossa abutre... Depois de termos "dado cabo" da nossa parte,disseram-nos então o que acabáramos de comer... Foi uma risada geral...

Fizeram-nos ainda durante as saídas noturnas em que ia uma secção deles, a "vida negra" ao obrigarem a deitar no solo completamente encharcado junto aos palmeirais (eles deitavam-se na parte seca) e passando a palavra afirmavam terem "embrulhado" várias vezes ali... 
- Está a deitar, nem um pio... 

A época das chuvas tinha começado...Quando regressávamos ao quartel,tínhamos a farda completamente enlameada em contraste com a deles... Acabaríamos depois por constatar estarmos pertíssimo do quartel, mas tínhamos dado voltas e mais voltas em irculos fechados, com o deita e levanta, que nos baralhara e amedrontara...
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P11100: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (3): Também praxei "periquitos", em Cufar... (António Graça de Abreu)


1. Reproduzido, com a devida vénia, de Diário da Guiné, do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu.

Cufar, 19 de Agosto de 1973

No meio dos infortúnios quotidianos, a guerra também pode ser divertida. Esta semana tivemos um dia de grande comédia, com uma espectacular encenação e actores de primeira.

Em Cufar existe um pelotão de canhão sem recuo comandado por um alferes de Alpiarça, do meu curso de Mafra, que reencontrei na Amadora e mais tarde em Bissau. São trinta homens que têm por missão defender o aquartelamento com a pequena artilharia de que dispomos. Acabaram agora a comissão e na LDG chegou o pelotão de “periquitos” que os vem substituir. Os alferes, furriéis e soldados da companhia de açoreanos, eu também, resolveram ir esperá-los ao porto grande do Cumbijã e encenar uma espectacular paródia de modo a que os “piras” ao chegar aqui se borrassem de medo.

Montámos segurança ao cais, brutalmente armados, o que nunca é necessário fazer porque no porto o IN não actua. Os “periquitos” desembarcaram sob um assustador aparato bélico e foram postos a caminhar em fila por um, de ambos os lados da estrada que conduz a Cufar, com as armas apontadas para a vegetação e as bolanhas. Conseguimos convencê-los de que o desembarque era perigosíssimo, costumava haver flagelações, já haviam morrido muitos homens naquele quilómetro de estrada o que, na realidade, é uma refinadíssima mentira. A recepção foi medonha, os “periquitos” estavam amedrontados e eu pensei se seria coisa acertada fazer os rapazes passar por tamanhos apertos.

Assumimos personagens que não são as nossas. Um alferes da companhia 4740, já com mais de trinta anos e uma razoável barriga metamorfoseou-se em major, comandante do CAOP 1 e de toda a zona sul da Guiné. O meu coronel, verdadeiro, estava em Bissau por isso foi mais fácil engendrar e montar a cena. Um outro alferes assumiu-se como cabo especialista em minas anti-pessoal e anti-carro que deviam estar espalhadas na estrada porto-Cufar e era necessário desmontar, um soldado com imenso jeito para actor fez de alferes velhinho, comandante do pelotão a substituir, outro soldado interpretou o papel de alferes médico e, chegados a Cufar, deu consulta a uns tantos soldados “piras”, passou-lhes atestados e encheu-os de tintura de iodo e adesivos, o furriel enfermeiro fez de alferes capelão, figura religiosa que não temos cá. Já em Cufar, o alferes “periquito” pediu ao falso capelão que o confessasse.

O meu papel neste filme que se prolongou por umas três horas foi o de cabo atirador guarda-costas e segurança pessoal do alferes acabado de chegar. Andei sempre ao lado dele, a minha G 3 pronta a disparar, uma faca de mato à cinta, às vezes virava a cara e encolhia o riso. Os “periquitos” chegaram a Cufar e foram para a sua caserna, uma tabanca a cair de podre onde colocámos quatro caixões.

Mas alguns dos “piras”começaram a desconfiar, qualquer coisa não batia certo. O alferes do novo pelotão acreditou em tudo até ao fim. Ao jantar, em sua honra e em honra dos seus homens, dissemos-lhe que havia rancho melhorado, arroz com quadrados de marmelada. Sentámo-nos à mesa, veio a comida, o homem engoliu aquilo e quase vomitou. Era altura de voltarmos a ser quem somos, apareceu o capitão da 4740, deu-lhe um abraço e disse-lhe que tudo não havia passado de uma grande brincadeira. Surpreso, o rapaz reagiu bem, riu, mudou por completo de semblante, parecia outro. E jantámos bifes com um ovo estrelado, batata frita e arroz. A sobremesa foi marmelada.

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11096: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral

Guiné 63/74 - P11099: Parabéns a você (536): António Eduardo Carvalho, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 3 e CCAÇ 19 (Guiné, 1970)

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 14 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11093: Parabéns a você (535): Senhora Dona Clara Schwarz faz 98 anos!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11098: In Memoriam (138): Cadi Baldé (c. 1984-2013), mãe da pequena Alicinha do Cantanhez (Luís Graça / Alice Carneiro)


Iemberém, 5 de março de 2010... A Cadi, com a Alicinha, que tinha nascido há mês e meio, a 17 de janeiro


Iemberém, 15 de maio de 2011... A cadi e a Alicinha



Farim do Cantanhez, novembro de 2011



São Domingos, 15 de março de 2012... Já doente, a caminho de Ziguinchor, no Senegal


Bissau,  A Cadi, depois de sair do hospital de Cumura... Debilitada, doente... Aqui com a filhota.


Farim do Cantanhez, 7 de dezembro de 2012... A última foto da Cadi (*)

Fotos: © Pepito (2011/2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L.G.]


Morreu a Cadi


Morreu a Cadi, 
a mãe da Alicinha do Cantanhez... 
Morreu na sua tabanca, 
Farim do Cantanhez,
e vai ser enterrada no quintal do seu pai, Abdu Injai.

A notícia chegou-nos através do António Baldé,

pai da Alicinha,
com a voz embargada pela comoção...
Ele tencionava regressar à Guiné,
dentro em breve, 
à sua casa em Caboxanque,
na margem esquerda do  Rio Cumbijã.
E tinha um sonho,
tornar-se o maior apicultor do Cantanhez.
Ele queria reconstruir a sua vida 
com a Cadi, a sua quarta esposa,
e a Alicinha, a seu lado,
mais o seu filho, rapaz, 
que estuda em Portugal.

Esse sonho desfez-se

pela força do macaréu da morte.
A vida vale pouco, 
e muito menos na Guiné,
mesmo para quem é crente e temente a Deus.

A Cadi apareceu nas nossas vidas,
há cerca de 5 anos,
em Iemberém, em março de 2008.
Era filha de um ex-guerrilheiro nalu, Adbu Indjai, 
inválido de guerra,
que perdeu uma perna lá para os lados do Xitole.
Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda, a Cadi.
Tinha a graça de uma gazela
apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria.


Estava grávida, em março de 2008. 
Soubemos depois que tivera um menino,
a que pôs o nome de Nuno, Nuninho,
por homenagem ao Nuno Rubim e à  Júlia . 

Vida curta, curtíssima,
 a morte o levou aos 4 meses.
Vítima de paludismo
e de falta de cuidados médicos.

... Mais tarde virá a Alicinha.
Em dezembro de 2009, 
o João, por um feliz acaso, encontrou-a, grávida, 
na consulta médica, em Iemberém.
Não sabia que era a mesma miúda 
para quem levava umas roupinhas, 
um telemóvel 
e algum dinheiro, 
lembranças de Portugal...
-Nome do menino ou menina ? 
- Si for menino, será Luís... 
Si for minina, será Alice. 
- Estranho, são os nomes dos meus pais... - 
lá pensou o João, 
para com os botões da sua bata branca...

Mês e meio depois, 
a  17 de Janeiro de 2009
nascia a Alicinha,
robusta e saudável!..
Um hino à vida, 
à esperança!

Bissau é um mau lugar 
para uma jovem mãe e a sua menina, 
uma cidade demasiado palúdica, 
colérica e buliçosa 
para dois seres que merecem 
o direito à vida, ao amor, à felicidade.
Bissau vai matar-te, Cadi!

Depois do nascimento da Alicinha, 
ficou tacitamente assumido
que a Alice de Candoz, 
a Alice Carneiro,
seria a madrinha daquele pequeno ser, 
e que a iria ajudar pela vida fora... 
De tempos a tempos
a madrinha ia recebendo notícias, 
diretamente da mãe, 
ou através do Pepito. 
Por sua vez, ia-lhe mandando pelo correio, 
para a caixa postal da AD,
peças de vestuário, 
calçado 
e brinquedos, 
em caixas até 2 kg, 
de franquia reduzida...

Alice descobre, através do Pepito, 
o pai da Alicinha, o António Baldé, 
a trabalhar, ali para a zona de Cascais, 
como segurança numa empresa de construção civil. 
O Baldé tinha vindo para Portugal 
em 2003 para aprender apicultura.
Mostrou-nos, há tempos, orgulhoso,
o seu diploma de apicultor.
Natural de Contuboel,
serviu quase 6 anos
o exército dos tugas.

Não conhece a filha,
fala com ela,
ao telefone.
A Cadi mostrava-lhe fotos do pai.
E o Baldé, de 67 anos, feliz, 
mesmo desempregado, 
encheu a casa de fotos
da Alicinha e da Cadi.
Seriam o seu amparo na velhice.

A tímida gazela nalu já não salta 
pela orla da bolanha de Caboxanque.
Nem alegra, com a sua graciosidade,
as ruas de Iemberém,
com a Alicinha às costas.
Um manto de silêncio cobre Farim do Cantanhez
e as suas matas em redor.
Morreu a Cadi, 
morreu a Cadi,
sussurra o dari.

Alfragide
Luis Graça  & Alice Carneiro, 15 de fevereiro de 2013
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Nota do editor:

(*) Postes relacionados com a Cadi e a Alicinha do Cantanhez

3 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)



5 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7727: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (3): 9 e 10/12/2009, em busca do dari (chimpanzé), em Farim e Madina do Cantanhez...

19 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7816: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (4): 10/12/2009, último dia de consultas em Iemberém e viagem de regresso (10 horas!) a Bissau

11 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8361: Notícias do nossos amigos da AD - Bissau (18): No Dia Mundial da Criança, pensando na Alicinha do Cantanhez e em todas as crianças do mundo (Alice de Lisboa) 


(...) Falando nas visitas ….. a Cadi, mãe da Alicinha,  afilhada da Alice Carneiro, veio visitar-me. É tão bonita e elegante a Cadi! Como aliás muitas das mulheres guineenses. E que bem que se vestem, muitas vezes até quando andam a trabalhar mas sobretudo quando saem da sua tabaca e em dias de festa.

A Cadi já fala razoavelmente português. O seu marido [, António Baldé, fula de Contuboel, com casa em Caboxanque, futuro apicultor,] está em Lisboa e há 2 anos que não vem cá. Ela mora em Farim de Cantanhez, uma tabanca que fica aqui a uns 10 km. É uma pena ela não viver em Iemberém, poderia ajudá-la a preparar-se para ir para Portugal ter com o seu marido. Mas o mais preocupante é que ela anda doente. Diz-me que sente calor na barriga, diz-me que é do estômago, que tem a tensão baixa mas …. não vomita, quis comer pão com queijo. Depois ouvi-a tossir e fiquei a pensar se não será algum problema pulmonar. Ela veio hoje a Iemberém, a pé, para tentar arranjar transporte para ir a Bissau ao médico. (...)


6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

(...) Voltemos ainda à minha chegada a Iemberém. Como referi, contávamos almoçar aqui mas houve uma mudança de planos. Depois de despejar a minha bagagem na casa que me foi atribuída, seguimos em direcção a Catesse. Passámos em Farim de Cantanhez, tabanca onde vive a Alicinha , que fazia exatamente 2 anos nesse dia. Lá deixei os presentes que a sua madrinha [, a Alice Carneiro, ] tinha enviado e cantei-lhe os parabéns. É linda a pequena Alice, aliás como muitas das mulheres daqui. E vaidosas. É um gosto vê-las arranjadas. (...)

(**) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11085: In Memoriam (137): Maria Henriqueta Esteves Afonso (Valença, 1922 - Leça da Palmeira, Matosinhos, 2013), mãe do nosso querido co-editor Carlos Vinhal... Corpo em câmara ardente na Capela do Corpo Santo, funeral amanhã às 15h para o cemitério nº 1 de Leça da Palmeira

Guiné 63/74 - P11097: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte III): A nossa messe, no Quartel de Baixo, em Nova Lamego, decorada pelo famoso Pechincha, fur mil op esp e desenhador de profissão



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Lendo a revista brasileira "O Cruzeiro", na nossa messe em Nova Lamego, no Quartel de Baixo...Decoração a cargo  furriel mil op esp Pechincha (que depois foi para o QG).

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. (*)

1. Perguntou o Hélder de Sousa, em comentário ao poste P11092:

Caro camarada Abílio Duarte

Na legenda da 2ª foto está escrito "Lendo a revista brasileira "O Cruzeiro", na "nossa messe em Nova Lamego, decorada pelo furriel Pechincha".

Ora bem, quem era 'esse' furriel Pechincha?

A pergunta deve-se a que,  quando cheguei à Guiné, em Novembro de 1970, fiquei alojado num quarto em Santa Luzia ocupado por três furriéis, dois amigos de Vila Franca e o terceiro era um tal Pechincha que tinha feito parte dos quadro duma 'companhia nativa' e que por aquele tempo desempenhava uma função qualquer no QG, na Amura.

Será o mesmo Pechincha? O nome não é assim tão vulgar...

O que eu refiro era, antes da incorporação, e ao que me foi dito, desenhador na Câmara de Lisboa e vivia em Moscavide. (**)

Abraço
Hélder S.

 2. Respondeu o Abílio Duarte na caixa de comentários do mesmo poste,  P11092:

Olá Helder,

É  esse mesmo,  o Pechincha que eu refiro, era o Furriel de Operações Especiais, da Escola de Lamego. Éramos os dois do mesmo pelotão, desde Penafiel até Nova Lamego.

Só que o malandro era desenhador, e quando chegamos ao Gabú, deram-nos o Quartel de Baixo, Como era conhecido na altura. Como aquilo estava abandonado, e não tinha muitas condições, o nosso Capitão desafiou-o a fazer uns desenhos para as casas de banho e outras, para quando fosse a Bissau ir ter com o padrinho dele, que era o Cor Robin de Andrade, para arranjar uma cunha e ter materiais de construção para nós fazermos as obras.

O que aconteceu foi que os desenhos eram tão bons que o Pechinchja foi para Bissau, e nunca mais voltou. Mas os materiais vieram. A seguir souberam que o meu Alf comdte de pelotão era Eng Civil, e foi também para os reordenamentos, e também nunca mais voltou. Nem foram substituídos. Estás a ver o filme, não estás !?,,,

O mais giro desta foto, mas não se consegue ver, é que o Pechincha nos seus desenhos punha os bonecos com frases do Spinola, e a nossa preocupação era,   se aparecesse o Spinola, termos sempre uma brigada pronta para apagar as bocas do Pato Donaldo e companheiros.

É esse Pechincha que conheceste em Bissau, e garanto-te que era um artista, aí lá se era.

Um Abraço.
Abílio Duarte
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11092: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paúnca, 1969/70) (Parte II)

(**) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)


(...) Pois este amigo Pechincha, que era, salvo erro, de Moscavide e trabalhava como desenhador na Câmara Municipal de Lisboa, tinha fama de estar um bocado apanhado e com uma pancada enorme, mas acho que aquilo era mais para ganhar fama e beneficiar dela.

Digo isto porque tive com ele algumas conversas, muito interessante e educativas, que me elucidaram bastante sobre a situação que se vivia e como ele pensava que se iria desenvolver, o que, no essencial, não divergiam muito do que eu pensava.

Mas também não deixava a sua fama por mãos alheias e logo na noite de 11 para 12 de Dezembro fui testemunha privilegiada duma dessas situações.

Nessa noita comemorava-se o S. Martinho. Eu fui portador para os amigos vilafranquenses de alguns quilos de castanhas e de um garrafão de água-pé (por sinal, bem forte!), além de outros mimos. Com um bidão, em frente às camaratas onde os quartos se encontravam, fez-se o assador e então vá de comer chouriços assados, salsichas e castanhas, tudo bem regado com a dita água-pé e outras bebidas estranhas, em grandes misturadas (cerveja, uísque, coca-cola, etc.), tudo a animar uma simulação de uma emissão de rádio protagonizada pelos camaradas das Transmissões com jeito para a coisa, como por exemplo o Furriel Roque.

Com o avançar das horas era tempo de serenar, descansar os corpos e retomar forças para o dia seguinte. Acontece é que, como sempre sucede em situações semelhantes, nem todos estavam pelos ajustes e com a previsão para breve da viagem de regresso do Carvalho Araújo havia alguns, cujos nomes não ficaram registados na minha memória, que integrariam essa viagem final para a peluda, como diziam, e estavam dispostos a prolongar a sua festa, até com atitudes menos próprias e profundamente negativas, principalmente para quem tinha fortes experiências no mato, como seja arremessar as garrafas vazias para cima dos telhados de zinco dos quartos o que, como calculam, a mim ainda não produzia efeito mas para quem já tinha reflexos condicionados era bastante aborrecido.

Ora o nosso bom Pechincha avisou solenemente os meninos que ou paravam imediatamente a graçola ou tinham que se haver com ele à sua maneira. Dada a fama que tinha, que não regulava lá muito bem e que era bem capaz de usar arma, os ânimos serenaram quase de imediato e na generalidade mas, também como sempre sucede, há sempre alguém que procura forçar a sorte e um deles, que também me disseram que estava apanhado (afinal, quem é que não estava?, acho que dependia do grau) resolveu irromper no nosso quarto com uma panela na cabeça e a bater com duas tampas como se fossem pratos duma banda de música.

Entrou, com ar de quem estava muito contente da vida e satisfeito por desafiar as ordens, mas o que eu vi de imediato foi o nosso amigo Pechincha, que estava estendido sobre a sua cama e que era logo a primeira à entrada, estender o braço sobre a cabeceira da cama, agarrar numa espécie de um dos dois machados nativos que estavam lá a enfeitar e sem mais explicações nem argumentos arremessou-o para o intruso, acertando-o na panela que estava na cabeça, deixando-o com o ar mais aparvalhado de perplexidade que vi até hoje, deixar o quarto a tremer e a balbuciar "este gajo está de facto mais apanhado do que eu!". (...)

Guiné 63/74 - P11096: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral






Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Um prisioneiro a embarcar no heli que o há-de levar a Bissau, ao QG. Não consigo, para identificar, quem é, e em que operação foi capturado. Já agora, quem terá sido o piloto e o mecânico deste voo ? Fotos (nº 5, 6 e 7)  do álbum do fur mil reabastecimentos Lopes, membro recente da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Histórias de praxes no em pleno teatro de operações da Guiné ? Claro que as houve! (*)... É o nosso alfero Cabral que o diz, respondendo a um pequena provocação minha:

(i) Luís Graça: E atão o alfero não tem estória cabraliana dessas ditas praxadas fraternais ? ... Fá Mandinga estava no roteiro das praxes, como já vimos com a história do "pira" Fernandes!... Eu próprio assisti a uma "praxe" ao alferes miliciano médico da 1ª CCmds Africanos, quando estava a a chegar a Fá Mandinga... Lembras-te, Jorge ? Estavas lá...nesse fim de tarde. Tu, o Barbosa Henriques...

(ii) Jorge Cabral: Luís Amigo! Já relatei uma praxe na minha estória, "O Hipopótamo,as Formigas e o Prisioneiro"-14/12/2007 (*).

Quanto à praxe do médico em Fá, [que foi praxado à sua chegada à 1ª Companhia de Comandos Africanos], lembro-me muito bem. Era o Drº Vasconcelos,o qual, segundo creio, também foi a Conacri [, no decurso da Op Mar Verde]. J.Cabral

Bom, parece está na altura de revisitar essa "estória cabraliana" publicada aqui há mais de 5 anos atrás (*), mna esperança de que outras, mais frescas, apareçam...

2. Estórias cabralianos > Quando o pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra

por Jorge Cabral


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que,  ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca e, para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros que,  inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos:
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (#), relatei,  com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (##).

Jorge Cabral
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(#) Major Herberto Amaral Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63. Substituiu o major Viriato da Silva.


(##) Ten Cor Jovelino Corte Real, o comandante do BCAÇ 2852, que susbtitiu o ten cor Pimentel Bastos (de alcunha, Pimbas), a quem o Com Chefe 'comprou um par de patins', na sequência do ataque a Bambadinca em 28 de maio de 1969.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11095: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (1) Quem discorda ? Quem concorda ?

(**) Vd. poste de 14 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11095: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (1) Quem discorda ? Quem concorda ?


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCS/BCAÇ 28161 (1969/71) > Finais de outubro de 1970 > Receção aos "piras do BCAÇ 2927.

A equipa de reportagem da RadioTelevisão de Bissorã (RTB) registou o grande momento. Ao volante o Fur Mec Meneses, no lugar do realizador o Fur Trms Gesteiro, o operador de câmara é o 1.º Cabo Trms Carlos Senra. "A velhice saúda os piriquitos!"...Foto do álbum do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf  da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70) (*)

Fotos: © Armando Pires  (2012). Todos os direitos reservados


1.  Tudo começou aqui, com a entrada do João Ruivo Fernandes para Tabanca Grande, e a sua narrativa da "praxe" a que foi submetido no Xime, em dezembro de 1972.  No fim, "paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria" (sic)... Era um dos objetivos da praxe, nomeadamente aos piras, de rendição individual (**).

 Convenhamos que o tema merece um sereno debate, 40, 50, 60 anos depois da nossa passagem pela tropa (que era obrigatória no nosso tempo) e pela praticamente inevitável mobilização para o Ultramar (Índia, Angola, Guiné, Moçambique...). Tudo somado, eram no mínimo três anos das nossas vidas. Dos nossos verdes anos. Cá e lá, havia praxes.
___________________

(i) Vejamos o que é, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

praxe |ch|
(grego prâksis, -eos, acção, transacção, negócio)
s. f.
1. Uso estabelecido. = COSTUME, ROTINA
2. Sistema ou conjunto de formalidades ou normas de conduta. = ETIQUETA, PRAGMÁTICA
3. O mesmo que praxe académica [: conjunto de regras e costumes que governam as relações académicas numa universidade, baseado numa relação hierárquica.

praxar |ch| - Conjugar
(praxe + -ar)

v. tr.
Submeter a praxe, nomeadamente a académica.
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(ii) O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a obra máxima de referência da nossa língua, que reune o trabalho de cerca de 150 especialistas do mundo lusófono, sob a liderança do Instituto Antônio Houaiss,  diz o mesmo que o Priberam, só que com com mais detalhe:

praxe  (vocábulo que entra na nossa língua por volta de 1652), s.f.  > aquilo que habitualmente se faz; costuma, prática, rotina. Ser da praxe: 1. ser hábito,  estar integrado nos costumes; 2. ser a norma, o procedimento correto... Sinónimo: costume. (...)

Etimologia: do grego  prâksis, -eos, acção, execução, realização; empresa, condução de um caso (de guerra, de política);  comércio, negócio, intriga; maneira de agir, de ser, conduta (...)
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Havia praxes na tropa ? E na guerra ? Sim... Quem é que não foi praxado, da Academia Militar à Escola Naval, do Colégio Militar à Escola de Fuzileiros Navais ? Do COM (Curso de Oficiais Milicianos) ao CSM (Curso de Sargentos Milicianos) ? Da recruta à especialidade ? A caminho da Guiné, na travessia do trópico de Câncer, à chegada à Guiné ?... Em que é que consistiam ? Eram práticas violentas e sádicas ou eram só para reinar, para brincar, para desopilar ? Contribuem para "criar espírito de corpo" e ajudar a "integrar o indivíduo" no cenário de guerra ou noutras situações-limite, ou destinavam-se, no fundo, a "destruir a individualidade, o espírito crítico" e, em última análise, reforçar os valores do militarismo, da lógica do comando-controlo, da disciplina cega, etc. ?

Precisam-se, histórias, recordações,  narrativas... de quem foi à guerra, deu e levou... "praxadas".- Entretanto, está a decorrer uma sondagem sobre o tema. Fecha no dia 19. Toda gente pode votar... uma evz. A frase, em relação à qual se pede a concordância ou a discordância é a seguinte: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... Toda a gente foi pira, o início da comissão. E, portanto, tem autoridade para falar do assunto. Para já ficam aqui os primeiros pontos de vista sobre as "praxes militares" (**).


1. João Ruivo Fernandes:

(...) Desembarquei no Xime [, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74] , no dia 7 de Dezembro de 1972, para substituir um Furriel que, segundo informação recebida, tinha falecido numa emboscada, penso que era o Manuel da Rocha Bento.

No próprio dia em que cheguei ao Xime, sem que me apercebesse, fui sujeito a uma "praxe" que, inicialmente, foi violenta mas no final tornou-se engraçada. Puseram-me a comandar o meu pelotão e mandaram-me fazer uma operação no mato, a uma zona muito perigosa. Enfrentei vários problemas, soldados completamente "pirados", outros a não quererem continuar na missão, outros a não obedecerem às minhas ordens, etc. etc. Quando cheguei ao Quartel é que me informaram que tinha sido tudo a fingir. Paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria.


2. António J.Serradas Pereira [, ex-adfl mil, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74]  : 

(...) O Fernandes fez parte do meu grupo de combate, como ele diz, durante dois ou três meses
Foi "praxado" num dia que fomos a Fá Mandiga buscar pedras, não me recordo para quê, onde eu e o Sousa Pinto faziamos de soldados "muito reguilas". (...)


 3. Luís Graça [, foto à esquerda, com o Renato Monteiro, o "homem da piroga"; Contuboel, junho/julho de 1969]: 

(...) Quando cheguei ao BC 6, em Castelo Branco, em janeiro de 1969 fui "praxado", como 1º cabo miliciano... Portanto, já há muito que a malta usava a praxe na tropa... Aliás, a praxe é considerada como fundamental para criar "espírito de corpo" e ajudar a "integrar" os novatos... Sempre ouvi os militares do quadro a defender a praxe (e até a justificar os seus excessos...).

Mas mandar um "pira" para fora do arame farpado no Xime, tem que se lhe diga... Eu tenho as piores recordações do Xime, que foi no meu tempo (1969/71) um autêntico matadouro... No caso do Fernandes, acabou tudo em bem, mas podia ter dado para o torto. Releio a tua descrição:

Mas depois da explicação dada pelo Serradas Pereia, fiquei mais descansado...Afinal, o "local do crime" foi Fá Mandinga, a leste de Bambadinca... Domínios do nosso alfero Cabral, poderoso régulo no meu tempo... Não estava a imaginar o Fernandes, logo á chegada, a ir dar um passeio pela antiga estrada Xime-Ponta do Inglês... De qualquer modo, o Fernandes, com dois meses de Xime, não deve ter ficado com grandes memórias... Espero ao menos que tenham sido boas... Ou, se calhar, não, porque dali foi para o hospital. Enfim, tens que desenvolver esta história... Por acaso, no blogue, não há praxes... mas se calhar devia haver! (...)

4. Henrique Cerqueira [, (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), cfoto à direita]:

As praxes na tropa??? Quanto a mim,  e foi sempre essa a minha opinião, mesmo quando estudante, as praxes na maior das vezes serviram para "rebaixar"o praxado. Na tropa e em especial em Tavira fui de tal maneira e violentamente "praxado" que no miínimo ainda hoje só desejo aos antigos "praxadores", que se já morreram,  que a terra lhes seja pesada; se ainda não morreram,  que alguém se lembre deles e lhes abrevie o tempo...

Caros camaradas da Guiné,  até pode parecer violento o que digo ,mas quanto ao tema praxes,  ainda hoje sinto uma raiva que jamais perdoarei esses individuos. (...)

5. Jorge Cabral [, foto à esquerda, Pel Caç Nat 63, Fá e Missirá, 1969/71]:

Há Praxes e Praxes! Todo o  Periquito chegado ao meu Pelotão, era fraternalmente praxado.
Penso que todos alinharam e assim se integraram na Família.
Alfero-Praxante-Mor, J.Cabral
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Notas do editor:

(...) É destas praxes, destes momentos mais ou menos hilariantes, que cada um, no seu lugar e à sua maneira, preparava para receber condignamente aqueles que os vinham render, que quero dar testemunho nas fotos que se seguem. Peço desde já desculpa por algumas delas não serem “exclusivas”. De facto, algum tempo atrás, o Quim Santos, que pertenceu à CCAÇ 2781, que edita o blog “Guiné-Bissum” , pediu-me uma ou outra fotografia da sua chegada. Mas atrevo-me a oferecê-las ao nosso álbum por nele nunca ter visto semelhante tema retratado. Vamos a isso. (...)

(**) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2013  > Guiné 63/74 - P11090: Tabanca Grande (396): João Ruivo Fernandes, ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494 (Xime, dez 1972 / jan 1973), onde foi praxado... É agora o grã-tabanqueiro nº 605, apadrinhado pelo Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2

Guiné 63/74 - P11094: Memória dos lugares (212): Ilha da Brava, Sotavento, Cabo Verde... Em homenagem a Clara Schwarz (n. 1915, Lisboa) e ao seu saudoso cretcheu Artur Augusto Silva (1912, Brava -1983, Bissau) (João Graça / Luís Graça)









Cabo Verde > Ilha da Brava > 6 de novembro de 2012 > Algumas fotos da ilha onde nasceu o grande poeta Eugénio Tavares (1867-1930)... mas também Artur Augusto Silva (1912-1983), advogado, jurista, estudioso dos usos e costumes dos fulas, mandingas e nalus da Guiné, poeta, contista, pai do nosso amigo Pepito e o grande amor da vida de Clara Schwarz da Silva, que hoje faz 98 anos, sendo a decana da nossa Tabanca Grande... ["Brava é uma ilha e concelho do Sotavento de Cabo Verde. A sua maior povoação é a vila de Nova Sintra. O único concelho da ilha tem cerca de sete mil habitantes. Com 67 km², Brava é a menor das ilhas habitadas de Cabo Verde, e tem uma densidade populacional de 101,49/km². A ilha tem uma escola, um liceu, uma igreja e uma praça, a Praça Eugénio Tavares". Fonte: Wikipédia]

É em homenagem desta grande senhora (, ela própra um monumento à vida,  ao amor, à inteligência e à coragem,) que hoje publicamos fotos recentes da Ilha da Brava, tiradas pelo nosso grã-tabanqueiro João Graça, aquando do Festival Sete Sóis Sete Luas, 20ª edição. Elas estavam aqui prometidas, para este dia, aos nossos amigos Pepito e Clara [, foto à esquerda, em 1947, subindo o Chiado, com o marido, Artur Augusto Silva: foto gentilmente cedida pelo Pepito].

Para além dos laços que nos unem a todos, aqui na Tabanca Grande, a Clara Schwarz dá-nos o privilégio de ser nossa amiga, minha, do  João Graça, da Alice e da Joana. Queremos homenageá-la, neste dia tão especial em que celebra as suas 98 primaveras (!), não só com essas fotos recentes da terra do seu "cretcheu", mas também com  um poema de Eugénio Tavares, "Força de Cretcheu",  talvez "o mais belo poema e a mais bela canção de amor de Eugénio Tavares", na opinião dos especialistas da sua obra, Carlota de Barros e Viriato de Barros)...

[Ouvir aqui uma interpretação deste poema na "voz de ouro" da cantora Gardénia Benrós, artista cabo verdiana que vive nos Estados Unidos...É também a nossa homemagem a todos os "(e)ternos namorados" da Nossa Tabanca Grande, justamente no Dia dos Namorados, e muito em especial a todos as nossas queridas mulheres...][LG].


Força de Cretcheu
por Eugénio Tavares

Ca tem nada nes' vida
mas grande qui amor,
se Deus ca tem medida,
amor inda é maior,
amor inda ê maior
maior que mar, que céu
ma de entre otos cretcheu
di meu inda ê maior

Crecheu más sabe,
É quel que é de meu.
El é que é chabe
Que abrim nha ceu...
Crecheu mas sabe
É quel
Que q'rem...
Se já'n perdel
Morte já bem...

Ó força de cretcheu,
Abri nha asa em flor
Pam pode subi ceu,
Pam bá pidi simenti
De amor coma es di meu,
Pam bem da tudo gente,
Pa tudo conchê céu! 


[Fonte: EugenioTavares.org. Reproduzido com a devida vénia...]

Fotos: © João Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P11093: Parabéns a você (535): Senhora Dona Clara Schwarz faz 98 anos!

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11083: Parabéns a você (534): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11092: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paúnca, 1969/70) (Parte II)


Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > S/l  []Paunca ?] > "Eu, dentro do possível, fazendo psico"



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > Lendo a revista brasileira "O Cruzeiro", na "nossa messe em Nova Lamego, decorada pelo furriel Pechincha".




Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova lamego, Paunca, 1970) > "O obus de Paunca".



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > "Refrescando-me no SPA de Paunca"... [O depósito de água é um bidão de gasolina da SACOR, Bissau]



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > "A nossa cozinha em Paunca".

Fotos (e legendas):  © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paúnca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paúnca, 1969/70) (*).

Esta companhia foi "constituída por soldados de 2ª linha, provenientes da evacuação de Madina do Boé, Cheche e Beli, ao sul do Rio Corubal", de etnia fula, segundo nos explica o Abílio Duarte. Os quadros, metropolitanos foram originalmente os da CART 2479. Em novembro de 1970, passou a designar-se CART 11 e um ano mais tarde CCAÇ 11.

A instrução militar dos futuros soldados da CART 11/CCAÇ 11 foi dada em Contuboel, em simultâneo com os da futura CCAÇ 12 (neste caso, soldados do recrutamento local, originários dos regulados de Badora e Cossé). A instrução básica a estas praças africanas foi dada pelos quadros da CART 2479, de 12 de Março a 24 de Maio. A cerimónia do Juramento de Bandeira realizou-se a 26 de Abril.

Em 2 de junho de 1969, rumámos (eu e o resto da CCAÇ 2590), de Bissau para Contuboel (via Xime, Bambadinca, Bafatá) para dar a instrução de especialidade aos futuros soldados da CCAÇ 12. Recordo-me que os os exercícios finais da instrução de especialidade decorreram entre 6 e 12 de Julho, a 10 km a norte, ainda em farda nº 3 (, Só mais tarde chegariam os camuflados). Tivemos a honra da visita, demorada, do ainda então brigadeiro António de Spínola que se foi inteirar pessoalmente dos progressos da sua "nova força africana".  Aliás, ele visitou-nos mais do que uma vez e foi por sugestão sua que fomos colocados em Bambadinca.

Em 18 de julho de 1969, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 é colocada no setor L1 (Bambadinca). E, por essa altura, a CART 2479/CART 11 ruma mais para leste, ficando em Nova Lamego.

Sobre a CART 2479, há ainda a dizer o seguinte: mobilizada pelo RAL 5, partiu para o TO da Guiné em 18/2/1969.  Foi extinta em 18/1/1970, para dar origem à CART 11. Passou por Contuboel, Bissau, Contuboel, Piche, Nova Lamego e Piche. Comandante: cap mil art Analido Aniceto Martins.

Tudo isto para dizer que estivemos juntos, eu e o Abílio Duarte, em Contuboel, entre 2 de junho e 18 de julho de 1969. Desse tempo, e das minhas relações de amizade, era também o Renato Monteiro,  o famoso "homem da piroga" (que acabou por ser transferido  da CART 2479 para a CART 2520, Xime, 1969).  Foi graças ao nosso blogue que eu reencontrei o Abílio e o Renato... O Abílio é meu vizinho, da Amadora, e foi colega de trabalho, no BNU, do José Carlos Lopes, nosso grã-tabanqueiro nº 604, o fur mil dos reabastecimentos do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). O Renato mora perto do meu local de trabalho, no Lumiar...Como se vê, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! (LG).

PS - Outros quadros da CART 11/CCAÇ 11, de rendição individual, e de épocas posteriores:

Jaime Antunes (de novembro de 1970 a setembro de 1972) + Reis Pires (este, oriundo de Cabo Verde)

Adriano Neto  (de julho de 1972 a dezembro de 1973) + Ribeiro

J. Casimiro Carvalho (Junho/agosto de 1974)

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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Guiiné 634/74 - P11091: (Ex)citações (212): Afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade (J. L. Pio de Abreu, psiquiatra, ex-alf mil med, CCS/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73)


Capa e contracapa do livro de J. L. Pio de Abreu, Como tornar-se doente mental, 18ª ed, Lisboa, Dom Quixote, 2008. (Prémio Città delle Rose, 2006).


“Se não mentir a si próprio, descobrirá que é uma pessoa com limites e deixará de querer ir a todas, como fazem os fóbicos. Também não será dono da verdade nem tão importante como são os paranóicos. Não será o mais perfeito, o que fica para os obsessivos, nem tão brilhante ou poderoso como os histriónicos e psicopatas. Não será uma pessoa muito especial, como os esquizofrénicos, nem um génio, como os maníaco-depressivos. Será apenas uma pessoa comum que aceita os desafios e os paradoxos da vida, faz o possível para, em cada momento, dar o que pode e actuar em conjunto com os outros. No entanto, tem de assumir a responsabilidade completa pelas suas acções. Afinal, todos fomos expulsos do Paraíso e condenados à solidariedade. Fizemos das fraquezas forças e, uns com os outros, construímos coisas admiráveis. Convenhamos entretanto que tudo isto é muito complicado, pouco gratificante e difícil de fazer. Fácil, fácil, é mesmo tornar-se doente mental.” (pp. 155/156). (Negritos nossos).


[José Luís Pio de Abreu foi alf mil médico, CCS/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto,1971/73]
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11081: (Ex)citações (211): Ainda o P11033 (Vasco Pires)

Guiné 63/74 - P11090: Tabanca Grande (386): João Ruivo Fernandes, ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494 (Xime, dez 1972 / jan 1973), onde foi praxado... É agora o grã-tabanqueiro nº 605, apadrinhado pelo Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART 3494 > Dezembro de 1972 > O fur mil João Ruivo Fernandes, "periquito", em Bafatá, depois de um almoço na véspera de Natal.


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro nº 2, o Sousa de Castro, com data de 7 do corrente:

Caríssimos camarigos editores,

Apresento mais um camarada d’armas João Ruivo Fernandes,  ex-Furriel Miliciano,  que rendeu na CART 3494 o malogrado, fur mil Manuel da Rocha Bento, morto em combate no dia 22 de abril de 1972.

Um abraço, 
Sousa de Castro

2. Mensagem do João Ruivo Fernandes, com data de 7/2/2013 (enviada diretamente para o mail do Sousa de Castro)

Assunto: Pedido de admissão à Tabanca Grande

Caro Sousa Castro


Junto as 2 fotografias, antiga e actual e a história da minha chegada e lembranças do Xime. Vou entrar na vossa Grande Tabanca e, quem sabe, futuramente participar nos vossos convívios anuais. Vou muitas vezes ao Norte, tenho um filho a morar em Braga.

Sou dos Lentiscais, uma aldeia situada a 18 Km de Castelo Branco, mas a minha morada é em Oeiras.

Junto mais 2 fotografias: uma, em almoço em Bafatá; outra em Bissau, mas não tenho a certeza do nome do Furriel que está comigo.

Sem mais de momento, um abraço,

João Ruivo Fernandes



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > CART 3494 > Dezembro de 1972 > O fur mil João Ruivo Fernandes, "periquito" > Almoço de Natal. Legenda do Jorge Araújo (ex-fur mil op esp e também membro da nossa Tabanca Grande): "Da esquerda para a direita, furriéis Pacheco, Araújo, Neves, Fernandes e Godinho".

Fotos: © João Ruivo Fernandes (2013). Todos os direitos reservados



3. Praxado no Xime, no próprio dia da minha chegada  à CART à 3494 

por João Ruivo Fernandes

Sou o João Ruivo Fernandes, ex-Furriel Miliciano de Infantaria, colocado no Xime, em rendição individual.

Desembarquei no Xime, no dia 7 de Dezembro de 1972, para substituir um Furriel que, segundo informação recebida, tinha falecido numa emboscada, penso que era o Manuel da Rocha Bento. (**)

No próprio dia em que cheguei ao Xime, sem que me apercebesse, fui sujeito a uma "praxe" que, inicialmente, foi violenta mas no final tornou-se engraçada. Puseram-me a comandar o meu pelotão e mandaram-me fazer uma operação no mato, a uma zona muito perigosa. Enfrentei vários problemas, soldados completamente "pirados", outros a não quererem continuar na missão, outros a não obedecerem às minhas ordens, etc. etc. Quando cheguei ao Quartel é que me informaram que tinha sido tudo a fingir. Paguei 2 garrafas de whisky e houve alegria.

Mas a minha estadia no Xime não chegou a 2 meses. Durante esse tempo participei na actividade regular do meu pelotão, penso que era o 4.º, não posso precisar. Participei várias vezes, na segurança à estrada de Xime para Bambadinca , em Ponta Coli.

Lembro-me que na véspera de Natal de 1972, num domingo, eu e outros ex-camaradas fomos almoçar a Bafatá (junto fotografia).

Dia de Natal, segunda-feira, saímos para o mato às 6 horas da manhã e regressamos cerca das 11 horas. Houve depois um almoço para graduados e praças no qual esteve presente a mulher do Comandante.

No dia 31, final do ano, tivemos a visita do General Spínola da qual tenho ainda uma frase que ele proferiu no seu discurso: "Estais longe das vossas famílias mas estais perto da Pátria"

Na segunda quinzena de Janeiro de 1973, devido a doença, fui enviado para Bissau (Quartel dos Adidos) e posteriormente internado no Hospital Militar 241, até Abril de 1973. Aqui vi os piores horrores da guerra colonial, tantos militares mutilados.

Durante esta estadia em Bissau (, nos Adidos), opir volta de final de Janeiro de 1973, estive várias vezes com o Furriel Araújo ou Godinho, não me lembro do nome, mas junto fotografia que tirei com ele [, foto à direita,  sendo o  Fernandes o primeiro da direita]. Se algum ex-camarada me puder confirmar o nome, desde já agradeço. [No seu blogue, o Sousa de Castro, diz que o outro furriel é o Godinho].

Durante o mês de Abril de 1973, fui evacuado para Lisboa, estive no hospital da Estrela durante 6 meses. Em junta médica, passei aos Serviços Auxiliares e enviado novamente para a Guiné em Dezembro de 1973, onde permaneci até Agosto de 1974. Este percurso na Guiné, contá-lo-ei mais tarde se estiver dentro do espírito que o Blogue pretende atingir.

Um abraço, João Ruivo Fernandes

3. Comentário do editor:

Antes de mais, o meu/nosso obrigado ao Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2, que bem poderia ganhar o prémio de melhor angariador da Tabanca Grande!... Ele é o mais entusiástico e indefetível apoiante da nossa causa. Já perdi a conta aos camaradas cuja entrada ele apadrinhou, sendo uma boa parte pessoal da CART 3494 (, a companhia mais representada na Tabanca Grande). É um valente minhoto, e o primeiro camarada a bater à porta do nosso blogue, vai já fazer 9 anos!

Quanto ao João Ruivo Fernandes (que chegou ao blogue do Sousa de Castro através de um vídeo no You Tube), o nosso novo grã-tabanqueiro, com o número de entrada 605, é bem vindo, e fica a saber que vem enriquecer uma vasta e diversificada "caserna virtual", composta de gente oriunda das mais desvairadas  partes do país e da diáspora portuguesa, dos EUA à Austrália.

João: és o primeiro grã-tabanqueiro de Lentiscais, sítio por onde ainda não passei (, tanto quanto me diz o meu GPS mental)... Segundo leio na Wikipedia, a tua aldeia natal pertence à  freguesia e concelho de Castelo Branco, situando-se aproximadamente a 2 Km da margem esquerda do Rio Pônsul e albergando uma uma população de  200 almas, na sua maioria já idosas. "A população ativa dedica-se à agricultura, principalmente horticultura, olivicultura e vinicultura. Historicamente começou por ser um Monte, conforme outras aldeias vizinhas. As primeiras habitações foram construídas ao início da Rua Velha. Julga-se que contribuíram para o seu povoamento os pastores da Serra da Estrela que deixavam a Serra no inverno devido à neve (transumância). Hipóteses disso são a padroeira de Lentiscais (Nossa Senhora da Estrela) e várias famílias de apelido Serrano"... Enfim, fico com curiosidade em passar por lá, um belo dia destes. Até para relembrar os tempos (, escassos 2 meses, jan/fev 1969,   em que rapei o maior frio da minha vida) no BC 6, em Castelo Branco antes de ser mobilizado para o TO da Guiné...

O Sousa de Castro já te explicou as regras do jogo. Já pagastes as quotas e a joia: 2 fotos da praxe + 1 história. Queremos naturalmente saber o resto das tuas aventuras e desventuras pela Guiné. Pelo que percebi, terás ficado em Bissau, depois do teu demorado tratamento hospitalar (que te levou ao HM 241, em Bissau, e depois ao HMP, em Lisboa). Fica bem, desejo-te muita saúde, e que nos faças boa companhia, aqui à volta do poilão da nossa Tabanca Grande.  Espero poder conhecer-te brevemente. (LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11084: Tabanca Grande (385): José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), grã-tabanqueiro nº 604

(**) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9457: Memória dos lugares (174): 1.º e 4.º GCOMB da CART 3494/BART 3873 emboscados na Ponta Coli - Xime em 1972 (Sousa de Castro)

(...) Em 22 de Abril 1972 (...), na primeira emboscada, em Ponta Coli, o 1º Gr Comb sofreu um morto, o Fur Mil Manuel da Rocha Bento, natural de Ponte de Sor, onde está sepultado, teve 19 feridos, 7 dos quais graves. Foram louvados em 23 de abril de 1972, pelo comandante do CAOP 2 [, Bafatá,] o Fur Mil Manuel da Rocha Bento a título póstumo e o Fur Mil António Espadinha Carda. (...).

Vd. também poste de 3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9698: O caso da ponta Coli, Xime-Bambadinca (Jorge Araújo)

Guiné 63/74 - P11089: Agenda cultural (254): Uma sugestão do Eduardo Moutinho Santos: Apresentação de "Os media na guerra colonial", tese de dissertação de mestrado da jornalista Carolina Ferreira... Coimbra, Livraria Minerva, sábado,16, 15h30

1. Com pedido de divulgação por parte do nosso camarada Eduardo Moutinho Santos, advogado com escritório no Porto, cofundador da Tabanca de Matosinhos,  e que no dia passado dia 2 festejou as suas 66 primaveras. Mesmo com um atraso de 10 dias, aqui vão 600 alfabravos de toda a Tabanca Grande. [Desculpa. Eduardo, mas esse teu dado biográfico não constava do nossos ficheiros secretos...].

Só há relativamente pouco tempo, em outubro passado, o Eduardo Moutinho Santos, "regularizou os papéis" como residente da Tabanca Grande. Recorde-se que ele foi alf mil  da CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e cap mil grad. cmdt da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada).

Os Media na Guerra Colonial: A manipulação da Emissora Nacional como altifalante do regime, de Carolina Ferreira

Está prevista para Sábado, dia 16 de Fevereiro, pelas 15H30, na Livraria Minerva Galeria em Coimbra, Rua de Macau, 52 (Bairro Norton de Matos) em Coimbra, a sessão de apresentação do livro, de Carolina Ferreira. Vd. convite em anexo.

A apresentação será feita pela historiadora Isabel Nobre Vargues, que dirige a Colecção"Comunicação,
História e Memória".  E conta ainda com João Sansão Coelho e José Manuel Portugal como oradores convidados, para evocar o Dia Mundial da Rádio (13/2),  olhando para a radiodifusão de ontem, de hoje e de amanhã.

Cpts E Moutinho Santos





CAROLINA FERREIRA:

(i) Nasceu em 1980 em Oliveira do Bairro, cidade onde ainda hoje reside;

(ii) É licenciada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC);

(iii) Já a trabalhar, decidiu prosseguir a carreira académica, tendo concluído o Mestrado em Comunicação e Jornalismo da FLUC em 2007, com a dissertação deu origem a este livro;

(iv)  Ainda nos tempos de estudante, colaborou com diversos projectos de media a nível regional, com destaque para a Rádio Universidade de Coimbra:

(v) Mas foi na SIC Notícias que começou a trabalhar em pleno na profissão que a apaixona, com estágio curricular e profissional, entre 2002 e 2003:

(vi) Desde 1 de Outubro de 2003 integra a redacção da RTP em Coimbra, como jornalista de rádio e televisão:

(vii) Entre os directos e as reportagens, a noticiar os acontecimentos com palavras, sons e imagens, é como se sente "em casa":

(viii) Em 2011 recebeu o prémio Rádio "Os Direitos da Criança em Notícia", promovido pelo Fórum sobre os Direitos das Crianças e dos Jovens, com a reportagem "Filhos de Ninguém".

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11082: Agenda cultural (254): Apresentação dos livros: "Os Resistentes de Nhala", de Manuel Mesquita e "Ultrajes na Guerra Colonial", de Leonel Olhero, dia 14 de Fevereiro de 2013, pelas 16 horas, na Messe de Oficiais, Praça da Batalha - Porto

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Iemberém > Galeria fotográfica da AD - Acção para o Desenvolvimento > Iemberem atrai cada vez mais turistas > Foto tirada em 16 de maio de 2009 usando uma Canon Digital IXUS 85 IS.

Legenda: "Em plena floresta de Cantanhez, a tabanca de Iemberem tem vindo a oferecer melhores condições de acolhimento para os turistas que, vindos de Bissau ou da Europa, procuram nestas paragens um contacto directo com as populações locais, com a sua cultura, a sua maneira de estar na vida e ao mesmo tempo apreciarem a beleza única que este Parque Nacional proporciona em termos de flora e fauna selvagem.

Com o apoio da União Europeia e da ONG IMVF de Portugal, está em fase de conclusão a construção de um restaurante típico e a reabilitação de uma unidade de alojamento com 5 quartos. Em colaboração com a ONG italiana AIN Onlus foi identificado e ir-se-á implantar um Parque de Campismo que permita aos apreciadores estar mais perto da natureza e igualmente a identificação de dois itinerários marítimos: o da ilha dos pássaros e o do ilhéu de Melo."



Fotos: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013). Todos os direitos reservados [, Com a  devida autorização e vénia...]



1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, da nossa grã-tabanqueira Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça) e Alice Carneiro (Alfragide/Amadora)...

Em 2012, esteve na Guiné-Bissau cerca de três meses (, de meados de janeiro a meados de abril). Mais exatamente, em Iemberém, Parque Nacional do Cantanhez, região de Tombali, onde esteve a trabalhar como voluntária no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento. Devido ao golpe de Estado de 12 de abril , acabou por sair da Guiné-Bissau, por razões de segurança, passouo um mês em Dacar, no Senegal. Regressou a Portugal, fez agricultura biológica e,  neste momento, vive na Índia, em Auroville (onde pensa ficar até meados do ano). 

Chegou em Iemberém no dia 17/1/2012. E ficou hospedada nas instalações locais da AD, a ONGD que é dirigida pelo nosso amigo Pepito. [, Foto atual de Anabela, foto da autora].



2. Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VI) (*)

[Foto à esquerda: Anabela Pires, em Catesse,  Cantanhez, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]

9 de Fevereiro de 2012

Voltando ao dia 4… a tal música que ouvi toda a noite…e que se continuou a ouvir de vez em quando até às 14 horas, tratou-se de um ritual religioso dedicado aos mortos. É um rito muçulmano, que uma família organiza, para o qual faz convites e cujo objetivo é rezar para que aqueles que já morreram estejam ou fiquem em paz no outro mundo. Pelos vistos tem estado a cair em desuso e o Imã tem incentivado os fiéis a retomá-lo.

No dia 4, à tarde, chegou o grupo que está a produzir um filme sobre um “chão sagrado” para os Bijagós (uma das etnias locais, certamente com origem no arquipélago dos Bijagós). Eram 18 pessoas, guineenses e portugueses. O realizador é guineense, Sana (**), creio, os dois actores principais também, a equipa técnica é portuguesa, da LX Filmes. Tinham 2 responsáveis pela logística, a Isabel, portuguesa, e o Domingos, guineense, motoristas e outro pessoal de apoio.

À partida vinham por 3 dias mas acabaram por ficar 4. Foi uma canseira! Assim que chegaram, antes da hora que os esperávamos, foram, naturalmente depois de uma cansativa viagem, até ao restaurante beber umas bebidas frescas (aqui as opções são cerveja Cristal ou Super-Bock XL, Sumol, Fanta, Coca-Cola ou Lito-Cola e uns sumos sem gás enlatados, que podem ser de goiaba, manga ou tamarindo. Passei o Sábado com a Satu e a Mimi (2ª mulher do Adulai, primo-irmão da Satu, que já costuma fazer bolinhos de coco para vender e que a Satu tem tentado incentivar para que fique responsável pelas sobremesas no restaurante) a fazermos 2 Tartes de Coco e Banana e Laranjas da Guiné à moda da Rosinda. Chegada a hora do jantar, a Satu estava sem empregado de mesa, o Cabi. Pensei que fosse só nesse dia uma vez que tinha sido a sua família a organizar o tal rito religioso, mas não, o Cabi não voltou a aparecer. E assim passei os últimos dias no restaurante a ajudar a Satu, não só com as sobremesas, com a Salada de Repolho e Cenoura, com as sanduíches, mas também a pôr e servir à mesa. Enfim, fi-lo não por obrigação, mas por solidariedade para com a Satu, para que tudo corresse o melhor possível e o grupo pudesse sair daqui com uma boa imagem do serviço prestado.

Foram dias de bastante trabalho, pois tomavam o pequeno almoço, quase de seguida almoçavam e partiam para as filmagens com um farnel de sanduíches (o mais difícil foi decidir o conteúdo das mesmas, entre as poucas opções de ingredientes que há por aqui!), bananas, laranjas (têm de ser previamente descascadas pois a casca é tão rija que é preciso faca para as pelar!), sumos, águas, termos de chá Belgate (erva Príncipe), de água quente para o nescafé, de açúcar, de guardanapos (quando acabam fazem-se de lencinhos de papel)!

As sanduíches foram uma consumição! O melhor foi que o vizinho padeiro fez sempre os “cuduros” (tipo cacete feito em forno de lenha! Não sei se o nome dos pães tem a ver com o facto das pontinhas ficarem muito rijas …). Os recheios foram uma só vez de queijo (que era meu e dispensei para o efeito!), de mortadela enlatada (que os clientes apreciavam muito pouco! Lembro-me que em Moçambique também usávamos muito esta carne mas em Portugal penso que quase só os jovens comem esta carne quando vão para os festivais de verão), de ovos mexidos (que a Satu nunca tinha feito nem provado – diga-se que aqui não há abundância de ovos e são mais caros do que em Portugal!), de carne estufada de cabrito ou de frango.

O jantar e os almoços tiveram como prato principal (e único, pois só numa das refeições servimos uma salada) peixe, frango e cabrito, acompanhados quase invariavelmente de arroz, batata branca, mandioca e batatas doces fritas e …. Molho! O molho é que é, ao fim de alguns dias, um problema para os europeus! Sendo quase sempre feito com os mesmos ingredientes, o molho torna os pratos muito iguais, sejam de peixe, cabrito ou frango. O que comi de diferente foi frango com molho de amendoim (aqui designado mancarra), bastante bom, pesado para o jantar e cuja confecção é mais demorada, pelo que não foi possível fazê-lo em dia algum para os clientes. Fizemos também arroz doce, com leite em pó, e uma salada de fruta com laranja, banana e papaia.

Apesar de todas as limitações penso que tudo correu bem no restaurante. E para aqueles e aquelas que me gozaram uma vida inteira por eu não fazer nada na cozinha quando não tinha todos os ingredientes e/ou todos os utensílios necessários, aqui fica o registo – temos feito sobremesas sem balança, sem batedor de claras (só há garfo!), sem tarteiras, arroz de peixe sem coentros e muito mais! A Satu está bem habituada a desenrascar-se e assim encontramos sempre uma solução! Tenho-me adaptado melhor do que aquilo que eu própria esperava quando vim. EUREKA!

Nos alojamentos falhou a reposição de papel higiénico (a empregada responsável pela Casa do Ambiente esqueceu-se de o repor e a responsável pela gestão dos alojamentos não foi verificar nada!), a mudança de toalhas de banho (só existem em número igual ao das camas pelo que não havia para mudar e o tempo não permitiu que se lavassem de manhã e recolocassem à noite) e a falta de roupa mais quente para as camas (não entendo como nunca foram ainda comprados cobertores finos ou colchas quentes pois de vez em quando as noites são bem fresquinhas! Eu que o diga, que para a próxima, se voltar, não venho sem saco cama e outras coisinhas mais aconchegantes!). Espero que a curto prazo estes problemas se resolvam, assim a AD tenha verba para fazer algumas compras.

Sobre o grupo de clientes [...]. Estavam na deles e nós para os servirmos. É verdade que tiveram uns dias muito cansativos e o tempo não ajudou muito. No Domingo choveu um pouco, esteve sempre fresco (e eles trabalhavam no mato até às tantas da madrugada) e tem estado uma “neblina” permanente que é da poeira. Segundo me disse ontem a Isabel ao telefone até o aeroporto de Dakar tem estado fechado por causa da poeira. Pedi-lhes que antes de se irem embora escrevessem no nosso livro de visitas mas não o fizeram. A grande maioria das pessoas foi-se embora sem sequer se despedir! As únicas notas positivas foram:

(i) um dos jovens guineenses que logo no segundo dia foi à cozinha para me dizer que eu era muito bonita. Agradeci e disse-lhe que há muito tempo que ninguém me dizia tal coisa e perguntei se o que ele queria dizer é que eu era simpática. Ele disse que sim. Creio que os tocou o facto de eu tratar à mesa todo o grupo por igual. A mesma atenção e tratamento que dava aos europeus, dava aos guineenses, fossem eles o realizador, o actor ou o motorista. Aqui, como se calhar no mundo inteiro, ainda existem as discriminações pela raça, posição social, etc…, e por isso os mais desfavorecidos sentem a diferença de tratamento pela positiva ou pela negativa;

(ii) um senhor mais velho, preto, pareceu-me que seria originário de Angola, veio despedir-se;

(iii) o realizador despediu-se da Satu e o produtor de mim, porque estivemos a fazer as contas.

Considerando que o alojamento foi oferecido pela AD e que só pagaram as despesas de alimentação, que fizemos o possível e o impossível para os servir bem, era, no mínimo, expectável, um pouco mais de gratidão. Bom, esperemos que pelo menos agradeçam à AD. A única desculpa que lhes concedo é o facto de estarem extremamente cansados no dia da partida e cheios de pressa.

Assim, se eu tinha a expectativa de puder conviver um pouco com os visitantes europeus começo a perdê-la e, de facto, com quem convivo, com quem me rio muito, com quem me divirto, com quem converso é com as mulheres com quem trabalho, com as crianças aqui do “meu terreiro” e esporadicamente com algum dos homens que aqui trabalham. Com a Satu, de quem o Pepito me disse ser uma mulher reservada, tenho-me rido imenso e muitas vezes! É muito divertida, a Satu,  e uma líder nata no mundo das mulheres. Sendo de uma imensa generosidade tem também a ajuda espontânea das suas amigas, quando precisa. E tem claramente espírito de empresária. Quer aprender tudo, toma atenção a tudo o que faço, seja no restaurante, nos alojamentos ou em minha casa, faz muito bem contas à vida e consegue dividir uma tarte, aí com uns 25 cm de diâmetro, em 18 fatias! E não me deixou servir mais! Disse que a outra tarte que tínhamos feito ficava para o pequeno-almoço do dia seguinte! E assim foi! No dia em que foi a Mimi, com as instruções da Satu, a colocar os ovos mexidos nas sanduiches, sobraram imensos ovos (com os quais nos deliciámos a seguir!); quando fui eu a fazer as sanduíches lá consegui, com muito custo, que sobrassem 2 colheres de ovos para os dar a provar às mulheres e crianças que estavam na cozinha e que nunca os tinham saboreado. Desta forma está decidido: quando houver pouco de qualquer coisa terá de ser a Satu a repartir! Vai sempre ser suficiente! O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana.

Estes dias de trabalho no restaurante foram para mim a grande oportunidade para me aperceber melhor do que é preciso corrigir. Agora tenho uma noção mais clara do trabalho que é preciso fazer no restaurante, para além da diversificação das sobremesas e de alguns pratos. Há que organizar melhor o espaço da cozinha e do bar para facilitar o trabalho, há que ensinar a duas pessoas o serviço de mesa e alguém terá de ficar responsável pelas sobremesas. A Satu é a cozinheira e preocupa-se com a compra das matérias-primas, não pode arcar com mais trabalho, sob pena de alguma coisa correr mal, sobretudo quando são grupos maiores. O mais difícil será mesmo a escolha das pessoas pois a maioria gosta de trabalhar a um ritmo lento e nos dias que lhe apetece e o trabalho de restauração não se compadece com isso. Bem, a escolha das pessoas certas cabe à Satu, não a mim.

Saindo do tema trabalho, outros acontecimentos destes últimos dias são dignos de nota.

De Domingo para 2ª feira nasceu a filha da Cadi, mulher do nosso padeiro. Eu apostava que seria um rapaz e até que poderiam ser gémeos (era grande e bicuda a barriga e a senhora já tem gémeos!), mas foi uma grande menina. Aqui o nascimento ainda é uma surpresa! Não se fazem ecografias e o nome só é colocado ao 7º dia após o nascimento. A bebé, como sempre à nascença, é muito clarinha e rosadinha e nasceu com uma enorme cabeleira. O parto foi feito em casa da Mariama com a ajuda das mulheres, entre elas a Satu, que passou a noite em claro e no dia seguinte estava no restaurante a trabalhar. Correu tudo bem, pelo menos aparentemente, e dois dias depois a Cadi já andava no terreiro e já tinha leite para amamentar a bebé. E, como estou quase sem bateria no computador, fico-me hoje por aqui.

Não quero deixar de registar que a minha Mila faz hoje anos e lhe vou telefonar, que o Castelão fez ontem e recebeu a minha sms, mas o Mouzas e o António fizeram anteontem e não devem ter recebido as minhas mensagens pois nada disseram. Esta dificuldade em comunicar com o exterior é um bocado enervante mas muitas e muitas vivências têm sido aqui compensadoras. E continuo a gostar muito de cá estar!

[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

(**) Presume-se que seja o Sana Na N'Hada, um histórico do cinema da Guiné-Bissau, a par de Flora Gomes.  Ver aqui nota sobre ele em texto de Filomena Embaló, de 10/2/2008, sobre o cinema guineense:

(...) Sana Na N’Hada, nasceu em Enxalé, na Guiné-Bissau, em 1950 e completou os estudos secundários em Cuba. Formou-se em Cinema pelo Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica, tendo também cursado no Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (IDHEC), em Paris. Em 1979 foi Director do Instituto Nacional de Cinema da Guiné-Bissau.

Foi na década de 1970 que Na N’Hada deu início à sua carreira de realizador com a produção de curtas metragens: “O regresso de Cabral” (1976), “Anos no oça luta” (1976), ambas em co-realização com Flora Gomes, “Os dias de Ancono” (1979) e “Fanado” (1984). Em 1994 realiza a sua primeira longa metragem com o filme “Xime", que esteve em competição oficial nesse mesmo ano no Festival de Cannes, na secção Un certain regard.

Em 2005, realiza o documentário “Bissau d’Isabel” que foi galardoado com o Prémio Revelação (RTP África) no ’05 Festival Imagens, em Cabo Verde no ano de 2005. O filme foi também exibido em diversos outros festivais e mostras de cinema: Mostralíngua – Festival de Cinema de Coimbra, Portugal (2007); Biblioteca Municipal Dr. Fernando Piteira Santos na Amadora, Portugal (2007); ... E África aqui tão perto – Programação do Museu Nacional do Traje e da Moda em Lisboa, Portugal (2007); IV Festival de Cine Africano Tarifa em Espanha (2007); Festival Internacional do Filme Documental de Guangzhou, na China (2006); Cineport – II Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (2006) e na RTP África em 2005 e 2006. (...)


Sobre o filme de longa metragem, "Xime" (1994), com a duração de 95', Selecção oficial do Festival de Cannes 1994, vd aqui sinopse, retirada da mesma fonte (Filomena Embaló):

(...) A boa colheita que se anuncia neste ano de 1963, deixa optimista a tabanca de Xime. Porém, Lala, o viúvo, pai de Raúl e Bedan. está preocupado. Raúl, o seu filho mais velho, estuda com os padres em Bissau e as autoridades coloniais andam à sua procura. O seu filho mais novo, Bedan, que ficou na tabanca, entrou na adolescência, fase em que os jovens pensam que podem fazer tudo. Quando a tia Samy sai do seu estado de prostração, anuncia a Lala as piores catástrofes. Raul, o filho ausente, regressa à tabanca. O pai recusa-se a reconhecê-lo. Bedan, embora sensível às ideias revolucionárias de Raúl, não está pronto para aceitá-las. Raúl é também rejeitado pelo padre que o instruiu. Durante as ausências de Raúl, a tabanca volta a estar calma. Bedan deve submeter-se aos ritos de iniciação reservados aos jovens para se tornarem adultos. Esta iniciação ensina-lhes a trocarem a violência da adolescência pela doçura e reflexão. É durante a iniciação que os militares irrompem perseguindo Raúl que acabam por matar. O filme acaba no momento em que Bedan, iniciado à não-violência, vê a situação do país contradizer esta tradição. Bedan, diante do irmão morto, renega os ensinamentos dos seus mestres e declara: “Desta vez é a guerra”. (...)

[Fotograma retirado do sítio Mubi, com a devida vénia]